Por que eu desisti da legendagem

Thiago Hilger
O Jogo da Tradução
4 min readSep 22, 2017

Nossa carreira passa por fases, e a primeira fase da minha (a legendagem) meio que acabou.

A legendagem foi a primeira grande porta que se abriu para mim na tradução. Ainda como voluntário, eu legendei várias palestras TED, o que me fez ganhar experiência na área. Algum tempo depois surgiram alguns clientes que estavam dispostos a pagar pelo meu serviço, e foi mais ou menos assim que começou a minha carreira na tradução.

A legendagem é um serviço interessantíssimo de fazer. Envolve criatividade, um pouco de transcriação e desenvolve muito as técnicas de concisão de escrita, já que a legenda tem que ser um texto muito curto. Além disso, cada vídeo novo pode ser de um novo tema, o que é ao mesmo tempo uma vantagem e uma desvantagem.

Essa variação de temas pode ser boa porque é uma oportunidade de aprender coisas novas o tempo todo. Eu aprendi sobre o café da Etiópia certa vez, com um documentário em que trabalhei. Fiquei sabendo da exploração que sofrem os produtores locais e das novas esperanças que surgem no local, com a nova onda do café de comércio justo.

Mas pode ser ruim também porque muitas vezes não temos bem certeza do conteúdo ao aceitar o trabalho, e lá no meio do vídeo pode surgir cabeças soltas no chão. Sim, isso já me aconteceu. O documentário em que trabalhei falava do tráfico de drogas e também mencionava pessoas que misteriosamente desapareceram, mas que acabaram sendo encontradas esquartejadas.

Mesmo com temas tão diversos, os vídeos normalmente são direcionados a pessoas que não entendem tudo do assunto, então o conteúdo geralmente é autoexplicativo, não exige tanta pesquisa. Além disso, a legendagem é uma tradução de texto falado, o que geralmente facilita também, não tem tabelas com medidas físicas envolvidas.

Até aí tudo bem. Porém, mesmo sendo um serviço interessante e até relativamente fácil (ênfase em relativamente), é um serviço mal pago. Muito mal pago. MUUUUUUUUITO mal pago.

Nos idos de 2015, um cliente meu oferecia R$ 4,00 por minuto de legenda. Para quem trabalha com contagem de palavras esse valor não significa muita coisa. A quantidade de palavras varia muito por minuto de vídeo, depende do tema, do gênero do vídeo (documentários e comédias têm mais palavras do que dramas, por exemplo) e de outros fatores. Eu já tive casos em que cada minuto tinha em média 35 palavras, e casos em que tinha mais de 250. A média é de pouco mais de 100 palavras por minuto, portanto seria um pouco menos de R$ 0,04 por palavra, que é um valor que eu jamais aceitaria se soubesse. Fazendo as contas aqui, descobri que já fiz legendagem a US$ 0,007 por palavra (sim, menos de um centavo de dólar).

E mesmo trabalhos considerados bem pagos na legendagem, como alguns que eu fiz há pouco tempo, a R$ 14,00 por minuto, no valor por palavra acabam se deteriorando um pouco, ficando entre R$ 0,09 e R$ 0,12 por palavra (tinham uma média de palavras acima de 100 por minuto).

Isso sem contar que o serviço de legendagem não é apenas uma tradução de texto. O controle de qualidade tem tantas etapas que deveria ser um serviço até mais caro. É preciso fazer as legendas caberem dentro do tempo, assistir todo o vídeo para conferir se está tudo correto e às vezes até embutir a legenda no vídeo. O tempo gasto com isso geralmente não é levado em consideração no preço da legendagem.

Há quem possa dizer que R$ 0,12 por palavra não é algo tão absurdamente baixo, e queira questionar o título deste artigo: “Por que eu desisti da legendagem”. Concordo que os R$ 0,12 não são tão problemáticos quanto US$0,007, eu realmente aceito trabalhar pelos R$ 14,00 por minuto de vídeo para esse cliente específico. O problema é que eu tenho esse único cliente que paga esse valor e que precisa do meu serviço uma vez por ano, no máximo. Os outros cliente todos são agências gigantescas ou mesmo agências menores, subcontratadas das gigantes, que pagam no máximo R$ 5,00 ou US$ 2,00 por minuto de vídeo. O mercado de legendagem está tão sucateado e tão sob comando das gigantes, que eu não vejo muita saída. E já que o que eu amo mesmo fazer é localização de jogos, por que continuar oferecendo um serviço que é mal pago para clientes que ditam as regras se esse serviço nem é o que eu mais gosto de fazer?

Então eu desisti, oficialmente, salvo a única exceção daquele cliente que surge uma vez por ano.

Mas se a legendagem for para você o que é a localização de jogos para mim e você não quiser desistir, há uma luz no fim do túnel: o mercado corporativo, com clientes diretos. Ouvi dizer que há clientes pagando R$ 40,00 por minuto de vídeo nesse mercado. É algo a se agarrar para quem não quiser desistir.

Outra opção é renegociar valores com as agências gigantescas. Talvez não seja fácil conseguir, porque educar clientes que estão acostumados a ditar regras beira o impossível. Mas existem sim clientes novos, existem nichos ainda a serem descobertos e explorados, como na localização de jogos. Se o grande mercado parecer um monstro, é porque ele é mesmo, mas há outras opções.

Se a legendagem faz você feliz, não desista.

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Thiago Hilger
O Jogo da Tradução

Freelance translator, mainly on game localization. Teacher of gameloc and subtitling. And a very nice person. :)