“man and woman sitting on bench during daytime” by Matthew Fassnacht on Unsplash

O que a Bíblia diz (e o que ela não diz) sobre submissão feminina

Destrinchamos a polêmica passagem bíblica para entender do que ela realmente trata

Bruno A.
8 min readOct 9, 2018

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Para evitar o primeiro engano de hoje (não que este seja o mais grave), não me tenha por aquele que quer bancar o “defensor da bíblia” a qualquer custo, ou pior, o crítico do feminismo que usa os momentos mais inoportunos como este (a beira de mais um caso famoso de feminicídio) para defender ideias. Até porque ideias não precisam ser defendidas e o que é verdade — compreendamos ou não — permanecerá.

Quando lemos na bíblia sobre “submissão”, o que vem a nossa cabeça — seja ela cristã, ateísta ou qualquer coisa no meio disso — é a ideia errada e absurda de que a mulher deve aceitar qualquer desmando e até mesmo violência porque esta seria a vontade de Deus. Baseado neste conceito infundado, temos muitas mulheres crentes aceitando qualquer tipo de coisa, e igrejas inteiras crendo que está tudo dentro na normalidade cristã. Então, rever o conceito de submissão é o primeiro passo rumo ao caminho certo.

Aliás, para provar que o texto bíblico sobre submissão reprime totalmente as práticas de violência contra a mulher (e de qualquer outra violência), chamo vocês para fazer uma leitura propositalmente contextualizada a este tipo de problema.

ONDE ESTÁ ESCRITO SOBRE SUBMISSÃO NA BÍBLIA?

O texto que trata sobre submissão é o do capítulo 5 da carta de Paulo aos Efésios. E se tentarmos entender o texto dentro do seu contexto, não tem erro! O texto, aliás, começa assim:

“Portanto, sejam imitadores de Deus, como filhos amados. E vivam em amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós, como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus.” (Efésios 5:1‭-‬2 NAA)

É muito importante observar como o texto é iniciado nos incentivando a viver em amor COMO Cristo fez. Está comparação com Cristo é importante, e vai fazer todo o sentido lá no final. Acredite!

O texto continua reprimindo toda a ideia (até mesmo a menção) de avareza e adúltero, dois dos principais motivos das práticas de violência doméstica contra a mulher, que muitas das vezes suporta situações de violência e traição por ser uma espécie de refém financeira do marido:

“Que a imoralidade sexual e toda impureza ou avareza não sejam nem sequer mencionadas entre vocês, como convém a santos. Não usem linguagem grosseira, não digam coisas tolas nem indecentes, pois isso não convém; pelo contrário, digam palavras de ação de graças. Fiquem sabendo disto: nenhuma pessoa imoral, impura ou avarenta — porque a avareza é idolatria — tem herança no Reino de Cristo e de Deus. (Efésios 5:3‭-‬5 NAA)

A Palavra segue nos incentivando a não participar daquilo (a saber, as práticas combatidas no início do texto) que eles fazem, porque não vivemos mais nas trevas e sim na luz. E se vivemos na luz, nossas obras devem ser de luz, ou seja, obras que não precisam ser praticadas num quarto escuro ou escondida da lei:

“Não se deixem enganar com palavras vazias, porque a ira de Deus vem sobre os filhos da desobediência por causa dessas coisas. Portanto, não participem daquilo que eles fazem. Porque no passado vocês eram trevas, mas agora são luz no Senhor. Vivam como filhos da luz — porque o fruto da luz consiste em toda bondade, justiça e verdade — , tratando de descobrir o que é agradável ao Senhor.” (Efésios 5:6‭-‬10 NAA)

Agora, um verso chave para nós: “não sejam cúmplices das obras infrutíferas”. E muitas das vezes é o que fazemos, por ignorância mesmo, em achar que a mulher apanha porque quer, ou pelo nosso receio em se meter em briga de casal ou até mesmo por compreender errado a bíblia e achar que “Deus proverá”, quando na verdade o mandamento da Palavra já é a provisão de Deus. O texto diz que as obras das trevas devem ser reprovadas pela luz, ou seja, nós, portadores da sabedoria da Palavra, que não praticamos tais obras:

“E não sejam cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, tratem de reprová-las. Pois aquilo que eles fazem em segredo é vergonhoso até mencionar. Mas todas as coisas, quando reprovadas pela luz, se tornam manifestas; porque tudo o que se manifesta é luz. Por isso é que se diz: “Desperte, você que está dormindo, levante-se dentre os mortos, e Cristo o iluminará.” (Efésios 5:11‭-‬14 NAA)

E a primeira parte desse texto termina nos ensinando a não nos embriagarmos com o vinho — em um mundo onde o álcool é mais uma das principais causas da violência doméstica contra a mulher — , mas que vivamos em sabedoria e (por que não?) louvor a Deus:

“Portanto, tenham cuidado com a maneira como vocês vivem, e vivam não como tolos, mas como sábios, aproveitando bem o tempo, porque os dias são maus. Por esta razão, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do Senhor. E não se embriaguem com vinho, pois isso leva à devassidão, mas deixem-se encher do Espírito, falando entre vocês com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando com o coração ao Senhor, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.” (Efésios 5:15‭-‬20 NAA)

Apesar dessa leitura propositalmente contextualizada ao tema, é importante lembrar que a primeira parte de Efésios 5 é direcionada a todo o cristão, independente de gênero ou estado civil. E compreender isto é de suma importância, porque agora sim, após termos o contexto introduzido, vamos entrar na última parte de Efésios 5, direcionada aos casais.

