“Church Clothes”: nostalgia, melancolia e hipocrisia

Rap de Lecrae nos faz pensar sobre nossa relação com a igreja

Bruno A.
o mundo precisa saber
4 min read5 days ago

--

A obra de Lecrae dá gosto! Daria pra escrever um blog só disso, de como suas letras são geniais. O rapper americano rompeu a “bolha gospel” e tornou suas letras relevantes inclusive no mundo secular.

Mas, entre tantas boas letras, quero trazer aqui “Church Clothes”, que foi a música pela qual conheci sua obra. Quando ouvi pela primeira vez, senti aquela sensação boa de soco no estômago que só as boas obras de arte nos proporcionam.

R.I.P. to Medgar Evers, R.I.P. to Dr. King
I ain’t tryna’ hate on my own kind
But Al and Jesse don’t speak for me
I’m probably gon’ catch some flack man
But I’m-a swallow this pill like Pacman
Some of these folks won’t tell the truth
Too busy tryna get them racks man
Church tryna rob my paychecks
Choir members probably havin’ gay sex
Pastor manipulatin’ hurtin’ women
I wonder which she’s gon’ slay next

(…)

O “eu” de “Church Clothes” começa nostalgico, lembrando de nomes como Martin Luther King, cuja vida e obra são unânimes dentro e fora do mundo cristão e dizendo que muita coisa mudou de lá pra cá: se pastores antes se engajavam em causas sociais, hoje estão cada vez mais envolvidos em escandalos de abusos sexuais, desvio de dinheiro, sem falar das posições políticas que pouco combinam com a sabedoria bíblica.

Plus I know ol’ girl a freak
And how she singin’ a solo
I walked in the church wit’ a snapback
And they tellin’ me that that’s a “no-no”?

That’s backwards, and I lack words
For these actors called pastors
All these folks is hypocrites
And that’s why I ain’t at church

Mas não demora pra nostalgia se tornar em revolta. De “usos e costumes” sem muito sentido até a seletividade dos pecados que devem ser punidos ou incobertos, o “eu” define os crentes como hipócritas e como o motivo de ele não ir mais à igreja.

Mas, em algum momento a música “vira a mesa”. Da revolta, o “eu” passa à confissão, revelando sua hipocrisia. Se a igreja anda mal das pernas, descobrimos que ele também não anda bem: álcool, drogas, pornografia…

Truthfully I’m just doin’ me
And I don’t wanna face no scrutiny
As long as the church keep wildin’ out
I can justify all my foolish deeds
Smoking weed, pourin’ up
Keep that lean up in my cup
Maybe I could change the world
But this porn on my laptop got me stuck
Yeah I know what’s right from wrong
But that there ain’t gon sell a song

E os versos continuam, mostrando um “eu” confortável com a situação. “É melhor que a igreja realmente tenha seus pecados, pois assim eu posso continuar com os meus, não é?”

I rather sell my soul then save it
If that’s what make my money long
It better not be no real God
With real hope, that heals hearts
That shows me that I ain’t livin’ up
To all the things that He put me here for
It better not be no real church
Real saints, who pray hard
And let me rock my snapback
With the 501’s and the J’s on
It better not be no real folk
Who don’t think that they better than you
Straight or gay, drunk and high
They walk through the cold and weather wit’ ‘chu

Mas como o “eu” cita nos seus versos, será que não há mesmo uma “igreja de verdade”, com gente que ora de verdade, é fiel de verdade, se preocupa e abraça de verdade?

Isso nos leva a reflexão. Costumamos a entender igrejas como o “caos santo”, do qual muitos realmente sairam feridos e isso não se pode negar. Mas será que todos debaixo do teto da igreja podem ser classificados da mesma forma? E, será que eu não estou usando o caos da igreja como desculpa para, na defensiva, continuar com a minha caótica vida de pecado?

Isso fala bastante com pessoas que se afastaram da igreja por algum motivo. É um convite para reflexão: até onde são feridas e traumas de igrejas tóxicas e à partir de onde sou eu usando isso para justificar minha vida que desagrada a Deus?

O que é bom na música e nas artes é que a mensagem te pega de guarda baixa. Se eu estivesse conversando com uma pessoa afastada da igreja nesses termos, ela com certeza se sentiria ofendida com as minhas acusações. Mas, com a música é diferente. Se torna, de fato, uma reflexão onde cada um que ouve, examina a si mesmo e com o apoio do Espírito Santo, encontra suas respostas.

Nah we don’t wanna see that
Cause that might mean “life change”
That might mean I’m worth more than money, cars, sex, and pipe dreams
Better not be no real Jesus, real forgiveness, for hurt folks
If God gon’ take me as I am I guess I already got on my Church clothes

Que você possa encontrar suas respostas, também. E que a música cristã, tão enrolada com o mercado, não perca sua intrepidez em falar sobre temas ácidos que nos fazem refletir.

Este texto pertence à seção Areopagus, que é o nosso mix entre cristianismo e cultura pop. Gostou? Tem mais aqui. Aproveite!

Se você gosta da forma como tratamos os assuntos por aqui e quer receber novos textos, venha para o nosso canal do Whatsapp.

--

--