Inspirado num sonho.

Marcel Silva Gervásio
The Halo
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5 min readNov 27, 2020

Dana é uma escritora que se muda para Los Angeles no seu aniversário de 26 anos, dias antes do inicio do verão de 1976. Ela chega animada na casa nova ao lado do marido Kevin que também é escritor e começam a desempacotar as coisas quando Dana sente um desconforto, quase como uma queda de pressão aliada a um escurecimento da visão. No instante seguinte ela não está mais em casa e sim e sim num campo aberto ao lado de um rio onde uma criança se afogava, no impulso ela salva a criança sem saber que estava se ligando a ele de certa forma até a morte.

Kindred é um romance histórico que mistura viagem no tempo escrito por Octávia Butler em 1979. A história se concentra no dilema que Dana sente ao se ver presa na Maryland escravagista pré-guerra civil do século dezenove

O livro foge do conhecido pornô de tortura que a indústria do cinema e da televisão gosta de retratar quando contam histórias dessa época, não existem brancos salvadores, por mais que Kevin, o personagem que é marido de Dana seja branco, o seu papel ali é outro.

A história se concentra nos dilemas que Dana sente ao se ver presa numa fazenda escravagista do século dezenove antes da Guerra de Secessão. De um lado ela precisa sobreviver a aquele lugar e garantir que sua linhagem tenha continuidade e no outro ela tenta não ser contaminada pela alienação que os laços de sangue são capazes de trazer aos nossos olhos.

Mas eu não estou aqui para falar desse livro e sim de um filme.

(Get Out!) Corra.

Chris Washington é um jovem fotografo que vive um relacionamento interracial com Rose e fica meio reticente ao descobrir que vai conhecer os pais da namorada que garante que os pais não são racistas e vão aceita-lo de boa. Acontece que Chris na verdade está indo para uma enrascada, o que ele acha que é apenas uma visita formal, na verdade é um leilão e ele é a peça principal.

O filme usa elementos de humor e terror para falar da Era Obama nos EUA, em como o racismo se sofisticou ao ponto dos racistas usarem os corpos negros como uma forma de conseguir a vida eterna, mas não era bem esse filme que é o foco desse texto, na verdade devemos discutir Antelbellum.

Numa mistura de Get Out e Django Livre, Antebellum conta a história de Veronica, uma escritora bestseller que é sequestrada levada para uma espécie de plantation escondida num clube que recria a Guerra de Secessão, aqui apresentada como uma pessoa escravizada tentando lutar para permanecer enquanto planeja uma forma de escapar daquele lugar.

Comandado por Gerard Bush e Christopher Renz diretores de curtas e clipes estreiam como diretores de longa metragem e responsáveis pelos roteiros. O filme é estrelado por Janelle Monáe, Jena Malone (Too Old to Die Young), Marque Richardson (Dear White People), Eric Lange (Narcos). O filme estreou direto nos streamings por conta da pandemia, custou 15 milhões de dólares e gerou 6,5 milhões de bilheteria

Mesmo com Janelle Monaé roubando a cena, o filme se apega num twist bobo enquanto repete e repete tudo aquilo que já foi falado várias vezes das problemáticas de tratar de histórias com a temática escravagista onde mostrar o sofrimento do corpo negro só para chocar ou pior, como um instrumento de entretenimento em nada tem a acrescentar na história.

Confesso que quando eu vi o trailer fiquei animado por conta da vibe de parecer inspirado em Kindred, ainda que o diretor Gerard Bush diga que a ideia do filme tenha nascido de um sonho que ele teve com os seus antepassados, isso me animou e isso continuou pelo primeiro ato, mesmo ele sendo igual a todos os filmes de temática parecida.

O filme se preocupa em criar uma certa aura de suspense sobre aquele lugar e sobre Veronica que enquanto cativa é chamada de Éden e isso foi o suficiente para me manter preso no filme esperando pelo o que viria a seguir.

O segundo ato tinha tudo para melhorar o filme, eu pulei do sofá quando ela desperta em sua casa contemporânea, ao lado do marido, contrastando com a cena anterior dentro de um barraco onde ela está deitada ao lado do seu capataz. Eu considerei que ela fosse como Dana, uma mulher presa ao passado ainda que vivesse no nosso presente.

A construção do suspense desse ato te prende ainda que seja quase como um segundo filme dentro da história. Ver Verônica atuar como uma mulher bem sucedida, uma voz potente dentro do movimento feminista negro e se divertindo com suas amigas em contra partida da aproximação da sua captora é interessante, pelo menos até a revelação do plot.

Por que para mim só existia uma justificativa para aquelas pessoas permanecerem ali passivamente, os confederados de alguma maneira estavam viajando no tempo e sequestrando pessoas negras numa tentativa febril de reverter o resultado da guerra civil.

Mas infelizmente o filme era muito melhor na minha cabeça do na realidade e eles estavam no nosso tempo, presos em uma espécie de reencenação secreta dessa guerra, mas então porque eles não fugiam?

E por prever isso, por prever que essa pergunta que fica cutucando o cérebro que a primeira tomada existe, acho que os diretores estavam cientes que no fim a história não iria convencer e criaram essa primeira tomada, onde Veronica é capturada depois de tentar fugir, ao lado do personagem nomeado de Professor.

Isso até convenceria se o campo não fosse tão próximo da área de encenação e tudo bem que pessoas brancas que são fixadas em brincar desse momento muito provavelmente ajudariam os vilões do filme a manter os prisioneiros dentro dos limites da fake Plantation, mas a questão é que no momento final eles não auxiliam, ela simplesmente sai de lá a cavalo com um machado na mão.

Antebellum se inspira em boas ideias para criar um filme morno que promete algo e no fim não entrega nada além da problemática dos filmes com o mesmo tema, mesmo com a presença de Monáe, o filme consegue criar um segundo ato muito mais interessante que todo o resto do filme, mas se você for como eu e gosta de passar raiva assistindo filmes, esse é uma dica perfeita para você.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).