Estreia de Sombrio da Silva é uma provocação ao próprio subconsciente

O Inimigo
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6 min readJul 20, 2020

Xablaus é um passeio, às vezes, divertido pela mente do músico brasiliense

Sombrio da Silva em momento de descontração no palco. (Foto: Thais Mallon)

Por Hugo Morais

Com certeza alguma vez na vida você ouviu um disco e exclamou: “Que porra é isso?!”. Pois é. O disco de estreia de Sombrio da Silva (integrante de bandas como Cantigas Boleráveis, Joe Silhueta e Satanique Samba Trio) é algo desse tipo, principalmente pra quem está acostumado com o formato de música pop. Quem vai além dos formatos convencionais consegue entender, ou não, o que há por trás da experimentação musical a que muitos se aventuram.

Sombrio tem formação musical e toca sanfona, clarinete, clarone e teclado, não é um jovem que comprou revistinhas em uma banca e se aventurou nos 3 acordes tocando Capital Inicial ou Legião Urbana (nada contra, inclusive rs). O que o fez chegar até essa obra inclassificável? Batemos um papo com ele para tentar entender. Ou não. Viaje conosco.

Pra começar, fala um pouco sobre tua carreira (como começou). Descobri, lendo sobre o disco, que você faz parte da Joe Silhueta. Como é essa conjunção Joe, Satanique Samba Trio e o trabalho solo? Que são coisas bem distintas.

Eu comecei tocando nas peças de teatro do pessoal da cênicas da UNB. Na época eu tinha muito tempo livre e muita agonia por ter demorado anos pra perceber que eu queria viver como artista, e aceitava qualquer convite que aparecesse. E ainda achava pouco. Quando eu tinha nada pra fazer, eu pegava a sanfona ou o clarone ou o clarinete e umas partituras e ficava estudando ali do lado de fora do prédio da cênicas pra ver se alguém me notava, e funcionou. Inclusive a primeira banda em que toquei, a Cantigas Boleráveis, nasceu na cênicas. Mas enfim, eu continuei bastante tempo nessa de topar ir pra onde me chamassem, e no meio disso acabei sendo cooptado pelo Satanique (Samba Trio) e pela Joe. Foi mais ou menos na mesma época, nem lembro direito em qual entrei primeiro. E pra falar a verdade nem acho dois projetos tão distintos assim. As duas bandas até já tocaram no mesmo palco, e o cavaquinista do Satanique tá sempre na produção das gravinas da Joe. E o projeto solo, que começou agora em janeiro deste ano, nasceu muito graças ao incentivo do Munha (da Sete). Acho que desde 2017 que ele se ofereceu pra ser meu agente. (risos) Nessa época eu já tinha essa intenção mesmo, tinha uma pasta no meu computador com um monte de porcaria (uma delas era o xablau nº0). Em 2018 selecionei algumas dessas porcarias e tentei começar um trio, que não vingou (mas “xablau nº11” e “meditação nº8” vieram do repertório desse trio). Daí agora em janeiro eu pensei “foda-se, a hora é agora. vou publicar uma música por semana do jeito que for, sem pensar muito, sozinho mesmo, e é isso”.

E quais são as ideias por trás desses músicas?

