Imagem com o fundo verde. Atravessando da esquerda para direita há fios que simulam ondas, na cor preta. À esquerda há imagem de uma urna eletrônica. Acima dele aparece parte do mapa do Brasil, em vermelho. Ao centro o título da seção: “Eleições 2022”. À direita aparecem os logos da Abraji, do Farol Jornalismo e a frase “Projeções para o jornalismo no Brasil em 2022”.

Como cobrir a tentativa de reeleição de um presidente que não aceita ser questionado?

Em 2022, tudo indica que Bolsonaro continuará atacando a imprensa e fugindo de debates e sabatinas. O desafio será trazê-lo para o confronto de ideias e garantir a proteção dos jornalistas

Juliana Dal Piva
O jornalismo no Brasil em 2022

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“Não te devo satisfação, rapaz”. “Cala a boca. Vocês são uns canalhas”. “Minha vontade é encher tua boca na porrada”. Esse é um breve resumo de algumas respostas dadas pelo presidente Jair Bolsonaro a questionamentos feitos, respectivamente, sobre sua ausência na COP 26, a opção deliberada por não usar máscara na pandemia e, claro, sobre um dos principais assuntos que o incomodam: as acusações criminais contra seu filho Flávio Bolsonaro e que revelaram o escândalo da “rachadinha” nos gabinetes dos membros da família Bolsonaro.

Como é possível notar facilmente, o presidente se recusa a responder. Mas não só isso. Ele é agressivo, ataca, ofende e até ameaça de agressão os jornalistas que fizeram as perguntas consideradas mais incômodas. No episódio em Roma, durante o G20, Jamil Chade, colunista do UOL, e o repórter da TV Globo Leonardo Monteiro, foram agredidos por seguranças que acompanhavam Bolsonaro. Monteiro levou um soco. Chade teve o braço torcido e o celular arrancado das mãos por tentar registrar as agressões. No feriado de 12 de outubro, o repórter cinematográfico Leandro Matozo, da GloboNews, também foi agredido quando cobria a visita do presidente ao Santuário Nacional de Aparecida, em São Paulo.

Esse comportamento do presidente não é novidade. Bolsonaro sempre reagiu mal aos questionamentos. São agressões que se tornaram uma constante recente. Recordo desses ataques para citar pontos que considero desafiadores na cobertura da eleição de 2022.

Imagem com fundo verde e letras brancas onde se lê a frase: "Como garantir segurança para que os jornalistas possam, nos momentos de campanha de rua, trabalhar sem sofrer agressões?"

No bastidor do núcleo mais próximo do presidente, o rumor que circula é de que ele irá evitar qualquer questionamento direto com adversários. Isso significa que os curiosos pelo inédito debate entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula ou então com Sergio Moro poderão ficar frustrados. Há sérias chances disso não ocorrer porque os planos de Bolsonaro não incluem a participação nos debates eleitorais nas emissoras de televisão.

Há poucos dias, o próprio presidente admitiu que só irá a debates se não precisar falar da família e de "amigos". É, Bolsonaro não pretende ouvir perguntas sobre Fabrício Queiroz, sua ex-cunhada Andrea Valle e sua ex-mulher Ana Cristina Valle, o cunhado que demitiu "porque não devolvia o dinheiro certo" e as histórias de seu gabinete e dos filhos.

Além disso, até o momento, o presidente planeja participar apenas de entrevistas que ocorram em um ambiente considerado minimamente “controlado” ou “amigável”. Alguns aliados de Bolsonaro falam nos bastidores que ele poderá exigir até o direito de escolher o entrevistador. Sem isso, nada feito.

E, na visão de Bolsonaro, alguns veículos da imprensa e jornalistas são tidos como inimigos. O resultado? Além dos debates, as sabatinas com os candidatos presidenciáveis, que ocorrem todos os anos em praticamente todos os veículos de comunicação, devem ficar desfalcadas do presidente da República. Cito no tom da possibilidade porque quem está perto de Bolsonaro sabe que ele é imprevisível e pode mudar de posição. Mas é necessário se antecipar a esse cenário.

A ausência nos debates não é novidade. Em 1989, Fernando Collor não foi aos debates no 1º turno. Já em 1994, Fernando Henrique esteve em apenas um. Em 2006, Lula faltou aos debates do 1º turno na disputa pela reeleição. Mas, de um modo geral, os candidatos estiveram em boa parte das entrevistas dos principais veículos de imprensa nacional.

