O copo vazio.

Marcel Silva Gervásio
The Halo
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4 min readAug 9, 2019

Se você acompanha as notícias e é do lado certo da força o seu estoque de esperança não anda lá muito cheio e eu te entendo bem já que otimista não é bem a palavra que me define. O mundo parece mais caótico que nunca e a democracia como conhecemos parece estar perto do fim e isso não só no Brasil, infelizmente é uma tendência global.

E pra fugir dessa corrente de desesperança eu me joguei no bom e velho escapismo e cometi o erro de começar a acompanhar Years and Years da HBO. Não me leve a mal, assisti uns quatro episódios é tudo muito perfeito, a história é muito boa, o que me deixou mais aflito que o normal. A minissérie é o retrato perfeito do nosso presente e apresenta possibilidades onde talvez eu não tenha um futuro.

A história acompanha uma família londrina no decorrer de quinze anos e através de seus olhos vemos como nossa negligência com certos direitos e deveres aos poucos cobra seu preço, como deixamos coisas que parecem sem importância ganharem peso e relevância e quando acordamos e tentamos reagir já é tarde demais.

Tendo isso em mente você consegue entender meu temor, além disso eu sou muito alarmista. Aos duros golpes da minha curta estadia na Terra já aprendi que pessoas como eu, que vieram de onde eu vim precisam se esforçar e desdobrar muito para se transformarem em pontos fora da curva e o que vi até agora me faz pensar que minhas chances estão acabando e que em muito em breve as coisas vão sair do controle.

Pra começar o que me choca ao pensar na vida dos Lyons é como nossa capacidade de adaptação é uma grande armadilha. A Londres que eles vivem sofre as consequências de um mundo onde o capitalismo começa a dar sinais de que sua saúde não anda tão bem, onde o sistema político começa a se voltar contra suas fundações e tem um planeta que agoniza como plano de fundo. E a primeira coisa que eles fazem não é mudar, não é tentar concertar, eles se adaptam e seguem com suas vidas como se nada estivesse acontecendo. Eu tenho visto isso no meu dia a dia e pelas coisas que a ficção me mostrou o resultado não é muito bom.

Terminamos 2018 sabendo que a vida iria mudar completamente dependendo de quem estivesse no Palácio da Alvorada. Quando primeiro de janeiro chegou, mesmo com medo tentamos nos convencer que a vida continuaria a mesma. Eu tentei acreditar nisso e focar no que era necessário para avançar no que eu sonhei para mim.

E funcionou por um tempo, tenho aprendido muito sobre mim e sobre o mundo nesses oito meses, mas os sinais estão aí e o status quo tem mostrado que ainda vai causar muitos estragos antes de dar seus últimos suspiros e desaparecer.

O problema é que em condições normais já não estávamos muito ágeis em resolver problemas simples como o direito de alguém ser chamado pelo o nome que escolheu. Imagine agora onde todas as nossas certezas e dogmas que formaram a sociedade estão se desfazendo e temos uma geração de pessoas que se sentem esvaziadas de significado e qualquer coisa pode ser o estopim para um caminho sem volta.

Fazer parte e estar no meio disso já causa sérios problemas, imagine fazer parte disso sendo três vezes a parte mais frágil dessa equação sabendo que seu tempo para assegurar a sua sobrevivência e a da sua família está acabando? O que você faria?

É paralisante.

Tenho assistido meu país se transformar numa caricatura do seu pior passado, as coisas estão piorando e o discurso contra a minha existência está engrossando. Eu não sei o que fazer pra resistir a isso, se faço como os Lyons e vivo um dia de cada vez como se tudo estivesse normal ou perco a esperança de vez e entendo que meu país já abriu as portas para um Estado de Exceção.

A real é que a minissérie só serviu para coroar e materializar diante dos meus olhos o que mais temo para o futuro. Talvez eu, assim como tantos outros precise desistir de sonhar e correr atrás de sonhos porque estarei ocupado demais tentando não morrer na mão da polícia, estarei ocupado demais tentando não morrer de fome, ocupado demais tentando resgatar o pouco que sobrará do planeta e da nossa civilização. Seremos uma geração consumida pelo erro dos que vieram antes e incapazes de nos livrar desse destino.

Isso é claro se você anda pelo lado certo da força, ou está na parte mais frágil dessa corda delicada que é o nosso mundo opressor. Por que se pra você tudo continua lindo e maravilhoso, as coisas vão permanecer assim até que eu e todos os outros estaremos mortos e aí chegará a sua vez. Até lá curta, se divirta e beba por mim enquanto tento me manter são e tento conciliar meus sonhos e meus pesadelos.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).