A igreja precisa aprender a lidar com a realidade LGBT
Esse texto não contém respostas
No mundo ideal, leões e zebras dividem o mesmo campo, sem que um pare entre os dentes do outro. Mas a realidade não é ideal. E isso cabe a qualquer campo da vida, e na maior parte das vezes, conseguimos lidar relativamente bem com isso, fazendo concessões, calculando e assumindo riscos, aceitando o “ganhar e perder” natural da vida.
Mas, para outros assuntos, lidamos da maneira mais infantil possível, nos deixando dominar pelo medo, pela não aceitação das realidades que nos cercam, o que faz com que nos entreguemos aos discursos mais fabulosos possíveis, que, no fundo, sabemos serem ineficazes, mas pelo menos nos causam um falso bem estar, ainda que momentâneo.
Como igreja, agimos dessa segunda maneira em muitas das situações que nos colocam nas berlindas deste mundo. A questão LGBT é uma delas.
Lidando com verdades
Existem verdades difíceis de engolir, mas elas estão aí. Negá-las é tão eficaz quanto negar o fato de que a Terra é esférica.
A primeira verdade é que gays, lésbicas e pessoas que se identificam com todas as letras da sigla existem. E por mais confortável ao nosso “cristianismo” que seja nos apegar ao estereótipo do “promíscuo", tal qual as piadas do Zorra Total que nos acostumamos a rir, nós sabemos que isso na passa de um esteriotipo. Discordar da sua vida sexual — por mais privada que essa seja — não muda o fato de que, como qualquer outra pessoa, elas tem erros e acertos, valores, direitos, como qualquer outro.
Outra verdade é que a Bíblia, em diversos versículos, condena a homossexualidade. Não mais ao apedrejamento, como foi no Velho Testamento, mas em muitos dos seus versos está clara a heteronormatividade.
Anexa a essa verdade, vem outra: discordar do modo de vida das outras pessoas não nos dá o direito de mutilar seus direitos humanos. Pelo menos não é isso que a Bíblia nos ensina em um Novo Testamento que, consensualmente entre todos os ramos cristãos, é a “norma vigente” da religião. Jesus lidou com pecadores, prostitutas, de cobradores de impostos e soldados romanos a reacionários da mesma maneira: embora discordando dos seus modos de vida, Ele respeitou a humanidade que é comum a todos nós. Não tem como negarmos isso. Está lá, nos quatro Evangelhos, pra quem quiser tirar dúvidas.
Sendo assim, temos mais uma verdade. Pessoas LGBT, antes de serem LGBT, são pessoas. E não são menos pessoas, não são uma segunda categoria. Logo, todo o disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos — bandeira cristã, aliás — se aplicam a eles, por que seria diferente?
Como trabalhadores, cidadãos, pagadores de impostos, eles, assim como nós, têm direito de exigir seus direitos, serem ouvidos e atendidos. Tem direito a repartir herança, colocar seus dependentes no imposto de renda, estender as benesses dos seus planos de saúde, assim como qualquer um de nós. E não há regra bíblica que nos mande ir contra isso. Pode procurar.
Já que estamos falando de verdades, não podemos esquecer de uma. É fato que militâncias passam do ponto, exageram. E não seria diferente com a militância LGBT. E nem mesmo com a cristã. Poderíamos ter um blog inteiro apenas para tratar dos exageros da nossa Bancada Evangélica.
Mas o fato dos militantes não descansarem não invalidam o cerne das suas lutas. Cristãos acreditam no direito de exercer a sua cosmovisão, pretos não querem ser discriminados por conta da sua cor, e LGBTs querem ter os mesmos direitos que todos têm, afinal, eles já têm os mesmos deveres, não é mesmo?
E aí, chegamos na verdade que motiva esse texto. A João foi prometido um reino dos Céus que agregará povos de todas as nações e tribos. Embora vivamos em um mundo de bolhas, onde cada um tem medo do que há lá fora, a Promessa é verdadeira. O Reino vem, e vira para todos. E essa é uma verdade chocante, que nos traz ansiedade, pois ficamos pensando em como trazer para as fileiras de Cristo quem parece ter uma vida em total desconformidade com a Palavra.
Daí vem os episódios patéticos de “cura gay” que vemos na internet, os tristes episódios de pais expulsando filhos de casa, de jovens sendo silenciosamente excluídos de igrejas, de políticos que se alimentam e alimentam nossa ansiedade para manter seus eleitores e pastores em pregações onde se parecem muito mais com os lobos ou com os caçadores.
Aqui eu quero finalizar. Talvez o nosso erro seja esse. Quem converte é Cristo, não eu, nem você. Não há restos, estudos, vídeos, saliva e leis capazes de fazer o trabalho do Espírito Santo. Todos que fomos convertidos, não o fomos por imposição de legislações ou pelo muito militar de uma bancada. Não fomos pela intransigência de familiares e nem pelo preconceito de vizinhos.
Fomos convertidos pelo amor de Deus. Que normalmente se manifestou através do amor de seres humanos. Um familiar, um amigo, uma pessoa sorridente que te entregou um panfleto na rua, ou que foi orar por você em um presídio.
Toda conversão é fruto de um ato de amor. E, quanto ao amor, paciente e bondoso.
O amor não arde em ciúmes, não se envaidece, não é orgulhoso,
5 não se conduz de forma inconveniente, não busca os seus interesses, não se irrita, não se ressente do mal.
6 O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade.
7 O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8 O amor jamais acaba. Havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará.
9 Pois o nosso conhecimento é incompleto e a nossa profecia é incompleta.
10 Mas, quando vier o que é completo, então o que é incompleto será aniquilado — Coríntios 13:4–7
Precisamos entender que o nosso conhecimento é incompleto. E assim, precisamos dar chance a nós mesmos. Chance para praticar o que está na Palavra. Aceitarmos que não temos a resposta para tudo. Ter humildade, dar espaço para que o Espírito de Deus nos mostre algo novo, que sequer sabemos o que é.
Nesse texto, não há respostas. Apenas reflexões.