Judas e o Messias Negro.

Resgatando a história de Fred Hampton.

Marcel Silva Gervásio
The Halo

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Com o inicio da temporada do Oscar o espirito cinéfilo desperta até nos mais blogueiros mais fajutos, ávidos para exibirem seus conhecimentos cinematográficos reclamando de todos os filmes da lista.

E como não poderia ser diferente, hoje vim dar meus dois centavos sobre um filme que tem sido esperado pela minha bolha de amigos há algum tempo. Mesmo sabendo que não se deve acreditar em trailers, fui capturado pela promessa de um thriller politico e eletrizante que me foi vendido ali e caso esse seja o seu caso, já aviso que o filme é bem mais sóbrio do que parece ser num primeiro momento.

Para mim, isso não transforma o filme numa história ruim, pelo contrário, Judas e o Messias negro tem dois objetivos bem claros e cumpre com eles muito bem. O primeiro é apresentar a história de Fred Hampton e o segundo é nos fazer querer se aprofundar mais sober aqueles personagens e seus ideias politicos, assim como eu, depois de assistir ao filme você provavelmente vai gastar algumas boas horas de pesquisa no Google.

Dirigido pelo estreante Shaka King, Judas e o Messias negro é um projeto idealizado pelos irmãos Lucas e teve uma série de dificuldades até conseguir sair do papel. O filme conta com nomes como Daniel Kaluuya, LaKeith Stanfield, Jesse Plemons e Dominique Fishback e retrata os últimos anos de vida de Fred Hampton, um revolucionário comunista, presidente do Partido dos Panteras Negras, que foi vítima de uma conspiração do FBI para coibir o crescimento do partido.

O filme chegou aos cinemas americanos no dia 25 de fevereiro e logo depois foi disponibilizado para locação digital, o que por algum motivo ainda não aconteceu aqui no Brasil. Acho que é necessário lembrar que ainda estamos numa pandemia, então fique em casa e se for assistir ao filme, o faça de maneira segura, o que nesse momento significa ficar longe de uma sala de cinema.

Atuações fortes e uma história imersiva.

É impossível não notar que o filme é feito para premiação, porém ao contrário de outras produções onde isso muitas vezes tem o poder de afastar o espectador, a obra de Shaka King conseguiu capturar minha atenção ainda nos primeiros minutos do filme.

Talvez por conhecer pouco dos acontecimentos reais, a narrativa linear e menos explosiva do que eu esperava não atrapalharam em nada o meu interesse pela história, mas uma das coisas que me chamou um pouco atenção foi a falta de interação entre Bill e Fred.

Como eles são os catalizadores da história, eu esperava um pouco mais de tensão e conflito entre os dois, mas lendo e vendo algumas entrevistas percebi que essa foi uma escolha do diretor para manter a relação dos dois mais fiel à realidade.

As atuações são o ponto alto do filme, Daniel Kaluuya mostra que é um ator excelente se entregando ao personagem tornando impossível comparar com qualquer outro personagem que ele tenha feito até então.

Dominique Fishback se destaca mais no terceiro ato do filme, quando Deborah se vê gravida e conflituosa com o tipo de mãe que ela vai se tornar ao colocar uma nova vida num mundo em guerra, Jesse Plemons mais uma vez está fazendo aquele personagem branco que você não sabe se é um completo canalha ou não, mas para mim é LaKeith Stanfield que rouba a cena ao transmitir muitas vezes apenas com o olhar todas dúvidas e contradições do seu personagem.

Acho que se fosse qualquer outro casting eu teria ficado confuso com a escolha de atores tão mais velhos para retratar essas pessoas, Fred Hampton tinha apenas 21 anos e Bill O’Neil estava entre os seus 17 e 18 e para mim isso ajuda muito entender as contradições deste ultimo.

Trinta moedas de prata e um posto de gasolina.

Judas e o Messias negro é uma história sobre o resgate de uma figura importante dentro da comunidade negra norte-americana, além de uma importante liderança marxista e ainda que de forma tímida não tem medo de ser didático em introduzir conceitos do marxismo enquanto apontar as contradições que marcam o sistema capitalista.

Por outro lado, é uma história sobre como é uma história sobre como as pessoas colocam interesses individuais acima dos interesses coletivos. No entanto, o filme se segura demais em tratar alguns de seus personagens como seres humanos. Talvez por conta da interferência da família, Fred é um personagem unidimensional. Ele vive para revolução, é a revolução, mas não tem medos dúvidas, é de fato uma figura messiânica, quase não humana.

Por conta dessa aura religiosa que o título traz as comparações são mais do que naturais e o filme até fez pequenos acenos a ela, mas eu senti falta da direção assumir isso, o que pode não ter acontecido talvez porque o diretor não quis abraçar a teatralidade que seria necessária para isso.

Tirando pequenos momentos do agente Mitchel onde ele é confrontado com a realidade do sistema que ele faz parte, Bill O’Neil o personagem mais tridimensional da história. Fred é uma figura inspiradora, seus discursos geraram em mim uma série de reflexões, mas é em Bill que consigo enxergar não apenas minhas contradições, mas as contradições da sociedade onde estou inserido.

O filme em nenhum momento tenta absolver o personagem da culpa que ele carrega na conspiração contra o presidente dos Panteras Negras, mas deixa claro que Bill era apenas um peão sendo usado pelo Estado, manipulado pelos seus desejos individuais.

Para mim fica claro como o personagem estava atrás de pertencimento e viu nas duas figuras essa possibilidade. Eu gosto como LaKeith transparece em sua atuação que Bill chegou a acreditar nos ideais do partido, quis se integrar a comunidade, mas como a ambição e a pressão do FBI acabaram falando mais alto.

E esse é o maior acerto do filme para mim, além da curiosidade que ele desperta em conhecer mais sobre esses personagens e suas ideologias, a produção me fez olhar ao meu redor e me perguntar em quais momentos eu ajo como o Bill, colocando meus interesses acima dos interesses coletivos.

Não sei se é por conta da pandemia ou não, mas para mim foi difícil escrever esse texto porque passei parte do meu dia pensando sobre o que eu escreveria, se eu deveria me ater apenas a fazer uma crítica rápida ou desenvolver algo além sobre como assistir esse filme nesse momento só contribuiu para me gerar mais revolta e tristeza.

Num país onde empresários furam fila de vacinação, onde um presidente deixa pessoas morrerem apenas para avançar com uma agenda econômica e pessoas são incapazes de ficar em casa por conta de uma necessidade egoísta de irem para festas, é inevitável pensar o quanto fomos contaminados por um individualismo identitário que não vai nos levar a lugar nenhum.

Estamos desmobilizados politicamente, presos dentro de um dia da marmota mortal, incapazes de pensar no amanhã e no próximo. A figura de Bill O’Neil pode estar ali para nos lembrar como viver apenas para nós mesmos traz consequências desastrosas.

Em duas horas de Filme, Shaka King sintetiza os fundamentos do marxismo, homenageia uma liderança importante como Fred Hampton e consegue despertar um pouco do tão saudável ódio ao Estado Burguês. Como é o meu primeiro filme da lista de indicados, ainda é cedo para falar de favoritismo, mas não ficaria surpreso se o filme levasse algumas das seis estatuetas das quais foi indicado.

Nota: 07/10

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).