Quando o futebol se torna pecado?

Sinceramente, eu achava que este já era um assunto vencido no meio cristão, até começarem a pipocar videos no YouTube, de alguns pastores conhecidos, afirmando que futebol é pecado.

Bruno A.
o mundo precisa saber
6 min readDec 9, 2022

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Photo by Gustavo Ferreira on Unsplash

Primeira coisa a se dizer é que a "pregação contra o pecado" é sempre muito oportunista: antes da Copa do Catar, não se via ninguém preocupado em discipular a pátria de chuteiras para longe do seu principal pecado.

O que me faz pensar que o "espírito do algoritmo" anda engajando pastores muito mais que o Espírito Santo. Mas, vamos lá.

Futebol é idolatria?

Boa parte daqueles que afirma que futebol é pecado, o fazem dizendo que é por causa da idolatria. Segundo estes, o futebol — digo futebol porque este é o esporte mais popular do país — seria um vetor de idolatria. Por causa desse esporte, idolatramos clubes e atletas, indo contra a palavra de Deus.

E aqui temos uma verdade. Uma verdade mal aplicada, mas uma verdade.

Se nosso relacionamento com clubes e atletas mexe com o nosso coração além do saudável, isso é algo para se preocupar.

Há pessoas que dedicam suas vidas a clubes de futebol. Filiam-se a torcidas, não faltam em uma partida, e até chegam ao extremo de vandalizar, matar e morrer por conta da paixão pelo seu time.

Certamente estes não são frutos do Espírito Santo e seria difícil tentar conciliar tal comportamento com a piedade recomendada a um cristão.

Mas, afirmar que todas as pessoas que assistiram o último jogo da Seleção na Copa agem assim é um tanto quanto exagerado, certo?

No país do futebol, há um número grande de pessoas que só acompanham o esporte durante a Copa. Há um número grande de pessoas que se dizem torcedoras de algum time apenas por conta do incentivo dos país e amigos durante a infância, mas que não saberia dizer qual foi a escalação do seu time do coração na última rodada.

Não faz sentido colocar essas pessoas na mesma bacia idólatra dos hooligans arruaceiros da uma torcida organizada qualquer. Convenhamos.

E, se a relação desta pessoa com o futebol não tem os coloridos da idolatria, então não tem como taxa-la como pecadora por conta disso.

Afinal, o futebol não é pecado em si, como a prostituição, o homicídio, o ódio. É a relação da pessoa com o futebol que pode tomar contornos pecaminosos. Assim como a música, o cinema, a literatura, entre outros elementos da nossa cultura.

Futebol 1 x 0 Devocional: será?

Agora, há quem diga que o futebol atrapalha a vida devocional. Que por causa do futebol, pessoas deixam de ir a igreja, de ler a bíblia, jejuar e orar.

Bem: uma partida de futebol dura em torno de duas horas. Um time raramente joga mais que duas vezes em uma semana. Logo, a soma do tempo perdido com partidas de futebol é um percentual pequeno da semana de qualquer um (4/168 = 2,3%), ainda que essa pessoa assista diversas partidas de um torneio.

Se uma pessoa, por exemplo, deixou de ir ao culto do domingo em que o Brasil jogou a final da Copa — um evento que acontece uma vez a cada vinte anos — será que dá pra joga-la na bacia dos idólatras? Faz sentido? Será que Deus o faria?

E quanto a vida devocional? Existem coisas no nosso dia a dia que consomem muito mais horas do que uma partida de futebol: redes sociais, filmes, séries... Quantos de nós já viramos noites maratonando séries? Poderíamos estar orando, certo? Mas estávamos maratonando séries? E aí? Pecamos?

A falta de uma vida devocional pode sim estar relacionada com os eventos seculares do nosso dia a dia — e frequentemente está. Mas, para termos uma vida devocional, não precisamos — e nem conseguiremos — nos isolar em um mosteiro. É totalmente possível conciliar a sua rotina de devocional matinal com o jogo que vai passar as 21 horas.

Jogar futebol é pecado?

Muito dizem que a prática de futebol — e de outros esportes — também seria pecaminosa. No passado, até mesmo o fato de homens e mulheres terem que utilizar uniformes que em nada casavam com as regras de usos e costumes pentecostais (calças e saias) servia como argumento. E este, creio eu, é um argumento já vencido na maioria dos meios cristãos.

