Mateus Aleluia segue em sua busca da ancestralidade

O Inimigo
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3 min readAug 6, 2020

Olorum é o terceiro disco do músico baiano que integrou o mítico Os Tincoãs

Por Hugo Morais

A arte nos faz viajar, refletir, descansar. Em tempos de governos autoritários a arte ganha mais poder e necessidade. Até porque o autoritário teme a arte que questiona, revoluciona, une.

Torna-se comum nesses dias o questionamento, o apontamento, mostrar os erros, sugerir acertos e mudanças. Mas há a arte que questiona sem expor diretamente. Ela se torna parte, ou quase, de quem a aprecia, a consome e até de quem a idolatra (e aí cuidado).

Mateus Aleluia, baiano de Cachoeira, fez parte do grupo Os Tincoãs, ativo desde os anos 60, mas que conseguiu renome nos anos 70, pelos três discos lançados nessa década, onde levava os cânticos do Candomblé a discos com viés dançante que são influência para todas as bandas de afrobeat do Brasil.

Mateus explora nas músicas sua vivência, com a experiência de quem viveu 20 anos em Luanda a convite do governo local desenvolvendo pesquisas. Em 2010 lançou Cinco Sentidos, disco que aprofunda o que havia sido feito com Os Tincoãs. Já lá atrás ele entoava a celebração ao amor que há de renascer das cinzas em “Amor Cinza”. Na biográfica “Homem! O Animal que fala” e seus 11 minutos, canta sua história e que, para nosso prazer, ainda não se encerrou e faz com que ele siga vivendo e se descobrindo. Em seu disco seguinte, Fogueira Doce, o músico baiano segue explorando as temáticas que o constroem. A religiosidade anda de mãos dadas com as visões de mundo, até política, mas de uma forma poética que traz uma leitura bela do que nos constrói (as vezes até pela destruição), um acalento.

Olorum, terceiro disco solo e primeiro totalmente autoral, segue os dois discos anteriores na sua construção, com músicas longas e composições musicais que misturam o erudito com o popular. Como se o Candomblé estivesse no palco de um grande teatro. A despeito das tradições e rituais, seria algo lindo de se ver. Mateus traz, ou continua trazendo, para o centro da audição, toda a tradição da cultura negra no Brasil. Uma tradição, que apesar do preconceito, está no nosso dia a dia em forma de música, vestuário, comida e muitas outras influências.

Olorum se ancora na voz de Mateus Aleluia, onde instrumentos vem e vão, mas a voz segue sendo o que há de importante ao lado do que ela tem a dizer. João Donato, amigo de longa data, aparece em duas músicas e o disco ainda conta com Pastoras do Rosário, Lenna Bahule e Thiago França como convidados.

Talvez o ponto alto do álbum, e isso é difícil dizer, seja “Samba-Oração” que cai como uma oração de mudança dos dias atuais, seja de referência a pandemia ou a homens que visam o retrocesso com o poder de destruição em suas mãos. “Bem-Te-Vi” também merece destaque com participação sutil, porém certeira, de João Donato.

Olorum e Mateus Aleluia são necessários nos dias atuais. São, em um só, uma obra de arte que traz paz, nas descobertas de que nunca estamos completos e sempre necessitamos crescer, nos encontrar. Algo tão difícil nos dias atuais. Que suas preces entoem por todos os cantos e tragam luz.

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