Assisir olimpíadas é idolatria?

Crentes podem considerar pecado assistir aos jogos olímpicos, por conta da origem pagã do evento?

Bruno A.
o mundo precisa saber
5 min readJul 16, 2024

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Photo by Florian Schmetz on Unsplash

Faz alguns meses que tratamos sobre o tema “festas juninas” e suas origens consideradas idólatras no meio cristão evangélico. Para quem não se lembra, chegamos a conclusão de que, embora, o motivo original do festejo possa ser considerado idólatra, isso não se aplica praticamente a totalidade dos casos práticos.

E eu acredito que quando falamos de Olimpíadas, o mesmo se aplica. O evento esportivo que ocorre a cada quatro anos tem origens na Grécia Antiga e uma conexão forte com o pensamento religioso da época, mas é difícil conseguir traçar um fio que mantenha essa inclinação religiosa nos dias atuais.

Mas, vamos começar do começo.

Olímpiadas: na mitologia grega e na “era moderna”

Sem a menor intenção em esgotar o tema no seu sentido histórico: o que conhecemos como Jogos Olimpicos era um dos eventos dos Jogos Pan-Helênicos, uma série de quatro eventos esportivos que eram realizados na Grécia Antiga de maneira cíclica, à partir de 776 a.C. Cada um desses jogos eram devotados a uma divindade grega: Jogos Olimpicos à Zeus, Jogos Piticos à Apolo, Jogos Nemeus à Zeus e Heracles e Jogos Ístimicos à Poseidon.

Um fato interessante: os Jogos Nemeus eram sediados nas cidades de Neméia e Corinto. Talvez daí a influência de Paulo para escrever aquela passagem famosa da segunda carta à igreja de Corinto, se aproveitando de um evento cultural da cidade para exemplificar o Evangelho:

“Vocês não sabem que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio? Corram de tal maneira que ganhem o prêmio. Todo atleta em tudo se domina; aqueles, para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, a incorruptível. Assim corro também eu, não sem meta; assim luto, não como desferindo golpes no ar. Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado.”

1ª Coríntios 9:24–27

A conhecida “era moderna” dos Jogos Olimpicos foi iniciada em 1896, em Atenas, na Grécia. O empreendedor dessa nova fase dos jogos foi o Pierre de Coubertin, que queria promover a competição esportiva com objetivos diplomáticos, uma característica que continua presente no “espírito” dos Jogos até hoje.

Os Jogos Olímpicos são idólatras?

Pois bem. Assim como no nosso texto sobre festa junina, afirmamos que dificilmente algúem participa da mesa criada pelo RH da empresa com sentimentos católicos no coração, também acho difícil que algum atleta ou espectador nutra em si sentimentos religiosos pelos deuses gregos quando estão assistindo os Jogos.

Na época antiga — no império Romano, mas precisamente — , os Jogos chegaram a serem proíbidos pelo imperador Teodósio I, que era cristão e via no evento um culto ao paganismo.

Só que, mais uma vez, precisamos recorrer a História para contextualizar: o evento grego foi parar em Roma por conta da conquista romana às terras gregas em 146 a.C., e os Jogos “vieram no pacote”. Sessenta anos depois, os jogos até chegaram a serem transferidos para Roma, o que durou pouco tempo, logo voltando a sua terra natal. Mas esse rastro de mitologia grega ainda estava fresco na cultura da época. Então, era mais fácil relacionar o evento esportivo à sua origem religiosa.

Hoje, as coisas são bem diferentes. Embora ainda haja leves traços da tradição mitológica — como o evento da Pira e da Tocha Olímpica, que remete ao mito de Prometeu — , claramente não existe mais o tom religioso que já houve algum dia.

Esportistas do mundo inteiro se reuném para competir e sequer há menções a divindades gregas. É possível, inclusive, que muitas pessoas até mesmo desconheçam essa origem dos jogos. E como o próprio Paulo levantou em 1ª Corintios 10:27, não tem como adorar um ídolo sem intenção. Da mesma forma que a adoração a Deus precisa ser deliberada. Estar em uma igreja, participar da ceia, não faz de ninguém um adorador. É necessário intenção.

E, sinceramente, não conseguimos rastrear qualquer intenção de idolatria nos Jogos Olímpicos modernos. A própria convenção histórica em separar os eventos como “Jogos da era antiga” e “Jogos da era moderna” são demonstrativos de que os eventos sequer são os mesmos. O segundo é inspirado no primeiro. Apenas isso.

Adendo: Paulo e o bom exemplo dos esportes

Como já abordamos aqui no nosso texto sobre futebol, o esporte hoje é compreendido como uma fonte de bons exemplos de integridade, disciplina, trabalho em equipe, colaboração, ética, entre outros valores. Não a toa, atividades esportivas estão em currículos escolares ao redor do mundo.

E até mesmo o apóstolo Paulo, em suas cartas, se apropriava desses bons exemplos para pregar o evangelho. Além do texto que citamos lá no ínicio, que compara o comprometimento e o sacrifício de um esportista ao ideal que devemos considerar em nossa vida cristã, aos filipenses, ele compara a Salvação em Cristo ao prêmio que se conquista após uma corrida:

Não que eu já tenha recebido isso ou já tenha obtido a perfeição, mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficam para trás e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. — Filipenses 3:12–14

E em uma de suas cartas a Timóteo, mais uma vez ele usa uma metáfora esportiva para exemplificar a caminhada da fé:

Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. — 1ª Timóteo 4:7

Conclusão

Concluimos, com essa análise, que embora os Jogos Olímpicos tenham em suas origens na Antiguidade uma relação forte com a mitologia grega, esse fio se perdeu com o hiato de quase 2 mil anos entre os jogos antigos e o considerado “moderno”, restando um número mínimo de cerimoniais que ainda possam remeter um carater religioso.

Pudemos ver que, mesmo na época em que os Jogos, como festividade religiosa, estavam no “hype”, o apóstolo Paulo não temeu em se apropriar dos bons ensinamentos do esporte para traçar paralelos com a vida de fé cristã, e que metáforas esportivas eram frequentes em suas cartas, afinal, era uma forma fácil para simplificar a linguagem do ensinamento cristão.

Sendo assim, podemos concluir que invés de tentarmos “resgatar” o caráter de idolatria que os Jogos já tiveram algum dia, é mais proveitoso fazermos como Paulo, que emprestou do esporte algumas de suas boas atitudes que coincidem com a vida na fé cristã.

Que, possamos, então, seguir sua carreira, visando o Prêmio, sem colocar pesos desnecessários sobre as nossas costas e sobre as costas dos outros, ainda mais em tempos que muita idolatria disfarçada de piedade faz parte das nossas “práticas cristãs”.

Esse texto faz parte da série “Pode ou não pode?”, onde tentamos desmistificar algumas “regras” comuns ao ambiente cristão. Clique aqui para ver mais textos sobre esse tema.

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