Ruynas, novo disco da Andróide Sem Par, passa pelo redescobrimento indígena de Juão Nin e vai além

O Inimigo
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9 min readMar 15, 2019

Por Hugo Morais

Juão Nin é figura conhecida desde a Ak-47, banda que fazia show viscerais, e também por suas performances dentro e fora dos palcos, onde ele se sente a vontade. Com um trabalho também voltado para o teatro, a necessidade de mudar para São Paulo falou mais alto e assim ele vive arte entre os mundos da música e de peças. Batemos um papo com ele sobre a mudança, o estudo sobre sua origem indígena e sobre o disco Ruynas, que tem um repertório variado indo da MPB até chegar a um rock dançante oitentista.

Antes de mais nada vamos falar da sua mudança pra SP. Quanto tempo já faz?

Boe, dya primeiro de abryl faz 5 anos. Aynda não sei se foy verdade ou se entrey numa realydade paralela. A sanydade mental, não tenho mays.

Nesses cinco anos, você já tendo citado a sanidade mental já diz muita coisa, como passou a ver a famosa cidade do sol? Em todos os seus aspectos, principalmente no cultural.

Estamos sendo roubados. Continuamos sendo roubados. Eu só sinto que vim pra SP pegar um pouco da grana que deveria ir praí. Androyde Sem Par. E ter consciência da grana que circula aqui e a que temos aí pra cultura é discrepante. Não queria ter saído da minha cidade, mas minha arte não tem um retorno comercial auto-sustentável dentro desse imaginário de sociedade potiguar. Eu teria que fazer muitas concessões que não concordo pra seguir. Aqui eu consigo fazer concessões ainda porque os trabalhos que não são das minhas pesquisas estéticas e temáticas são de perspectivas sociais e todas acabam sendo substrato pra a consciência do país que somos. Então mesmo não fazendo sempre o que quero eu tenho prazer em estar aprendendo e não necessariamente me vendendo. Migrei e perco meus privilégios em relação a centralidades geográficas, trabalho na periferia. É o lugar que me abraça como migrante. Migrar nunca é uma escolha, é uma necessidade. E a cidade recebe pelo que você é, aqui o que somos se inflama. Meu maior parâmetro entre aqui e aí é que assim que cheguei meu grupo de teatro ganhou dinheiro pra viver dois anos o que era equivalente ao que (Rodrigo)Bico na Secretaria de Cultura tinha pro RN em um ano. Já era baixo pra gente, pra cerca de 30 pessoas e muitas apresentações, imagine pra um recorte cultural.

Esse processo de mudança com certeza influiu no trabalho musical. Já existia o AK-47 e depois o Andróide Sem Par. O Andróide, a meu ver, era outra coisa antes (sem falar na mudança dos músicos que acrescentam influências pessoais). A sonoridade e temáticas mudaram. Como essa mudança de estado/vida afetou o disco?

Eu synto nesse dysco muyto o equylybryo entre esses doys mundos que vyvy na musyca, entre a Androyde é a Ak. Foram 6 anos entre um dysco e outro da Androyde, mudou tudoooooo, mudou muyto. Eu sou uma pessoa textocêntrica, então eu crio muito letra e a melodia, que é a parte que me compete, pra mym é algo que as vezes vem justapostos, as vezes cryo depoys. Mas a letra e os sygnyfycados sempre vem antes. As pessoas que trabalho aquy foram por causa de um post que fyz no Facebook e depoys na rede que essas pessoas tynham em sy. Tyve sorte, são pessoas experientes e profyssyonays nos seus ynstrumentos, mas aynda ynycyantes em obras artystycas autorays, digamos assym. Rolou um novo equylybryo também, porque eu como musyco sou um otymo performer. (risos). Essa mudança sonora então vem de muytos fatores que mysturam vyda e arte, ydentydade etnyca, de gênero, economya… Tantos fatores que não são dysassocyaveys, mas a gente os separa pra tentar entende-los.

E esse dysco tbm teve uma produção econômica que faço questão de pautar. Fiz o prymeyro trabalho por fynancyamento coletyvo. Um pouco mays de 3 myl conto. NYNGUEM da ficha técnica recebeu. Todos voluntaryos. Só paguey estudyo quefoiu uma merreca porque Foca é legal. Grafyca e prensagem. Aquy eu lutey todos os anos e conseguy um edytal de 40 myl pela Secretarya de Cultura de São Paulo. E todo mundo foy pago. UFA. A gente não fala de dynheyro em Natal porque só quem faz eh classe medya pra cyma. Sem polytycas publycas nunca saberemos a dyversydade da nossa ydentydade. Apenas a pequena burguesa pasteuryzada. Que me yncluo e luto pra fugyr. Porque mesmo lançando um dysco pobre, 3 myl conto, eu não sou pobre. Um pobre não conseguyrya ter estrutura ao redor pra fazer ysso. Luto pra fugyr não, luto pra compartylhar. Porque se não tyver compartilhamento de conhecymento e de capytal, vay ter compartilhamento de vyolencya. O que já rola bastante e com bolsocrente será mays e mays.

