De ‘macho-alfa’ a ‘criança-alfa’: porque movimentos de masculinidade ‘red pill’ são tão infantis

A cultura do medo que habita o DNA da masculinidade ‘red pill’

Bruno A.
o mundo precisa saber
5 min readJul 28, 2024

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Photo by Gabriel Tovar on Unsplash

A premissa de movimentos de masculinidade como o red pill, que ficou tão famoso na internet, é fazer homens mais fortes e mais resistentes ao mundo atual, onde, segundo eles, o espaço masculino está cada vez mais reduzido.

Essa percepção de “espaço reduzido” se dá por conta do avanço do feminismo, que segue conquistando direitos para as mulheres. E esses direitos são vistos, muitas vezes, como uma redução do espaço do “ser homem”, seja nos relacionamentos, seja ao condenar as até então comuns piadas sexistas na mesa do happy hour.

Até mesmo o conceito de consentimento — que trata da abissal diferença entre aquela conversa gostosa que inicia qualquer relacionamento e abusos sexuais — parece causar medo nos homens que são alvos desses movimentos: basta qualquer olhada em comentários de internet e você verá homens reclamando sobre o medo que sente de ser considerado o “próximo abusador”.

Onde há fumaça, há fogo: precisamos lidar com a realidade de que esse medo existe, e que existem homens que vivem com medo de se relacionar com mulheres; com medo de soltar uma piada pra quebrar o gelo no ambiente de trabalho e ser considerado machista; com medo de se casar com alguma mulher interesseira, que só esteja de olho em seu Corsa Wind ’94 e no dinheiro do FGTS da sua última demissão — sem ironias aqui, sério.

Mas, será que a retórica red pill, invés de criar homens fortes, não estaria infantilizando homens? Por que temos a sensação de que as atitudes exaltadas nesses movimentos são tão infantis?

Crianças

Uma boa forma de começarmos é olhando para as crianças. Eu vou olhar para o meu filho de quatro anos de idade. É aquela época da pré-escola, dos amiguinhos da rua, do playground… E daquela fricção comum às crianças: não querer dividir os brinquedos com os amiguinhos, querer monopolizar a TV da sala, achando que vai poder assisitir seus desenhos por 24 horas, não querer guardar seus brinquedos, reagir mal — leia-se choro e birra — a qualquer negativa que tiver que enfrentar.

Como toda criança, nosso pequeno ainda tem em si que suas demandas têm que ser atendidas a despeito de quaisquer outras. Mas, pense: desde que nasceu, ele viveu em uma bolha, chamada de “casa”, onde tudo era para ele. Faz pouco tempo que ele está frequantando outros locais, com outras regras e outras pessoas.

Ele está transicionando de um local de completo egoísmo para o altruísmo necessário para a vida social. Em outras palavras, estamos ensinando, na prática, o que significa Efésios 5:21: precisamos nos submeter uns aos outros, sabendo caminhar por esse espectro, onde em um extremo existe a exigência absoluta pelo que é nosso, enquanto no outro extremo existe o sacrifício total, onde abrimos mão de tudo pelo bem do outro.

O principal erro do pensamento ‘red pill’ e tratar homens como crianças

Quando assistimos os populares conteúdos de cultura red pill, fica claro como eles têm dificuldades com esse conceito do “espectro” que tratamos no parágrafo acima.

A persona desses conteúdos é sempre um homem reduzido, ameaçado pela mulher que convive ou que pretende se relacionar e ameaçado pelo ambiente que, por ceder cada vez mais direito às mulheres, numa falsa dicotomia, estaria lhe restringindo direitos.

Segundo esses discursos, este homem precisa ser egoísta, desaprendendo a negociar direitos e exigindo tudo pra si. Essa é a definição do macho-alfa: o animal mais forte do bando, que alegadamente é o protetor, mas exerce uma liderança bem problemática, exigindo prioridade de acesso à todos os recursos do bando — inclusive as “fêmeas”.

(Não ironicamente, essa é a fácil descrição de muitos líderes políticos, religiosos e empresariais que frequntemente ocupam o noticiário de maneira negativa, já pensou nisso?)

À partir daí vemos alguns absurdos como a ojeriza à persona da “mãe solteira”, que parece ser uma mulher enviada do inferno, com um pequeno demônio no colo, pronto para, em tudo, lhe confrontar.

Aliás, se o grande inimigo deste homem é uma crianca, isso já é bem sintomático, não?

Contradições ‘red pill’ x mundo real

E aqui se dá a contradição desses movimentos, que se apresentam como a solução para liberar o macho-alfa que habita em você, mas que parece te tornar em (ou te manter) um homem infantil, medroso, incapaz de transitar nesse espectro de direitos e deveres comum à vida em sociedade.

Não vivemos como crianças que querem tudo pra si; não vivemos como animais, onde o “alfa” do bando, por ser o mais forte, ganha tudo à força. Não vivemos em um filme ou em uma série, onde as variáveis do mundo são abstraídas ao máximo, para que a história de um Thomas Shelby faça sentido. No mundo real, precisamos entender que temos nossos direitos e princípios inegociáveis, que temos situações onde podemos negociar pontos de vista para o bem comum e que temos situações onde o sacrifício é a única opção, e como Cristo, precisamos nos desfazer de nós mesmo em prol do outro, ainda que este não tenha razão ou merecimento.

Isso, os discursos de masculinidade populares da internet não ensinam. E isso é o essencial para que um casamento dê certo. São esses conceitos que estão por trás das softskills tão exaltadas no ambiente de trabalho. É isso que devemos ensinar, com exemplos, aos nossos filhos, para que eles não se tornem na persona do “Enzo birrento”, o filho dos vizinhos, que te faz ter cada vez menos vontade de ter filhos.

Pode ser que essa não seja a intenção por trás do movimento — embora reunir um público pela afinidade do medo em comum e se propor como o “Moisés” que irá levá-los ao outro lado é a narrativa comum, desde de vendedores de Hotmart até os políticos que pedirão votos na próxima eleição — , mas é isso que fica claro a cada vídeo de red pill que, tentando falar sério, vira mais um item no nosso arsenal de memes.

Haja Campari — recuso cervejas — pra aguentar.

Irmãos, não sejam meninos no entendimento. Quanto à maldade, sim, sejam crianças; mas, quanto ao entendimento, sejam pessoas maduras.

1ª Corintios 14:20

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