A transição está no verso 21, que prega a submissão mútua. Portanto, se você acha que a Bíblia prega apenas a submissão feminina, este é o verso que desfaz todo o engano.

“Sujeitem-se uns aos outros no temor de Cristo.”
(Efésios 5:21 NAA)

Um casamento em submissão mútua não tem porque dar errado. A esposa entende que deve se sujeitar ao marido, e não tem medo nenhum, pois o marido igualmente entende que deve ser sujeito a sua esposa. Não há violência. Não há jugo desigual.

“Esposas, que cada uma de vocês se sujeite a seu próprio marido, como ao Senhor; porque o marido é o cabeça da esposa, como também Cristo é o cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. Como, porém, a igreja está sujeita a Cristo, assim também a esposa se sujeite em tudo ao seu próprio marido.”(Efésios 5:22‭-‬24 NAA)

Opa! Como assim “marido cabeça?”

O texto faz um comparativo entre o marido cabeça da esposa e Cristo cabeça da igreja. O marido deve ser cabeça? Segundo o texto bíblico, sim? Mas, o que é ser cabeça? As regras dessa liderança estão estabelecidas: “como Cristo é o cabeça da igreja”.

O texto entra no seu parágrafo final destrinchando o conceito de “cabeça”:

“Maridos, que cada um de vocês ame a sua esposa, como também Cristo amou a igreja e se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo como igreja gloriosa, sem mancha, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito.” (Efésios 5:25‭-‬27 NAA)

Aqui já fica bem claro o conceito de bíblico de liderança.O marido, cabeça, deve sujeitar-se a sua esposa em amor, a ponto de dar a sua própria vida por ela, se preciso, assim como Jesus fez. Assim como Cristo amou e se entregou, o marido deve fazer o mesmo: amar a tal ponto que este amor produza uma ação, ainda que sacrificante, como Jesus que feriu a si mesmo, em vez de ferir os outros. No fim, a submissão é mútua, assim como explanado no verso 21. Não há brechas para entender que este texto defende violência física, psicológica e homicídios (ou feminicídios, no caso).

E o texto termina de uma forma a não deixar dúvidas. O homem deve amar a sua esposa como a seu próprio corpo. Quem ama sua esposa como seu próprio corpo não mata, não fere, não oprime; pelo contrário: cuida e alimenta.

“Assim também o marido deve amar a sua esposa como ama o próprio corpo. Quem ama a esposa ama a si mesmo. Porque ninguém jamais odiou o seu próprio corpo. Ao contrário, o alimenta e cuida dele, como também Cristo faz com a igreja; porque somos membros do seu corpo. Eis por que “o homem deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”. Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à igreja. No entanto, também quanto a vocês, que cada um ame a própria esposa como a si mesmo, e que a esposa respeite o seu marido.”(Efésios 5:28‭-‬33 NAA)

A leitura de Efésios 5 nos mostra que o homem violento contra sua esposa tá longe de ser submisso, tá longe de ser cabeça, tá longe de amar e cuidar, e tá longe de ser um imitador de Deus. E também entendemos que o conceito de submissão está estritamente ligado ao conceito de serviço: minha esposa é submissa a mim e eu a amo, cuido e protejo, como um servo. Logo, eu também sou submisso a ela. Isso cria um círculo infinito de amor, onde não há espaço para violência, ainda que os desentendimentos naturais de um relacionamento venham.

É importante também que os ministérios entendam que não há nada de pecaminoso em uma mulher que procura o divórcio, querendo se livrar do jugo desigual (2 Coríntios 6:14) de um marido violento. E seria muito importante que essas mulheres (principalmente as cristãs) pudessem encontrar amparo em suas comunidades, onde todos a chamam de “irmãs”. Afinal, que irmandade é esta, onde 99 ovelhas negam o grito de socorro de uma delas e a entrega a morte?

Ainda poderíamos observar como Jesus tratou uma mulher pega em adultério (João 8 ) e a forma como ele questionou as diferenças da aplicação da lei entre homens e mulheres. Ainda poderíamos ver como Jesus sentou e ouviu a mulher Samaritana no Poço de Jacó (João 4): uma mulher estrangeira, pertencente a outra religião e ainda amante de um outro homem. Poderíamos ver como Deus ouviu e consolou Ágar, a empregada de Sara que engravidou de Abraão, ainda que ela estivesse em erro. Poderíamos citar o protagonismo de Abigail, Febe, Maria, entre outras mulheres ativas, que brilharam em um “mundo de homens” como era a Antiguidade, não devendo em nada para a descrição de mulher inteligente, ativa e determinada que lemos em Provérbios 31.

Enfim, não há espaço para praticar homicídios e machismos e usar a bíblia como muleta. E também não há espaços para culpar a Palavra pela desordem do mundo em que vivemos. Se os poucos exemplos e ensinamentos que abordamos aqui fossem seguidos a risca, não teríamos crimes de feminicídio para anunciar nos jornais.

Aliás, que tal começarmos a observar e seguir a Palavra de Deus, sem desviar para direita ou para esquerda, observando apenas o que a Bíblia diz? Seria um belo primeiro passo para encontrarmos um caminho nesse triste caos que vivemos.

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