A ‘Santa Ceia LGBT’ das Olimpíadas e as profecias autorrealizáveis

Deixar as “provocações” do mundo nos descaracterizar é bem mais grave que a representação “gay” do suposto quadro do DaVinci*.

Bruno A.
o mundo precisa saber
4 min readJul 27, 2024

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Não é a primeira vez que você vê isso: “Vamos protestar contra a fúria cristã, tocando em algum símbolo que muito custe a eles, algo sensível, e então eles responderão de maneira furiosa, deixando claro a fúria cristã da qual estamos falando”. (Este parágrafo descreve boa parte do conteúdo do Porta dos Fundos, não é mesmo?)

Mas calma, acontece do outro lado também: “Vamos alertar os nossos sobre os perigos da militância LGBT surgindo em todos os lugares, se apossando de tudo. Vamos usar isso como plataforma de campanha, vamos nos colocar como a ‘solução’ para este ‘problema’”. O resultado? A militância LGBT marcando cada vez mais posições e nós aqui dizendo: “falei que eles são um perigo!”

De profecias autorrealizáveis vivem as militâncias, seja de direita ou de esquerda. É uma guerra cultural retroalimentada. Pesquise no Google ou na sua rede social favorita e veja quantos pastores — e até a igreja católica da França — estão vociferando contra a releitura queer de um quadro de Leonardo DaVinci* que, sejamos sinceros: se como evangélicos, mantivéssemos pendurada na parede da nossa sala, seríamos acusados de “idolatra” pelos membros da nossas igrejas.

Mas agora, convenientemente, é um bastião do cristianismo protestante contra a “ameaça gay”.

O mais notável problema da guerra cultural e suas retroalimentações é o barulho. Se você navegar trinta minutos nas redes sociais por hoje — 27 de julho de 2024, um dia depois da Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Paris — não será difícil encontrar algum ser humano despejando o pior de si nas timelines, dando todas as munições possíveis para que o outro lado possa dizer: “eu disse…”.

E quanto à realidade? Como parte legítima da sociedade — que trabalha, constrói, paga impostos — a comunidade LGBT+ tem todo o direito de exigir “aparecer na foto”. Se até eu, como cristão evangélico, reclamo de como me sinto subrepresentado, por que eles não teriam o direito de fazer o mesmo?

Afirmar que existe uma “agenda” que maquina essas tensões para que grupos se autopromovam soa tão conspiratório quando afirmar que a Terra é plana. Afinal, é assim que qualquer um soaria ao afirmar teorias complexas sem ter qualquer prova da existência delas, não é mesmo? Penso mais que estamos em um estágio tão avançado dessa tal guerra cultural que nem nos perguntamos mais quem foi que deu o primeiro tiro: queremos atirar!

Mas nós, cristãos, os “mensageiros da paz”, deveríamos perceber essas mecânicas, que às vezes até nos ferem, e saber nos posicionar como alguém que “busca a paz e a segue” (1 Pe 3:11). A representação gay de um suposto** quadro do Da Vinci*, ou um beijo gay na abertura de um evento esportivo pouco me ofende, se é que o faz. É apenas o mundo sendo o mundo, como sempre foi. O que me preocupa é que, a cada batalha desta guerra, estamos perdendo cada vez mais a legitimidade diante deste mundo de falarmos em nome do “autor da paz”. E olha que a nossa guerra nem é contra carne ou sangue, não é?

E se você acha bobagem minha preocupação com essa “legitimidade” perante o mundo, então vou traduzir para o bom “evangeliquês”: estou falando de bom testemunho. Aquela reserva de respeito que todos procuram em nós quando falamos de Jesus por ai. E essa reserva secando mais e mais, a cada dia que passa.

Isso me preocupa.

*Atualização de 29/07/2023, às 7:43: conforme veiculado pela imprensa, no domingo, 28/07, Thomas Jolly, que é o diretor artistico da cerimônia de abertura das Olimpiadas, em entrevista a uma rede de TV local, negou a intenção de zombar com o quadro “A Última Ceia”.

Nunca encontrarão da minha parte nenhuma vontade de zombar, de difamar nada. Eu queria fazer uma cerimônia que reparasse, que reconciliasse. Que também reafirmasse os valores da nossa República”, disse ele na entrevista.

Posto isso, podemos assumir duas situações:

  • Ou ele realmente não teve intenção, mas como um diretor de um evento de tamanha grandiosidade, não poderia errar tão crasso (podemos assumir que foi erro, baseado no que ele disse, certo?), despertando acidentalmente a ira não apenas em mundo polarizado, mas em uma França polarizada e ainda ferida por um período de eleições (sabemos bem como é isso).
  • Ou é apenas uma desculpa, mesmo, para tentar por panos quentes no assunto.

Mas, também precisamos lembrar que o problema de muitos não é com a presença LGBT no quadro da Santa Ceia, nem com a presença LGBT na abertura das Olimpíadas, e sim com a presença LGBT em qualquer lugar.

Esse é apenas mais um triste efeito colateral da guerra cultural nossa de cada dia: todo mundo perde a razão.

**A segunda atualização, do mesmo dia, às 15:50, é pra citar que segundo a organização, o quadro referenciado na cena seria o “Festin des Dieux” de Jan Harmensz van Biljert, e não a famosa Ceia de DaVinci.

Olhando bem para a foto que ilustra esse texto, penso que pra acreditar que todo esse barulho provocado “foi sem querer querendo”, sem qualquer intenção de provocar e apenas “reparar e reconciliar”, como disse Jolly, das duas uma: ou ele foi muito tolo em acreditar, ou eu quem devo ser tolo, se acreditar.

É isso. Estamos a 0 dias sem tretas por causa de polarização neste mundo vil. Mais um motivo para pensarmos bem se vamos, finalmente, tomar uma verdadeira postura cristã de sabedoria diante do caos ou se vamos apenas continuar reagindo, roboticamente. Pense aí.

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