O ‘Show’ da Solidariedade

É possível esconder da mão esquerda o que a direita está fazendo na época da ‘Sociedade do Espetáculo’?

Bruno A.
o mundo precisa saber
3 min readMay 19, 2024

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Photo by Melissa Walker Horn on Unsplash

Em maio de 2025, época em que escrevo esse texto, o sul do Brasil vive as consequências de um dos maiores desastres naturais de sua história. Centenas de pessoas morreram, milhões perderam tudo e o prejuízo em dinheiro para a sociedade sequer foi mensurado ainda.

É natural ver, em momentos como esses, pessoas e organizações movendo esforços em doações, na tentativa de minimizar o sofrimento de tantas famílias.

Mas, na época das redes sociais, também é normal ver como esse movimento parece um espetáculo de promoção. Artistas, influencers, empresas, igrejas e políticos disputam cada pixel da nossa timeline e da nossa atenção, naquilo que parece ser uma disputa de quem ajuda mais. Fotos, de gosto duvidoso, de celebridades sorrindo em meio a catástrofe nos fazem duvidar da boa intenção de quem ajuda.

Aos mais teóricos, não é difícil lembrar de Guy Debord e da sua Sociedade do Espetáculo. Na sua obra, o francês defende a ideia de como o “show de imagens” cumpre seu papel no objetivo principal de capitalizar.

E é fato: quem muito aparece, muito capitaliza. Em ano de eleições, políticos querem mostrar trabalho; em tempos de ESG, empresas querem mostrar que se importam; em tempos de TikTok, celebridades querem mais que seguidores: querem a sua simpatia (que em algum momento será revertida em lucro).

Mas, Debord não foi o único e nem o primeiro a apontar que quem muito aparece, muito quer lucrar. Dois mil anos antes, Jesus já alertava aos seus quanto aos perigos da espetacularização da solidariedade:

‭Mateus 6:1-4 NAA‬

[1] — Evitem praticar as suas obras de justiça diante dos outros para serem vistos por eles; porque, sendo assim, vocês já não terão nenhuma recompensa junto do Pai de vocês, que está nos céus.[2] — Quando, pois, você der esmola, não fique tocando trombeta nas sinagogas e nas ruas, como fazem os hipócritas, para serem elogiados pelos outros. Em verdade lhes digo que eles já receberam a sua recompensa. [3] Mas, ao dar esmola, que a sua mão esquerda ignore o que a mão direita está fazendo, [4] para que a sua esmola fique em secreto. E o seu Pai, que vê em secreto, lhe dará a recompensa. — Mateus 6:1–4

Antes de ser documentada em livros por teóricos de esquerda, a espetacularização visando vantagens já era praticada e percebida, como podemos ler no verso bíblico acima.

Portanto, segue a provocação: como praticar o que Jesus diz em dias de espetáculo, como os atuais?

Muitos dirão que “aparecer” é importante, tanto para prestar contas — pensa numa empresa ou igreja que pede milhões em arrecadações e precisa prestar contas — quanto para incentivar mais doações.

Muitos dirão que veículos de imprensa precisam ocupar sua grade de programação com as consequências da tragédia, para cumprir o seu papel social do jornalismo, mesmo sabendo que, no fim, a tragédia é um conteúdo que traz audiência e dinheiro.

Essa pergunta também cabe ao âmbito pessoal. É importante incentivar a solidariedade em momentos urgentes como esses. Mas, como fazer isso sem que os louros da vaidade se tornem a motivação?

Cristo alerta que, aos que buscam os likes e lucros terrenos, não há nada o que esperar da retribuição divina. Afinal, que mesquinho é usar a tragédia alheia para promoção pessoal, política ou corporativa. E isso é algo que todos — crendo ou não numa recompensa divina posterior — hão de concordar.

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