O Brasil não é uma teocracia — Leitura em Romanos 13
E como cristão, afirmo: é bom que seja assim.
“Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”, diz Salmos 33:12. E não duvidamos disso. Até mesmo um descrente haveria de confessar que, se há um Deus e se Ele é bom, justo, santo e misericordioso como dizem, feliz seria essa nação se esse Deus fosse o seu Senhor.
Mas é sempre bom lembrar em que contexto essas palavras foram ditas.
O Salmo 33 é uma poesia linda que versa sobre a soberania de Deus em comparação aos planos de homens, ainda que fossem eles poderosos chefes de estado:
O Senhor olha dos céus e vê todos os filhos dos homens;
do lugar de sua morada, observa todos os moradores da terra, ele, que forma o coração de todos eles, que contempla todas as suas obras.
Não há rei que se salve com o poder dos seus exércitos; nem por sua muita força se livra o valente.
O cavalo não garante a vitória; apesar de sua grande força, a ninguém pode livrar.
Eis que os olhos do Senhor estão sobre os que o temem, sobre os que esperam na sua misericórdia,
para livrar a alma deles da morte, e, no tempo da fome, conservar-lhes a vida.
E esse poema faz todo sentido numa Israel teocrática.
MAS, O QUE É TEOCRACIA?
Forma de governo em que os membros da Igreja interpretam as leis e têm autoridade tanto em assuntos cívicos quanto religiosos. Estado ou nação que se pauta nessa forma de governo.
Dicionário Dicio (dicio.com.br/teocracia)
E assim era Israel. No deserto, quando o povo hebreu caminhava rumo a terra prometida, Deus deu a lei a Moisés. E essa lei tratava tanto da vida religiosa quanto da vida cívica daquele povo. Isso mesmo: leis religiosas e nacionais eram uma coisa só.
E por mais estranho que isso possa parecer a nós, cidadãos do século 21, isso fazia todo o sentido na época, pois não apenas Israel, mas muitas das nações naqueles tempos eram teocracias, inclusive o Egito, de onde o povo hebreu estava saíndo depois de 400 anos de escravidão.
Logo, ainda que assumíssemos que Deus não tivesse intenções sobre a vida cívica de Israel (o que a Bíblia em nenhum momento afirma), como seria explicar para aquele povo que, de certa forma, o Deus de Israel era o único deus que não queria estender a sua justiça para a vida cotidiana da sua nação? Como explicar as nações teocráticas circuvizinhas enquanto o deus de Israel se posicionando de forma contrária? Como explicar que até no opressor Egito o governador era guiado pelos deuses, e em Israel o Deus verdadeiro se omitiria da vida política daquela nação?
Mas, ao contrário dessa suposição, os textos dos primeiros livros bíblicos sempre nos dão a entender que Deus sempre esteve interessado sim na vida politica de Israel, que era o seu povo, a nação criada por Ele no seio de Sara e Abraão, nação da qual viria o prometido Cristo.
Logo, entendemos que a Israel antiga em regime teocrático fazia todo o sentido.
DEPOIS DE CRISTO
Após a ascenção de Cristo, os apóstolos inciam o ministério do Evangelho e começam a se espalhar pela Ásia e Europa, mas em nenhum momento vemos nenhum deles almejando tomar cidades para sí ou tentando implementar de volta o mundo teocrático antigo. (Vale lembrar que, na época de Jesus, Israel assim como a maior parte da Europa e Orientete Médio estava nas mãos do Imperio Romano).
Paulo, em Romanos 13, recomenda sujeição da igreja às autoridades constituídas. Em outros episódios, Paulo chega a recomendar submissão de escravos à seus senhores (o que soa escandaloso para nós, aqui do futuro).
A intenção é clara: o ministério do Evangelho não almejava cargos governamentais, nem revoluções políticas. E o fim do Evangelho não era tomar o poder e transformar o recém criado Cristianismo em religião oficial.
Apenas com Constantino, no século IV, que Roma “se apodera” do Cristianismo e o transforma e religião oficial do Imperio Romano. Os desdobramentos estão em qualquer livro de história.
No século XVI, com a Reforma Protestante, mais uma vez não vemos intenções dos reformadores em tomar governos para sí. Pelo contrário, o que se vê é uma separação clara entre Estado e Igreja, o que acabou formando o caráter das democracias modernas ocidentais, enquanto o Oriente Médio muculmano caminhou em rumo contrário e permanece, em sua maior parte, até hoje mesclando igreja e estado.
O BRASIL NÃO É UMA TEOCRACIA. E É BOM QUE CONTINUE ASSIM
Diante do avanço de pautas progressistas em todo o Ocidente, e cada vez mais presente o “contra-ataque” dos grupos religiosos conservadores, tentando marcar presença nos parlamentos, para assim poder defender o ponto de vista tradicional.
Isso, em si, é muito saudável, pois é assim que democracias funcionam: se seu grupo tem ideias, vá aos Congressos e faça exposição delas. Isso é lindo! (Não existe isso de “crente não pode participar da vida pública do país”. Todo mundo, sem exceções, pode participar).
Mas, ao mesmo tempo, não podemos achar que temos por compromisso cristão eliminar quaisquer ideia que não represente um padrão “cristão conservador” (seja lá o que isso signifique, na prática), pois estamos numa democracia, afinal.
E não só isso: precisamos nos lembrar dos nossos primeiros irmãos cristãos, e dos reformadores, e de Cristo. Nesses três casos, a orientação é sempre clara: “de a Cesar o que é de Cesar”; não há fusão entre igreja e estado; não há objetivos cristãos em “ganhar o insira o seu país aqui para Cristo” através da eliminação de qualquer ideia contrária a moral cristã. Nós estamos demandando algo que a Bíblia não nos promete e não nos manda fazer.
Em outras palavras: o Brasil não é uma teocracia, e é bom que assim continue. Pois o trabalho de evangelização não é converter as leis de um país, mas sim escrever a Lei de Deus em corações (Jeremias 31:33).
Esta é a forma efetiva com a qual faremos se cumprir as palavras de Salmos 33: “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”. Esta nação já não é mais a nação israelita, brasileira ou americana; esta é a nação de todos os que crerem, ao redor do mundo, que tiveram a Lei de Deus gravada em seus corações. E, a saber, a lei é esta: “Amar a Deus sobre todas as coisas; amar o seu próximo como a ti mesmo”. Qualquer outro legítimo ensinamento cristão é um mero desdobramento dessas linhas.
CONCLUSÃO
O objetivo dessa semana em Romanos 13 foi dissecar essa assunto de “sujeição bíblica às autoridades”, para que agora, no fim, tenhamos condição de refletir sobre a seguinte pergunta:
Será que não estamos nos esforçando e nos preocupando demais em controlar pautas aparentemente anti-cristãs nos congressos? Será que esse tempo não seria mais bem utilizado se estivessesmos CONVERSANDO com as pessoas desta nação sobre salvação, amor, misericordia e justica e apresentando-lhes o Deus que ‘escreve leis nos corações’?
Este é um dos textos da nossa semana de leitura bíblica em Romanos 13. Chame alguém pra ler a Bíblia com a gente! Isso nunca foi tão importante.
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