Crente em festa junina: pode?

Qual a relação dos evangélicos com as festas de São João, São Pedro e Santo Antônio?

Bruno A.
o mundo precisa saber
5 min readJun 24, 2024

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Photo by Samuel Macedo on Unsplash

Quem está introduzido no mundo cristão evangélico já teve que lidar, em algum momento, com a controvérsia dos festejos juninos: participar ou não?

As opiniões sobre o tema já foram bem mais duras no passado, mas em tempos de “cultura de liberalismo”, fica a impressão de que nem tudo que foi liberado deveria ter sido. Pelo menos não sem uma reflexão prévia, que se faz sempre necessária.

Pra quem está chegando agora: as festas juninas brasileiras, originalmente (esse advérbio é importante) giram em torno das três festividades católicas do mês de junho: Santo Antônio (13), São João (24) e São Pedro (29). E é aqui que moraria o problema: o culto (ou veneração, ou adoração) aos santos católicos não é nada mais que um pilar sobre qual o protestantismo nasceu e está formado até hoje. Talvez um dos poucos consensos que restou em um tronco do cristianismo que tem a divergência no seu DNA.

Logo, não faz sentido um evangélico participar de uma festa tida como idólatra. Se a questão parasse por aqui, não haveria motivos para polêmica.

Mas a história não para por aqui

Não param porque as festas juninas, assim como tudo em nossa cultura, sofreram uma diluição com o tempo.

Pense: na festa da paróquia da sua cidade, ainda está bem claro o sentido original da festa. Mas, e na festa da escola das crianças? E na mesa que o RH da sua empresa organizou para os funcionários? Daria pra encarar essas cerimônias como “sacrifício aos deuses”?

Será que o pacote de pipoca vendida no quiosque temático do supermercado está dedicado aos santos? Será que o curau vendido aqui na padaria da minha rua, apenas em junho, se tornou algo pecaminoso?

Certamente esses locais se sentiram empurrados a aderir a esse cerimonial muito mais por uma questão cultural do que por uma questão religiosa.

E assim como, dentro do mundo evangélico, não dá pra considerar salvo quem participa da cerimônia do batismo, mas não leva uma vida de devoção; ou ainda, quem come na Ceia, mas não segue os preceitos bíblicos, penso (opinião, apenas) que não é possível atribuir um culto católico a quem comeu um pedaço de bolo de milho na festa da firma que em nada reverencia personagens católicos.

Entre a cruz e a espada

E ainda podemos ir além: se comer um pedaço de bolo de milho é opcional, o que dizer quanto ao funcionário crente do RH que precisa organizar uma festa com temática junina? O que dizer, também, da professora crente que precisa participar das banquinhas de festa junina organizadas pela escola em que trabalha? Essa pessoa está pecando?

Ainda que fossemos forçar um caráter de religiosidade na festa do RH da firma, poderíamos nos lembrar do exemplo de Naamã em 2 Reis 5:18, que se via forçado a entrar em um templo estranho e se ajoelhar diante de uma divindade estranha por força do seu emprego.

A resposta do profeta Elizeu — que em outro raro momento de consenso evangélico, cremos que foi inspirada pelo Espírito Santo — foi: “vá em paz”.

É interessante observar que Naamã poderia ter pedido demissão da ocupação e assumido todas as sanções provenientes disso (lembrando que seria mais provável o capitão do Exército do Rei da Síria de 3 mil anos atrás perder a cabeça do que o FGTS ao abdicar da sua posição — se houver algum historiador aí, me ajude) e teríamos, então, mais uma bela história bíblica de martírio. Mas não foi isso que o profeta recomendou. Digo isso antes que pensemos na ideia da pobre “tia da creche” renunciar o emprego que conquistou com tanto custo, em nome de um “heroísmo cristão”.

Talvez Naamã, pelo simples fato de ter mencionado sua inconveniência ao profeta, já mostrasse uma inclinação ao arrependimento. Essas coisas só existem nos corações das pessoas. Não é possível aferir isso numa roda de fofoca da igreja, não é mesmo?

Contrapontos?

É preciso dizer que episódios de renúncia à cultura “comum” na bíblia também existem. Talvez um dos mais lembrados seja o de Daniel e dos seus colegas exilados, e da recusa deles em participarem da mesa do rei (Daniel 1).

Realmente podemos dizer que aqueles jovens poderiam ter participado dos manjares, sequestrados pelas circunstâncias, e que em uma situação comum, onde eles estivessem em seu país e livres, nunca fariam aquilo. Mas talvez o contexto local e histórico daquele momento exigisse uma santificação.

Santificação, renúncia, jejuns sempre estão relacionados a atitudes que, aos olhos comuns, podem ser vistas como “sem problema”, mas aquele que se propõe ao jejum sabe o porquê está fazendo.

O que podemos tirar dessa situação é que é possível sim que haja situações onde renúncias são necessárias, e que cristãos devem enfrentar as possíveis consequências dessas renúncias.

Mais uma vez precisamos dizer que este é o fruto de uma comunhão com Deus, e não de uma leitura de um blog de internet. Se você julgar que precisa dizer não a qualquer situação cultural por conta de um momento de oração, ou por estar em uma jornada de evangelização, ou por qualquer outro motivo, isso também não deveria ser tabu.

O simples fato de acompanhar um familiar mais intransigente na festa da paróquia, por exemplo, pode ser visto sinceramente por uns como um “se dobrar a idolatria terrena”, mas pode ser visto por outros como um “gesto bondoso de compreensão cristã”. É difícil criar uma regra para isso em um post de internet.

Concluindo

O objetivo aqui não é criar uma “teologia da concessão” e nem definir regras pra nada, mas refletir sobre dilemas que cristãos precisam enfrentar diariamente.

Não raro essas situações nos empurram para conflitos entre familiares, igreja ou até mesmo conflitos internos.

É necessário lembrar que, biblicamente, é dever das igrejas e seus líderes aconselhar e guiar as pessoas pelo caminho mais correto a cada situação e que, precisando pensar no bem do grupo, é comum que igrejas — assim como empresas, escolas e países — criem regras que possam parecer concessivas para uns e exageradas para outros. Mas também não podemos esquecer que estamos diante de um Deus bondoso e misericordioso, que conhece cada situação e cada coração.

O objetivo deste texto acaba sendo nos alertar para a delicadeza dessas situações, pois assim evitaremos partir para os julgamentos que tanto ferem, sem nem mesmo saber qual é a situação.

Deus é o Juiz, como dizem. E também é o Advogado, precisamos lembrar.

Esse texto faz parte da série “Pode ou não pode?”, onde tentamos desmistificar algumas “regras” comuns ao ambiente cristão. Clique aqui para ver mais textos sobre esse tema.

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