Outra coisa bem evidente é exatamente esse uso da letra y e suas fotos que remetem a indígenas. Já vi você escrever que é um posicionamento político. E sabemos que o RN quase não tem mais índios, foram massacrados. Feriados santos marcam um massacre. Explica um pouco.

O RN tem muyto yndyo. Vamos lançar a campanha do movymento yndygena por esses dyas pra levar 50 yndygenas pra brasylya. O que não tem são muytos yndygenas polytyzados e conscyentes. Porque nosso estado é pouco polytyzado e conscyente. Então exyste um movymento de ressurgencya yndygena desde 2005 que acontece por autodeclaração coletyva em varyas comunydades como Katu, Amarelão, Tapará. Mas exystem muytos yndygenas urbanos que não se reconhecem como yndygenas. As pessoas com essa cultura ou fenotypo que me procuram, falo que precysamos parar de pensar somente em ancestralydade e sym em ydentydade yndygena contemporânea. A mestyçagem não pode vyr pra apagar ydentydades. Ysso fortalece a ydentydsde latyno amerycana e dyluy muytos preconceytos. Então se não eh branco e não é preto, é o que? Pardo? Pardo não exyste. Não exyste o movymento pardo. Pardo foy a prymeyra coysa que dysseram sobre nós e foy registrada no prymeyro documento lyteraryo brasyleyro que é a carta de Pero Vaz de Camynha. “E eram todos pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”. A questão é que dyante da colonyzação o RN quer ser o que não é. A ydentydade foy soterrada. Somos o melhor projeto da colonyzação. Não sabemos quem somos. É o nynguenysmo de Eduardo Galeano. Então sabendo da hystorya da mynha famylya, do rosto do meu pay e da mynha mãe, de como me xyngavam na ynfancya. De como chamam meu pay de “bolyvya” , sabendo a hystorya do RN, a hystorya do Brasyl, confirmado pelas pessoas mays velhas de ambos os lados dq mynha famylya, meus olhos, mynha cultura ynteryor que não bate com essa hollywoodyzada, eu entendo que não sou branco, mesmo com pele clara. Entendo que nunca serey Leonardo di Capryo como querya ser quando pequeno. Entendo que não somos todos yguays. E que os colonyzadores fyzeram móveis e monumentos com mynha árvore genealógyca. As pessoas confundem yndygena com aldeyado. Então só é preto quem vyve em quylombo. Eu era chamado de “yndyo vyado” quando menor. Crescy, mygrey e fyz a questão yndygena não ser algo dystancyada. Não é só anslcestralydade. O RN É o estado com menor auto declaração yndygena pelo YBGE não por não ter yndyo. Mas porque a proybyção de falar a lyngua e as mygrações forçadas foram dyluyndo os povos. Mynha famylya potyguara por parte de pay veyo do Ceará. É ysso que tem me mantydo vyvo e em movymento, esse escavamento. Que poluy tudo que tenho feyto. Por isso o y. Vogal sagrada Guarany. Como demarcação lyngystyca yndygena na fala portuguesa. Porque nem o yngles, nem o espanhol, nem o português são da ameryca.

Foi exatamente a identidade que você citou, ter sido soterrada que me referi. Porque precisa a pessoa se reconhecer como tal, né?

Precisa. Precisa porque diminui a hipocrisia. Sobre os feriados: alienação de colonização.Tem um capítulo foda do livro Nas Veias Abertas da América Latina, Eduardo Galeano, que resume isso: “A SEMANA SANTA DOS ÍNDIOS TERMINA SEM RESSURREIÇÃO”.

Juão, apesar do disco se chamar Ruynas, as letras apontam pra vários pontos. Inclusive relacionamento. As ruínas se referem a tudo?

As ruynas são memorya. Memorya tem a ver com tudo. O que fyca em mym dos antygos amores são ruynas de construções que estavam sendo construydas, se pensarmos nessa metáfora. Mas melhor uma ruyna do que construyr uma casa que nynguem vá morar né? Sem falar, boe, que a forma que amamos normatyvamente, romantycamente, a forma que transamos, nossa sexualydade, a pornografia, tá tudo programado e condycyonado neh? Papo meio anos 2000, mas real.

