Por que não falamos sobre sub-representação evangélica na mídia?

Negar ou ignorar esteriotipação de evangélicos não é apenas contraditório. É perigoso.

Bruno A.
o mundo precisa saber
4 min readFeb 11, 2023

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Evangélicos não devem estar imunes à critica, mas quando a crítica é a unica narrativa que temos para contar sobre um grupo tão diverso, algo está errado.

Eu tenho 35 anos no dia em que escrevo esse texto. Nascido em família evangélica, não seria demais afirmar que este é justamente o tempo que eu tenho de religião.

Nessas quase quatro décadas, já vi, vivi ou ouvi todo o tipo de história envolvendo evangélicos que você possa imaginar: das mais emocionantes as mais nojentas, das mais cativantes as mais odiosas. Histórias que tanto me fazem sentir orgulho quanto me fazem sentir vergonha de confessar ser evangélico.

Até porque, antes de sermos evangélicos, somos humanos. E como qualquer outro humano, somos capazes do melhor e do pior que qualquer ser humano pode produzir.

No meio desse "range", não seria difícil encontrar as mais diversas histórias envolvendo evangélicos. Há um sem número de romances, novelas, filmes e biografias jamais contadas. Há um sem número de personagens que você vê todos os dias em casa, na igreja, no trabalho, na rua, mas que você jamais viu nas telinhas, telonas e nas páginas dos livros.

Mas a midia brasileira insiste em contar apenas uma margem bem estreita de histórias: a do pastor ladrão, a do crente fanático, a do evangélico que esconde sua sexualidade ou a do crente pervertido que não consegue conte-la. Parece que ser evangélico é apenas isso, mais nada.

Hoje, escrevo isso pensando no radialista-pastor caricato de Marcelo Adnet em seu "Nas Ondas da Fé" e na personagem da novela "Vai na Fé", cujo drama é ser proibida pela sua igreja de dançar (isso mesmo!).

O que há de errado com essas histórias? Absolutamente nada. De fato existem igrejas que passam dos limites na ânsia de atingir a piedade cristã. De fato existem oportunistas de gravata e bíblia nas mãos, em busca de fiéis desavisados. Logo, não há nada de errado com essas histórias. Exceto pelo fato de estas serem as únicas que a mídia está disposta a contar.

Em 35 anos de crente, já vi desde mulheres tendo que frequentar igreja escondidas do marido descrente por medo de apanhar até presidiários sofrendo represálias de facções criminosas após suas conversões. Já ouvi histórias de incríveis milagres e provas de fé até perseguições sofridas por evangélicos no trabalho e até mesmo entre familiares. Inclusive já contei minha própria história aqui neste blog: um rapaz de 18 anos na faculdade tendo que explicar ao mundo porque permanecia virgem.

Qualquer uma das histórias do último parágrafo renderiam bons roteiros de filmes e novelas nas mãos de bons profissionais. Mas parece que a Globo* e outros produtores de conteúdo não fazem o básico trabalho de campo. Não saem as ruas. Não conversam com nenhum dos 40 milhões (e contando...) de evangélicos do país — ou saem a campo com a cabeça feita, tendo em mente exatamente quais histórias desejam encontrar e contar…

A mesma Globo que reconhecidamente está se esforçando para eliminar os esteriótipos do "gay promíscuo", do "preto ladrão", do "nordestino morto de fome" e da "mulher objeto sexual" que ajudou a reforçar por décadas, pouco se importa com os esteriótipos igualmente preconceituosos sobre evangélicos que ela insiste em reproduzir a cada nova produção.

E do outro lado da tela, quem está assistindo?

É um povo que o próximo Censo pode apontar como 30 ou 40 porcento da população brasileira. Um povo que, diferente do que pregam suas novelas, não é burro, tampouco mal resolvido sobre sua fé.

É um povo que produz muito mais que o bolsonarismo absurdo que vimos nos últimos anos. É um povo que está nas missões, nos presídios, nos orfanatos, entre os moradores de rua, entre os refugiados, numa favela, na Africa, na Asia, ou onde mais precisar.

Um povo que a cada repetição do mesmo, e cada vez que não se encontra nas histórias que insistem em contar sobre eles, se afasta mais dessas produções.

Ou seria apenas coincidência as linhas de audiência das novelas e de adeptos ao cristianismo evangélico seguindo direções inversas nos gráficos?

E esta é uma cegueira que é ruim não apenas para os resultados comerciais da Globo, mas também para a sociedade brasileira. A má vontade da Globo com os evangélicos é um dos solos férteis onde o extremismo de direita planta as mais loucas histórias e arrebanha fiéis aos montes.

Se a Globo, a mídia, os intelectuais não sabem lidar com os evangélicos, o Bolsonaro sabe. E esta é a pior coisa que está acontecendo neste país neste exato momento.

Como evangélico, a esperança que me alegra não é a de um personagem cristão representado com o mínimo de acurácia em uma novela. Mas escrevo esse texto como um "fica a dica". Evangélico também é gente.

Na verdade, evangélicos são, em sua maioria, gente preta, pobre, mulher e periférica. Justamente os grupos que a mídia e intelectuais brasileiros dizem defender com tanta piedade.

Então, fica a pergunta: qual é a dificuldade?

*E, aliás, podemos incluir a Record TV nesta crítica também. Dita “evangélica", a emissora do Bispo Macedo está há quinze anos requentando adaptações duvidosas de histórias bíblicas, mas nunca conseguiu nos contar um plot convincente envolvendo um personagem evangélico no mundo atual.

Isso não é um bloqueio criativo, é um muro de Jericó! Um mar vermelho!

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