Cara, eu gosto muito da quase catástrofe. Eu gosto de quando as coisas dão errado, mas nem tanto. A maior parte dos xablaus eu fiz com um tecladinho da Xuxa de brinquedo que dá pau o tempo todo. No meio de uma gravação o negócio desliga, ou às vezes faz uns barulhos inesperados. Tive que abrir e fuçar várias vezes pra ressuscitar o bichinho. Tentar fazer algo específico pré-definido com um brinquedo eletrônico velho é um processo bem irritante, mas deixar que o erro aconteça acaba sendo divertido. E escolhi a palavra “xablau” pra nomear essa série pela ambiguidade de significados que essa expressão ridícula tem. Pode ser bom ou pode ser ruim. Eu também não sei se minha música é boa ou ruim. Sei que é errada, e é divertida. Meu xablau preferido é o 15, que é o último que eu fiz. Nele eu tento tocar no tecladinho da Xuxa a invenção a duas vozes nº15 do bach, que eu estudei pra específica de composição na UNB, curso que eu nunca terminei, mas aprendi bastante e conheci muita gente por lá. Minha formação acadêmica com certeza é algo que posso dizer que deu errado, mas nem tanto. E enquanto eu gravava, forcei o computador a dar uns erros de processamento (que já me atrapalharam muitas vezes em shows do Satanique e da Joe) pra dar um molho especial no timbre. E agora que outras pessoas estão ouvindo, tenho visto falarem coisas inesperadas, que nada têm a ver com minha “intenção” artística / filosófica com a parada. Do mesmo jeito que o tecladinho às vezes solta uns barulhos inesperados, então acho que essa empreitada está sendo bem sucedida. (risos)

Pois é. Acho que quem costuma ouvir música convencional deve achar uma doidice ou que não é música. Mas quem ouve coisas variadas, o noise incluso, vê a beleza por trás de tudo. Os títulos não seguem uma ordem. Quantos xablaus foram gravados e como foi o processo de escolha?

A partir de fevereiro eu fui fazendo várias besteiras e fui decidindo o que era um xablau e o que não era no meio do processo. Os xablaus 1 e 7 foram os primeiros que fiz já pensando no nome xablau. O xablau nº 0 era um noise xexelento que eu fiz em 2007. Apesar de muito diferente do que tenho feito agora, senti que ele tinha que ser incluído. Depois disso veio a quarentena, e com ela o Show do Sombrio da Silva, um “programa de tv” mais ou menos semanal que tenho feito no Instagram. Pro show fiz várias bobagens sem título, e no meio delas 3 me chamaram a atenção, e as batizei de xablaus 11, 4 e 10. E depois de contemplar esse conjunto de 6 xablaus, eu fiz o 15 como forma de finalizar essa série. Essa definição do que é e do que não é um xablau não é mesmo nada racional, nem lógica, eu não saberia explicar direito os critérios. Mas eu sei que o xablau nº15 é o xablau dos xablaus. É a síntese da xablauzice. E agora que ele tá feito, não faz mais sentido fazer xablaus.

O Show do Sombrio da Silva (SdSdS): Word Art e amor pelos anos 80

Inclusive, tem um xablau erótico. Ele é um ponto fora da (curva) obra?

(risos) Tem. Mas acho que o “Xablau 4” tá mais fora da curva do que o 10.

Por que o 4 tá mais fora? E qual é a história do 10?

O 4 (além do 0) é mais estático. É tipo um retrato que fica parado ali enquanto você olha e nada acontece feijoada. Em todos os demais, algumas feijoadas acontecem. Pro 10, eu pedi pra minha Dominatrix me mandar um áudio falando sobre gratidão. Eu já pretendia musicar o que ela me mandasse, mas essa parte eu não disse pra ela.

Você falou do programa. As artes com estilo word art pra mim parecem com anos 80. E a coisa toda tem um teclado da Xuxa. Rola uma fixação/amor pelos anos 80 ou é mera coincidência?

(risos) Rola um certo amor, sim. Mas acho que na última edição do SdSdS eu consegui superar a fixação e tô fazendo referências a outras décadas também. Com certeza o maior momento do programa foi quando fiz um sorteio de um playstation à la Bom Dia & Cia tocando a música do pião da casa própria.

Pra encerrar: influências para a criação dessa obra que as pessoas precisam conhecer e amar ou odiar?

Esse álbum é bem odiável, mas eu vou admitir que foi uma referência muito relevante.

O EP MissingNo. do Love Through Cannibalism, dá pra amar se tiver boa vontade. Mas a principal influência com certeza é o Eric Andre. Além disso tem Negro Leo e Uboa, que são bons demais pra serem citados como influência pras picaretagens que eu faço. A meta é chegar no nível deles um dia.

Ouça Xablaus via Bandcamp.

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