Mas há quem diga que o verdadeiro problema do futebolzinho com os amigos... São os amigos.

Os amigos, o álcool, a companhia, as atitudes biblicamente classificadas como "escarnecedoras". E aqui, estes tem um bom argumento.

Cabe ao cristão avaliar os lugares onde vai e quem os acompanham. Se beber uma taça de vinho em casa não pode ser considerado pecado, se embriagar em uma cervejada com os amigos, por conta do incentivo destes, já não é uma atitude cristã.

Não que o cristão não pode estar entre não-cristãos, mas é necessário a este cristão avaliar se ele conseguirá se manter como luz e sal no lugar em que está frequentando.

Em um prostíbulo, ele jamais conseguiria. Mas, em uma quadra de society, pode ser que sim. Cabe a ele analisar o seu caso, de acordo com a Palavra.

(E aqui ainda vale o seguinte adendo: muitos dos ensinamentos cristãos sobre respeito, resiliência, companheirismo, lidar honestamente com vitórias e derrotas estão presentes no esporte, que não é de hoje que é considerado uma excelente ferramente disciplinadora. Não atoa o esporte faz parte de currículos de educação básica ao redor do mundo).

Jogar futebol profissionalmente é pecado?

Ainda há círculos cristãos onde isso é tabu. E aqui, as coisas são diferentes. Se o futebolzinho do fim de semana é descompromissado e possivelmente regado a cerveja e más conversações, o futebol profissional é aquilo que o próprio nome diz: profissão. Uma profissão como qualquer outra.

Há quem diga que um cristão não poderia ser um jogador profissional porque há muita iniquidade neste meio. Não são sem frequência as notícias de jogadores envolvidos com mulheres e até mesmo casos de abusos. Mas precisamos confessar que iniquidades existem em todos os meios. Não é a prática profissional que traz iniquidades, mas as pessoas que as praticam.

Ou então, não podemos mais ter cristãos pastores. Afinal, o que mais temos nas manchetes são pastores abusadores, não é?

Há quem diga que cristãos que jogam profissionalmente não podem ter uma vida de igreja já que precisam passar o ano viajando o país com os seus times. Bem, isso também é verdade para pilotos de avião, caminhoneiros, consultores de negócios, entre outras tantas profissões. E não concordamos, de maneira alguma, que estas profissioas são pecaminosas.

Ha quem diga que cristãos não podem jogar profissionalmente porque jogadores frequentemente se tornam ídolos, e não faz sentido um cristão que nega a idolatria, se tornar um ídolo. E aqui sim, mais uma vez, temos um ponto.

Diferente de pilotos e caminhoneiros, a construção do avatar do ídolo em torno de um atleta é quase uma consequência àqueles que se tornam referências em seus esportes. Pois é assim que o marketing em torno deles funciona.

Se um determinado atleta vira o ídolo da sua torcida, ele se torna capaz de vender ingressos, materiais esportivos e o que mais seus patrocinadores quiserem. E alguns dos principais atletas do mundo atual ganham muito mais dinheiro com seus contratos publicitários do que com seus contratos com clubes e premiações em ligas.

Caberia, então, ao atleta cristão — caso ele alcançasse esse status — se posicionar contra essa estigma do "ídolo que tudo vende". Não dá pra servir dois deuses. Não dá pra ser um cristão piedoso que foge da idolatria e induzir multidões ao pecado da idolatria, apenas para garantir seus contratos.

E não temos visto tal atitude na maioria dos principais atletas que se denominam cristãos. Deus os julgará, não eu. Mas a Palavra está aí.

Concluindo

O futebol — assim como a música, literatura, culinária, e etc. — são traços da nossa cultura. Cristo nos disse que "estamos no mundo, mas não pertencemos ao mundo" (João 17:14). Mas, se estamos no mundo, não estamos imunes a cultura que nos rodeia. A língua que você fala, a roupa que você veste, a comida que você come faz parte de um conjunto de preferências culturais definidas, em grande parte, antes mesmo de você nascer.

Cabe ao cristão, uma vez que ele não pode romper totalmente com a cultura do
mundo, procurar a melhor forma de se relacionar com ela. E, se possível, salgando-a com a santidade da Palavra de Deus. Pois foi pra isso que fomos chamados, e por isso que estamos aqui nesta terra, enquanto Cristo não volta.

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