The Father e o drama do envelhecimento.

O primeiro filme de Florian Zeller aborda de forma sensível o desdobramento da demência no seio familiar.

Marcel Silva Gervásio
The Halo

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Anthony é um octogenário que entra em conflito com a filha insistindo em recusar sua ajuda para encontrar uma nova cuidadora. Anne está preocupada com autonomia do pai e insiste que ele precisa se adaptar ao novo arranjo antes que ela se mude para Paris. Enquanto isso, o mundo de Anthony aos poucos parece fora do lugar, o levando a questionar a intenção de seus parentes e a sua própria realidade.

Idealizado por Florian Zeller, o filme é uma adaptação de uma peça do dramaturgo francês que estreia na direção do seu primeiro filme. The Father tem garantido boas críticas pela mídia especializada desde sua estreia em março, por aqui o filme deve chegar no dia oito de abril para locação digital.

Como um bom jovem com medo de envelhecer, histórias como essas mexem muito comigo. No início o filme parece um drama familiar simples. Anne está preocupada com o pai e não poderá mais visitá-lo constantemente e para garantir que Anthony ficará em segurança em sua ausência precisa que ele se acostume a ter uma cuidadora por perto.

O octogenário discorda da filha e num rápido olhar ele parece muito bem mesmo, mas então vemos um esquecimento aqui e ali e então a doença se faz presente não apenas na vida do protagonista, como também acaba invadindo a estrutura da trama.

Construindo uma espécie de quebra cabeça, Zeller nos conduz por um emaranhamento de momentos das histórias dos personagens nos colocando dentro da mente de Anthony e o mais desesperador é que ele sabe que algo está errado sinalizando entre falas cortadas e olhares perdidos que coisas estranhas estavam acontecendo com a casa, mas que ele é incapaz de controlar. Concorrendo a seis estatuetas no Oscar desse ano, The Father é um drama psicológico angustiante e certamente é minha maior aposta para levar a estatueta de melhor filme esse ano.

Com Anthony Hopkins num de seus papéis mais emocionantes e Olivia Colman entregando todo drama conflituoso de uma filha tentando lidar com a nova realidade do pai, Florian Zeller conduz a história com uma direção sensível que consegue transmitir como a doença não afeta apenas o afetado, mas como todos a sua volta, em especial sua filha.

Dessa forma o próprio apartamento se torna um personagem, contando de forma sutil a passagem de tempo na vida daquela família, deixando evidente que a própria percepção do mundo de Anthony está afetada, me fazendo me perguntar em vários momentos se aquele instante fazia parte do presente ou passado dele. E nada é confiável, às vezes uma pessoa não se parece exatamente como ele se lembra ou um a forma como um acontecimento parece em tela é colocada em xeque ao ser repetida na tela de maneira diferente.

E nada disso importa, mesmo que no fim algumas peças se encaixem mais facilmente e outras, o que importa na obra de Zeller é como a doença transforma a relação pai e filha.

Olivia Colman entrega uma Anne conflituosa e até mesmo culpada por se sentir cansada com toda situação envolvendo o pai. Preocupada com o bem estar do pai, ela recusa pensar na possibilidade de interná-lo numa casa de repouso, mesmo com a doença afetando sua vida além da relação com o pai, custando até mesmo seu casamento.

Anthony Hopkins mostra que não existe barreira de idade quando o assunto é talento e evolução. O ator carrega toda sensibilidade ao mostrar com Anthony se afastando da realidade, suas mudanças drásticas de humor, é hipnotizante vê-lo em cena.

E se você não chorar depois do último tem alguma coisa de errado com o seu coração. Naqueles minutos finais senti todos os meus medos em relação à velhice tomarem vida na tela.

Dessa forma, The Father se torna angustiante não só por mostrar como a demência transforma a vida de uma pessoa, mas como ela afeta a vida das pessoas à sua volta ao verem a pessoa que amam aos poucos se apagar diante de você se transformando muitas vezes num completo estranho.

Com um bom roteiro em mãos, Zeller entrega uma direção impecável que aproveita toda toda potência dos bons atores que tem na mão, mantendo a nossa atenção na história não apenas pela confusão causada pela falta de linearidade da trama, mas também pela carga dramática que ela carrega.

Nota: 5/5.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).