O problema moral do aborto pode ser resolvido na esfera política?
Eu acho que não. E aqui segue os porquês.
Acho dificil que alguém aqui já tenha se ouvido o relato de uma mulher que tenha acordado pela manhã, aberto a janela, observado a luz do sol, os pássaros cantando e tenha declarado: “… que belo dia para abortar! Vou ali engravidar, para que, daqui há 23 semanas, eu possa tirar minha criança.”
Não tenho números, mas confessemos: é mais comum o caso da adolescente grávida, largada pelos pais e pelo companheiro. Ou o caso da mulher vitima de estupro. Ou o caso da mulher em uma gravidez de alto risco. Nesses casos, inclusive, não é raro que a mulher, além do sofrimento da situação, se veja em uma encruzilhada moral e mortal, vendo a única saida no aborto que, muita das vezes, nem ela mesma aprova.
É um sofrimento que muitos de nós jamais saberemos descrever.
Assumindo que abortos normalmente são feitos por vítimas, e não por criminosas, precisamos assumir também que criminaliza-las, além de injusto, é ineficiente.
Punimos criminalmente pela justiça e pela prevenção. Ao ver homicidas ou ladrões sendo presos, a esperança é que menos pessoas se sintam incentivadas a matar e roubar, certo? Mas como aplicar essa lógica a mulher vítima do abandono e da violência sexual?
E, se abortos deliberados — como aquele que é feito para não atrapalhar a vida livre, urbana e hipster dos pais — devem ser punidos pela lei, então homens também devem ser punidos. Mulheres não engravidam sozinhas, certo?
Voltando à igreja, nossa posição deveria ser muito mais de educação do que de lobby político. Se alguns de nossos líderes já são líderes de vendas de livros, de audiência nas TVs e de seguidores nas redes, poderíamos utilizar esse megafone. Não para impor a lei da igreja sobre um país, mas para trazer a reflexão o valor que estamos dando ao sexo, aos relacionamentos e as crianças que frutificam deles.
Se conseguimos convencer um país a votar em um presidente de competência bem duvidosa, será que não conseguiríamos levantar essa discussão, também?
Mas não da forma piegas, carola, de um Eu Escolhi Esperar. Mas numa linguagem acessível a qualquer um. Pessoas não crentes não vão negar o carnaval e se manterem virgens até o casamento. Até entre crentes, essa devoção anda caindo… Mas poderíamos sim trazer aos jovens homens a importância de assumir seus compromissos. A importância de tratar o corpo do sexo oposto com respeito. Poderíamos trazer aos pais a importância do apoio incondicional aos filhos, independente dos “acidentes” da adolescência. Poderíamos ter uma bancada preocupada com o que realmente importa: estupros, feminicídios, violência doméstica.
Com certeza, estaríamos colaborando para a redução do número de abortos no país, agindo na causa do problema.
É lógico que, dessa forma, a bancada evangélica perderia a sua carta master em seus joguinhos políticos no Congresso. Mas fica aí o teste: estamos aqui para sermos luz do mundo ou só pra passar mais uma pauta, mesmo?