Tenet: Como complicar uma trama de espionagem.

Marcel Silva Gervásio
The Halo
Published in
4 min readJan 14, 2021

Um agente da CIA é recrutado para uma missão que transcende as questões territoriais, descobrir um jeito de impedir que alguém no futuro destrua o passado. Escrito e dirigido por Christopher Nolan o filme tem dividido opiniões, para alguns a história é uma obra prima do diretor que tem um séquito de fãs meio cegos e fervorosos, já uma parte considera o filme uma bagunça que peca por explicar coisas que ninguém quer saber e deixar de fora explicações que deixariam a leitura do filme mais legível.

Eu acabo me encaixando no meio disso, não sou uma Nolanzete, mas gosto de alguns trabalhos dele como Inception e Memento e fiquei animado para ver John David Washington e Robert Pattinson juntos num filme. Mas eu odiei o filme na primeira vez que assisti e ganhei uma dor de cabeça de presente.

Tenho a impressão que o Nolan complica de forma proposital e desnecessária alguns aspectos da história, tornando impossível entender qualquer coisa na primeira vez que você assiste. Ele sabe que a essência de Tenet é simples e não passa de um grande clichê do gênero de espionagem.

Para se desviar disso ele pega vários conceitos de viagem no tempo mistura tudo num filme de DUAS HORAS E MEIA, preenche as lacunas com muita ação para não deixar evidente que os personagens andam em círculos o filme inteiro e como resultado temos — essa grande ***** — um filme que se perde dentro das próprias convenções.

Spoilers!

Quadrado Sator

Palíndromos são palavras ou frases que têm um sentido se lidas da esquerda para direita ou vice-versa. Eu amava fazer isso na infância, me sentia um alquimista grego escondendo um grande segredo. Alguns palíndromos conservam o mesmo significado, não importam a direção em que são lidos, como Arara, Ama e Tenet. Já outros como amar ou Roma ganham novos significados dependendo da direção escolhida.

A obra de Nolan se apropria de um quadrado “mágico” encontrado em várias partes da Europa com uma série de cinco palavras que não tem uma importância para a história em si, mas que se fazem presente.

Sator — É o nome do antagonista da história, que funciona como articulador das pessoas do futuro que tem a intenção de destruir o passado. Lido da direita para esquerda seu nome é “ROTAS”

Arepo — Nome do falsificador de arte que Kat teve um caso e Sator descobriu e sendo o grande retrato de homem insuportável que é acaba obrigando-a a certificar a falsificação para usar como chantagem e prendê-la naquele casamento. Lido da direita para esquerda é Opera, lugar onde o Protagonista se envolve na história sem perceber.

Tenet — Nome desse “conceito” ou operação que tem como objetivo impedir o apocalipse.

Outra interpretação possível é que o filme pretende ser um palíndromo, tendo um sentido em qualquer direção que você o observa, tanto com a trama principal, quanto as subtramas. Como diria um personagem de Dark, o começo é o fim e o fim é o começo.

Na minha opinião isso funciona mais em Memento, do que aqui onde eles estariam vivendo uma mistura de paradoxo de repetição com o paradoxo do avô, coisa repetida um milhão de vezes durante o filme. Para mim isso se encaixaria mais no conceito da entropia reversa ou na estratégia de Sator, a pinça temporal. O conceito não funciona nem de forma visual para mim, chegando ser cansativo ser obrigado a rever algumas cenas sob uma nova perspectiva.

A profundidade de um pires.

Uma das coisas que contribuem para Tenet ser uma trama difícil de acompanhar é a construção de personagens. Na gana de criar à sua maneira uma trama de espionagem, Nolan cria personagens unidimensionais com quem eu não me importei durante todo o filme. O que acaba salvando é a relação dos personagens de David e Robert, que entregam atuações muito boas dentro daquilo extrair de toda essa bagunça.

Senti muita falta em um desenvolvimento do Paradoxo da Descontinuidade vivido pelos dois personagens. Caso você não saiba, esse paradoxo envolve duas pessoas que vão se conhecer num futuro, uma delas retorna num ponto do passado onde as duas não se conhecem e acabam interagindo.

Nolan dá pistas disso desde o primeiro momento que eles se encontram, no entanto parece que isso é esquecido pelo próprio diretor que várias vezes usa o personagem como orelha ou parece ignorar certos conhecimentos que Neil teria sobre a situação, mas que impediriam a existência de algumas cenas.

Isso até pode ser explicado pela falta de confiança entre os personagens, que omitem informações entre si por segurança. Mas ainda assim acaba parecendo mais um furo de roteiro que qualquer outra coisa.

Mas nada supera Sator e sua vilania quase infantil. Além de fazer uso de estereótipos sem nem ao menos tentar dar uma outra camada aos personagens a motivação do personagem é idiota, isso sem comentar a motivação das pessoas sem rosto do futuro que resolveram explodir o mundo porque os rios secaram e os oceanos subiram.

Fico imaginando essa reunião de crise onde criar uma bomba para mudar a entropia do planeta é mais eficiente e barato do que voltar no tempo e dar um jeito de reverter as consequências das mudanças climáticas. Fora que ter o protagonista de um filme dizendo que cada geração que se vire com seus problemas é no mínimo lamentável.

Tenet estreou nos cinemas num momento controverso pegando para si a missão de levar as pessoas de volta aos cinemas. No entanto mesmo sendo uma esperiência visualmente atrativa acaba se tornando um filme cansativo. Para quem ainda está na dúvida entre assistir ou não, digo que só vale muito a pena se você é daqueles que gosta dos filmes de “hominho” e quer ver muita ação em tela para desligar a mente. O filme já está disponivel para aluguel on-demand, divirta-se.

Caso contrário,fuja.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).