A responsabilidade cristã pela ‘semana do expurgo' das Eleições 2022

Como cristão, quero deixar isso registrado, para eu nunca me esquecer que isso aconteceu

Bruno A.
o mundo precisa saber
4 min readNov 4, 2022

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Photo by Mateus Campos Felipe on Unsplash

Mesmo sendo após o Halloween, a semana pós-eleições foi um horror.

Existe um abismo de distância entre estar descontente com a vitória de um candidato cujo partido passou o século envolvido em casos de corrupção e se sentir autorizado para praticar a barbárie: rodovias bloqueadas em todo o país, crianças feitas escudo contra a polícia, órgãos para transplantes e medicamentos raros presos em protestos, criança enforcada por um policial, ônibus de estudantes apedrejado... Poderia escrever um livro sobre todas as barbaridades que ouvi acontecer nesta semana, sobre a comédia absurda de pessoas em frente a quartéis, acreditando que em 72 horas o Exército tomaria o país, enquanto comemoravam a prisão de um ministro do STF que NUNCA aconteceu.

E todas essas barbaridades foram praticadas por um mesmo grupo de pessoas.

É preciso deixar claro que o fato de toda essa arruaça ter sido praticada por bolsonaristas não significa que todas as pessoas que votaram em Bolsonaro praticam arruaças. Isso é importante frisar.

Esta semana do expurgo é fruto de uma decada inteira de produção de ódio. Saímos de eleitores descontentes com a atuação de um entre tantos partidos do sistema político corrupto brasileiro a irremediáveis praticantes do ódio.

De repente, estávamos intimando pessoas dentro das nossas famílias, trabalho, amizades, quanto ao candidato que elas iriam votar, como numa verdadeira inquisição, uma caça as bruxas, com direito a fogueira e tudo.

Aliás, difícil falar de inquisição sem falar do papel da igreja. Ou melhor, das igrejas. Ou melhor ainda, de algumas igrejas (afinal, generalização, nesses termos, também é barbárie).

Vimos líderes religiosos — em sua maioria, aqueles que sempre foram os mais questionáveis dentro do mundo religioso — validando a arruaça e incentivando a caçada ao inimigo nos cultos e redes sociais. Chegamos ao absurdo de termos membros expulsos de suas igrejas, por não revelarem seu voto ou declararem voto no candidato da esquerda (ambas atitudes asseguradas por lei).

E até mesmo as igrejas ditas mais "históricas", que não fazem parte do "multiverso da loucura neopentecostal", de alguma forma, fecharam os olhos para o antipetismo — que depois desta semana, já poderia estar na prateleira do racismo, do antisemitismo, da homofobia, da perseguição religiosa, e etc —; não sei se por inocência em não perceber o que estava acontecendo, ou por conveniência, ou maldade, ou pela fobia inexplicável do comunismo.

Muito preocupados em regular o relacionamento homossexual dos outros, o que nunca foi mandamento bíblico e em nada interfere nosso cristianismo pessoal; ou em constranger mães que abortam, sem nunca questionar os pais que abandonam as mães e as deixam vulneráveis ao aborto, não percebemos a centelha do ódio que também estávamos ajudando a acender.

Esse ódio também cresceu dentro das nossas igrejas, da maioria delas. E ouvimos poucas palavras sobre perdão, conciliação, frutos do Espírito x obras da carne, tão abundantes na bíblia. Mas ouvimos muito sobre os males do comunismo, dos gays, dos esquerdistas.

Mas neste ano tudo explodiu. Tudo veio à tona. Já podemos falar que a eleição de 2022 produziu mortos e feridos como nunca antes. E os assassinos estão, em maioria, de um lado do espectro ideológico; enquanto as vítimas estão, em sua maioria, do outro.

Agora, fica a questão: e nós, como igreja, como vamos nos posicionar?

Vamos, cinicamente, fazer de conta que este é um problema do mundo? Vamos assumir a filosofia do Lord Farquad: "alguns de vocês vão morrer, mas este é um sacrifício que estamos dispostos a fazer" para que não haja os tais dos terceiros banheiros e escolas doutrinadas por Paulo Freire?

Porque, dizer que continuaremos bolsonaristas porque somos cristãos pró-vida, já não cola mais desde a Pandemia. E nesta semana pós-eleições, o argumento caiu de vez.

Podemos continuar vivendo no multiverso do negacionismo: fazendo de conta que não é com a gente, fazendo de conta que não houveram protestos anti-democraticos e criminosos, fazendo de conta que bolsonaristas não estão agredindo e matando pessoas, fazendo de conta que essa relação entre crentes e Bolsonaro não é idólatra, e mantendo o nosso discurso pró-vida e pró-familia. Amém.

Mas, diante de Deus e dos homens, a verdade é que estamos pobres, cegos, desgraçados e nus. Então, recomenda-se que compremos de Cristo o seu verdadeiro ouro e vestes brancas, que é a justificação do nosso pecado e a nossa urgente mudança de atitude, e o colírio da Palavra, para que possamos enxergar o mal que nos rodeia e nos suja.

Porque, quando nos declaramos "de Deus", mas estamos dispostos a fazer, patrocinar ou concordar com o trabalho sujo de “César”, aí sim estamos mornos. E certamente seremos vomitados da boca de Deus. E o mundo inteiro estará olhando para nós. Negue você ou não: todos sabemos o que aconteceu nas eleições de 2022.

E aí? Vamos continuar negando? Será que vai colar dizer pra Deus, no último dia, que a barbarie não aconteceu porque foi noticiada pelo UOL, Globo e Folha — a tríade da mídia manipuladora — e porque não tem nada no site da Jovem Pan?

Ou, diante de Deus, diremos: “e o Lula?”, “e o PT?”

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