High Life, mais um paralelo óbvio com a Pandemia?

Marcel Silva Gervásio
The Halo
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4 min readNov 27, 2020

Estrelado por Robert Pattinson e Juliette Binoche, High Life estreou dia 7 de novembro de 2018 na França, e chegou ao Brasil no segundo semestre deste ano pelos streamings. Dirigido por Claire Denis, o filme mergulha no drama existencial típico desse gênero de forma própria.

Produzido pela A24, queridinha dos hipsters e cinéfilos, a casa de filmes como Moonlight e Midsommar não pareceu ter muita sorte com essa produção que custou cerca de oito milhões de euros, mas arrecadou cerca de 2,8 milhões de dólares unindo o desempenho do mercado de distribuição doméstica e internacional.

Mesmo não agradando muito o público, o filme ganhou atenção da crítica especializada e em especial com a chegada dele no mercado brasileiro em meio a pandemia de Corona Vírus e por conta do seu tema acabou ganhando comparações óbvias com a situação atual de isolamento social.

Em uma nave próxima a um buraco negro em algum lugar fora do sistema solar, um dos últimos sobreviventes de uma missão suicida com o objetivo de gerar energia ilimitada para Terra, luta para criar um bebê enquanto tenta manter seu frágil lar em funcionamento.

Os primeiros vinte minutos do filme se concentram na relação de Monte (Pattinson) com a pequena Willow, conquistando a minha empatia logo de cara. O astronauta se mostra um pai atencioso, dedicado a cuidar da melhor maneira possível daquela bebê simpática e fofa.

Em meio a tomadas da rotina dos dois somos apresentados a realidade da nave, o lugar parece abandonado, sem sinal de outros tripulantes e quando eles finalmente aparecem, vemos o personagem sendo obrigado a jogar os corpos de seus companheiros ao espaço para conseguir economizar energia e manter aquele lugar funcionando.

Os flashes da tripulação se misturam com o cotidiano da família e com lembranças ainda mais antigas de astronauta, vemos então o motivo para ele estar ali e aos poucos entendemos que as pessoas ali, incluindo Monte, eram prisioneiras e não astronautas e a missão de criar energia para Terra era apenas um dos motivos para eles estarem ali.

Comandados pela Doutora Dibs (Binoche), os detentos estavam envolvidos em uma experiência para gerar um bebê que sobrevivesse ao ambiente hostil do espaço. A médica obcecada com sua missão e dona de um passado criminoso como os outros ali, Dibs se comporta praticamente como um súcubo durante todo filme, incitando os tripulantes, colocando uma espécie de feromônios no ar, comprando material genético dos homens com drogas e inseminando as mulheres contra a vontade. Quase como uma forma de se redimir por ter tirado a vida dos seus filhos na Terra.

Com uma aparente inibição para que não houvesse interação entre os detentos, uma estranha câmara é palco da cena mais folclórica no filme. Como parte do processo, os tripulantes são estimulados a usar a chamada Fuck Box, onde eles poderiam se masturbar de uma forma bem enérgica, digamos assim. Ela é apresentada através de Dibs (Binoche) que cavalga numa espécie de touro mecânico/cadeira de motel numa ferocidade que exprime bem a visão de bruxa que os outros têm dela.

Monte é o único que não usa a máquina, preferindo fazer um voto de abstinência. Ele tem uma relação meio torta com Bosey (Mia Goth), personagem que se mostra contra as experiências de Dibs e cria formas de se livre da gravidez indesejada que acaba matando não só os bebês, mas também as mães.

O sexo está no centro dessa segunda parte do filme, sua força destrutiva para ser mais especifico. O desejo, o sexo e até mesmo a violência sexual não constroem nada na trama. Essa energia é fonte de discórdia, morte e até vergonha durante todo o filme e até a vida de Willow só é viável de forma artificial, fruto de duas violências.

A menina é biologicamente filha de duas pessoas que não queriam ter filhos, seu papel ali talvez seja mostrar como pessoas não verdadeiras donas das próprias vidas.

Bosey, sua genitora morreu logo assim que ela nasceu por não aguentar a violação de seus desejos e protagoniza a cena que mais deixou desconfortável, onde seus seios estão vazando leite e ela parece inconformada com aquela situação.

Visualmente o filme não impressiona muito. Se você está acostumado como representações do espaço em filmes de grande orçamento, High Life decepciona. O filme não é feio, muito pelo contrário, é perceptível o cuidado que a direção de arte tem com a iluminação e em criar cenários esteticamente fortes. A própria direção parece se empenhar em criar retratos contemplativos sobre as questões se circundam o filme.

A representação do espaço no filme como um lugar vazio e escuro, tem mais a função de intensificar a sensação de solidão e vazio vivida pelos personagens. A representação da gravidade, ou a falta dela é a única coisa que me incomoda um pouco no filme, em dois momentos em que parece existir gravidade fora da nave.

High Life é um filme de ficção científica contemplativo, fugindo das típicas imagens hollywoodianas de perder o fôlego sobre o espaço, o filme aposta em algo mais contido. O espaço nunca é apresentado em sua imensidão e sim como um lugar vazio e escuro que afasta Monte do convívio com outras pessoas. No geral o filme trata bem os temas que apresenta e prende o espectador mesmo que alguns momentos o filme pareça lento demais. Se você ainda é uma das poucas pessoas no Brasil obedecendo o isolamento social e quer se sentir acolhido observando a vida de outro isolado, essa é uma ótima opção.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).