O que o atual presidente pretende é um silêncio maior. Inclusive mais amplo do que ele próprio fez em 2018. Até o atentado em Juiz de Fora, no início de setembro, Bolsonaro vinha comparecendo a entrevistas e debates de quase todos os veículos de imprensa. Depois do ataque, ele ficou um longo período internado e em recuperação. No entanto, mesmo no segundo turno, quando já fazia algumas atividades de campanha, não foi a nenhum debate embora tenha concedido entrevistas. O que se ensaia agora é também ignorar totalmente todos os veículos que publicaram conteúdo crítico de seu governo e sobre sua família.

Se o presidente realmente recusar debates e sabatinas, restarão os questionamentos durante as caminhadas de campanha na rua, os conhecidos quebra-queixo. Momentos repletos de ataques, grosserias e, como ocorreu em Roma, agressões dos seguranças do presidente contra jornalistas.

Diante disso, esse é o primeiro desafio que se impõe à imprensa para a cobertura eleitoral de 2022. Como fazer para igualar as condições de questionamento em relação aos candidatos presidenciais já que o atual presidente se prepara para evitar as perguntas? Ou então para deixar claro quem está fugindo?

Evidentemente, nenhum candidato se sente confortável em passar por intenso escrutínio público. O ex-presidente Lula também deu poucas entrevistas no Brasil. O petista está priorizando podcasts, jornalistas da mídia estrangeira e tem deixado sem resposta pedidos de grandes veículos de comunicação nacionais. Mas os candidatos petistas nunca ignoraram completamente os maiores veículos de comunicação do país em todo o período eleitoral.

Tanto Lula como Dilma Rousseff estiveram presentes em entrevistas de canais de televisão, dos três grandes jornais nacionais, entre outros. Nesse momento, não está nos planos do PT faltar a todos os debates, mas integrantes do partido irão avaliar o comportamento de Bolsonaro para se decidir. Embora, em alguns, exista até certa ansiedade pelos debates.

Imagem com fundo verde e letras brancas onde se lê a seguinte frase: "Empresas e jornalistas precisam tentar tirar Bolsonaro de sua zona de conforto e trazê-lo para o confronto de ideias."

Se Bolsonaro mantiver seu planejamento, com recusas amplas, ele se isolará mais. O presidente já é, de longe, o que mais evita dar qualquer explicação à sociedade e a reeleição é o momento de ampla avaliação. E o presidente chega ao período eleitoral com um saldo de mais de 600 mil mortes de covid, acusações criminais pela péssima gestão na pandemia, altos índices de desemprego, aumento da miséria e da fome, crescimento da inflação…a lista é longa. Difícil é ter um dado positivo para mostrar.

Empresas e jornalistas precisam avaliar alternativas para tentar suprir a lacuna e tirar Bolsonaro de sua zona de conforto e trazê-lo para o confronto de ideias sobre o Brasil e sua gestão. Seria possível pensar na organização de entrevistas reunindo diferentes veículos de imprensa no lugar das tradicionais sabatinas exclusivas dos veículos?

O presidente e os demais candidatos iriam se ver confrontados a negar uma entrevista ou um debate de um consórcio e a antiga desculpa de que a empresa X ou Y persegue o político restaria desgastada. A experiência do pool feito para reunir os dados sobre o avanço da pandemia de covid-19 no Brasil deixou um legado importante que poderia ser usado também no período eleitoral.

Mas, além do trabalho do ponto de vista editorial, como garantir segurança para que os jornalistas possam, nesses momentos de campanha de rua, trabalhar sem sofrer agressões? Essa questão nunca se impôs tanto. Será necessário que as empresas contratem seguranças para acompanhar os jornalistas? Algumas poucas já andam, mas não é a maioria e nem escrevo aqui como uma sugestão de que o façam, mas para uma reflexão.

Até alguns anos atrás, repórteres andavam com equipes de motoristas e fotógrafos o que por si só já garantia um apoio na cobertura de rua. Com a terceirização desses serviços, o jornalista muitas vezes anda só e sem auxílio algum. Refletir como garantir esse apoio é crucial.

Outro ponto é a própria atuação dos agentes de segurança pública. Policiais que atuam garantindo a segurança das campanhas serão cobrados a atuar para garantir a integridade física tanto do candidato como de jornalistas e eleitores? Em 2018, além do atentado a Bolsonaro, a caravana de Lula no Paraná foi alvo de tiros e o inquérito nunca chegou aos responsáveis.