Você fala em algum momento de uma música sobre a terra comer as memórias. Algo assim.

Exatamente. Eu falo do RN. Pra mim é o RN falando sobre Sy. O quanto não sabemos do nosso passado. O quanto o presente e o imediato matam identidades.

Mas é o que sempre dissemos sobre nós mesmos: não temos memória. Sempre olhamos o quintal do vizinho. Usamos o que é do outro e não valorizamos o nosso. Nesse sentido, a pluralidade sonora do disco te agradou? Imagino que você tinha muitas composições que ficaram de fora. Você já disse que escreve muito. Foi um retrato bom do que você queria ou depois de pronto ainda mudaria algo?

Eu mudarya muytas coysas, mas eu precysava respeytar o artysta que eu fuy nesse yntervalo tão grande. Então tyveram musycas, como “Sazonal”, que poderyam ter sydo do prymeyro dysco mas não foram e eu fyz questão que estyvesse. Apesar de não me contemplar mays, querya que esse álbum fosse uma ponte entre o anteryor, que é todo sobre amor romantyco, e apontasse pro próxymo. Que espero que não demore mays 6 anos. Espero que 2 pra vyr.

E já está com uma ideia na cabeça sobre ele?

Aynda não. Vou tentar focar também primeiro num disco chamado FALO CANTADO. Só musycando poesias de Paulo Augusto, poeta gay de Natal que lançou FALO, de poesyas homoeróticas, em 1976 se não me engano. Consegui autorização. Aí queria pro ano que vem, mas também não sei se sai. Mas fora cyrcular o Ruynas, esse sera meu objetyvo musycal.

Juão, se fala muito na falta de lugares pra tocar aqui e ouvimos que nas outras cidades é a mesma coisa. Qual sua experiência com a música e espaços ai?

Apesar de aquy ter muuuuuuuuuuuyto lugar, mynhas poucas experyencyas não foram dyferentes das day. Pouco publyco, pensando em proporção, pouco lugar pra musyca autoral. Mas pra quem vem de Natal se esbalda. Mas ay tá acontecendo tudo ao mesmo tempo na cydade, se não tyver publyco não tem nada. Meu foco tá sendo em tentar vender os shows pra lugares pryvados como sesc e ytau, por exemplo, que aquy tem bem mays possybylydades que ay e dyvulgar onlyne pra formar públyco aqui. Mas no meyo yndependente é ysso: vazyo. Mas também como trabalho muito fuy pra poucos roles yndependentes só pra curtyr, pra descobryr outras cenas. O que bomba aquy são saraus. As vezes saraus tem atrações musycays.

Qual música tu gosta mais do disco? Eu curti muito “Duas Lynguas”.

Essa vay ter um clype que será meu suycydyo vyrtual. (risos) Gosto muito dela, mas mynha preferyda é “Colonya”. As vezes “Socyedade do Cansaço”, que é parcerya com Helena Ignes, tem 80 anos, dygay!

Essa questão da pesquisa indígena você ainda pretende explorar no próximo disco?

Eu acho que é uma coysa pra vyda agora, em tudo. Quero aprofundar sym. Essa pesquysa tem sydo mynha vyda, mynha rotyna, mynha cultura. Vou trabalhar agora em parcerya com uma revista pra um festyval de teatro fazendo 10 cocares crytycos sobre 10 espetaculos que vou assystyr.

Por falar em espetáculos, tem tentado circular com a banda em festivais? Vi vocês no dosol, a banda bem animada.

A gente não tem produtor, mas vamos super correr atrás disso.

Pra encerrar, duas coisas. O que você e banda acharam do show no Festival DoSol e do lançamento do disco no TECESOL? E cita cinco bandas/artistas que você tem ouvido.

Os menynos e eu amamos, foy ymportante pra eles conhecerem meu mundo, de onde vym e tal, gravamos até um clype nas comunydades yndygenas que já dey aula de teatro. Se empolgaram, fyzemos 5 shows no total, jampa e Natal. No TECESOL foy um pré-lançamento, queremos lançar real ay com tudo que pensamos. Fyzemos nesse espaço, porque é um lugar de guerrylha, de arte e prymcypalmente de Teatro, então tô sempre querendo fortalecer e jogar luz em lugares como esses.

Tô ouvindo: Sylvya Perez Cruz, Mon Laferte, Filipe Catto, Charles Bradley e Rosalia.

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