Por fim, mas não menos importante, outra questão que se impõe nos preparativos da eleição de 2022 é refletir como se darão as transformações no uso da tecnologia para atrair o eleitorado. A campanha de 2018 ficou marcada pelo papel das redes sociais e, especialmente, pelos disparos em massa no Whatsapp, conforme revelou a repórter Patrícia Campos Mello, em reportagem da Folha de S. Paulo.

Desde a descoberta, porém, muitas transformações ocorreram. WhatsApp limitou grupos e o compartilhamento de mensagens. Facebook, Instagram e Twitter passaram a marcar e derrubar posts com informações falsas nocivas à saúde durante a pandemia. O ex-presidente Donald Trump foi banido das redes sociais após a derrota na campanha de 2020 por atentar contra a democracia dos EUA ao espalhar informações falsas sobre a eleição. Note que isso ocorreu “após” a disputa. Nos últimos meses, Jair Bolsonaro também passou a ter alguns posts com dados falsos sobre vacinas igualmente derrubados.

A questão que sempre se coloca é a velocidade com que se reage ao processo de desinformação. Em agosto de 2018, durante a campanha, eu, Igor Mello e Bruno Abbud fizemos uma reportagem sobre um assessor de Carlos Bolsonaro que tinha como função viajar e gravar Jair Bolsonaro pelas ruas do Brasil, além de alimentar páginas de ódio no Facebook. Era um funcionário fantasma com função de atacar os adversários do então candidato do PSL. O nome dele é Tercio Arnaud Tomaz.

A revelação, porém, não teve nenhum impacto imediato, seja na Justiça Eleitoral ou mesmo nas plataformas. Só dois anos depois é que um relatório da Atlantic Council, em parceria com o Facebook e o Instagram, verificou a atuação de Tomaz com contas inautênticas desde o período eleitoral para espalhar informações falsas e atacar adversários de Bolsonaro. Nesse período, ele se tornou assessor especial do presidente da República no início de 2019 e, apesar de todas as denúncias do seu papel do chamado Gabinete do Ódio, deve ser candidato a deputado federal em 2022.

Mas, à medida que o cerco sobre compartilhamento de informações falsas e o uso das chamadas contas inautênticas se fecha, o movimento de Jair Bolsonaro e seus apoiadores é de tentar migrar suas comunicações para aplicativos e plataformas com menos fiscalização. É frequente a campanha para usuários passarem a usar o Telegram (que não possui limite para usuários em grupos) e a rede social trumpista Gettr. Os bolsonaristas parecem querer reeditar a estratégia de 2018 em outras plataformas.

O MPF abriu há pouco tempo uma investigação para apurar o que as plataformas estão fazendo no combate à desinformação. A medida visa respostas de todas as empresas e, já na portaria de abertura, ficou claro o aviso de que quem não atuar poderá até ter atividades suspensas ou proibidas no país. Soou como um recado especial para o Telegram.

A imprensa terá o desafio de verificar se isso de fato vai surtir o efeito esperado pelo bolsonarismo e como será utilizado, o que pode fazer com que outros candidatos também copiem a estratégia. Não se pode descartar a possibilidade de que algo ainda desconhecido esteja em gestação, tal como foi o disparo em massa.

O TSE deu recados ao cassar um deputado federal pelo compartilhamento de informações falsas sobre a urna eletrônica. O ministro Alexandre de Moraes, próximo presidente da Corte eleitoral, também anunciou que esse comportamento poderá resultar em prisão. Mas, em 2018, o ministro Luiz Fux, então presidente da Corte, também disse que as eleições poderiam ser anuladas por uso de informações falsas. Nada ocorreu nesse sentido apesar de todos sabermos que a principal marca daquela eleição foi a desinformação. O TSE está hoje mais preparado. Resta saber se agirá prontamente e se a imprensa estará atenta aos candidatos e aos movimentos do tribunal.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2022. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

Imagem mostra a palavra “Realização” seguida dos logos do Farol Jornalismo e da Abraji.

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Juliana Dal Piva
O jornalismo no Brasil em 2022

Colunista do @UOL . Apresentadora do podcast A vida secreta de Jair. Antes repórter especial do @JornalOGlobo . Email: coluna@julianadalpiva.com