Ser antirracista não é pecado: importante deixar isso bem claro

Por algum motivo, o cristianismo evangélico brasileiro tem medo de posicionar

Bruno A.
o mundo precisa saber
4 min readAug 14, 2022

--

Martin Luther King Jr. Photo by Unseen Histories on Unsplash

Martin Luther King Jr. Reconhecido mundialmente como um dos maiores líderes antirracistas, um dos responsáveis pelo fim do “apartheid norte-americano”. Quanto a sua religião? Um pastor evangélico.

Um fato que está cravado na História, mas parece que ninguém se lembra. Um fato que mostra como cristianismo e correção de injustiças que matam seres humanos podem andar lado a lado, sem que um “contamine” o outro, exceto por aquilo que ambos concordam e gritam em uníssono: “justiça e amor ao próximo”.

É importante escrever para que fique registrado, para que qualquer um que ler possa se lembrar. Porque, no cenário atual, existe um senso enganoso, tácito, de que luta racial é pecado.

(E aqui abre-se um parentese para um mea culpa necessário: não é de hoje que cristãos lavam as mãos quando o assunto é injustiça racial: foi assim com o silêncio da poderosa Igreja Catolica diante do incio do trafico humano na época das colonizações; foi assim com genocídio praticado contra indigenas “abencoados pelos jesuitas” em terras brasileiras; foi assim com os puritanos americanos, que mesmo com uma teologia tão fechadinha, encontravam brechas para comprar negros e mantê-los escravos).

As igrejas evangélicas — sobretudo as brasileiras — estão cheia de negros, pois estes são a maior parte dos pobres, que são a maior parte dos evangélicos. Mas, parece que demonstrar uma posição contra o racismo é pecado, afinal, ninguém tem coragem de posicionar.

Não estou cobrando que igrejas se tornem em “centros de militância antirracista”, porque igrejas não foram feitas pra isso. Aliás, igrejas não foram feitas para garantir justiça social, assim como também não foram feitas para serem “conservadoras”, ou “de direita”. Igrejas foram concebidas biblicamente para serem o centro de reunião de crentes em Cristo, para que ali se preste culto a Deus por esse mesmo Cristo, e que ali seus membros reforcem mutuamente a fé de que Cristo voltará para buscar todo aquele que crer em sua Palavra (Escandaloso, eu sei. Tão escandaloso que muito pastor está deixando de pregar isso, mas esse é assunto pra outro texto).

Mas se igrejas e seus crentes não tem a obrigação de vestir a camisa da luta racial, também não faz sentido se opor a essa luta, como se estivessem combatendo uma oposição à fé. Não faz sentido partir de um cristão uma crítica a uma mãe que, ainda que aos gritos e cuspes, tenha defendido seus filhos dessa vergonha que é o racismo. Talvez, aliás, seja esse o único motivo justo para que uma pessoa vá até outra com gritos e cuspes.

Ninguém em sã consciência concorda com racismo. Pra mim, isso já é assunto vencido. Mas parece que o fato de movimentos racistas sempre estarem mais ligados com o espectro da esquerda, isso sim incomoda muita gente. E hoje, vivemos em um mundo de bolhas, o mundo do “nós contra eles”. E se, como igreja, estamos no espectro da direita — sabe lá Deus o porquê — , então parece que é conveniente atirar contra tudo o que parece ser de esquerda.

Nós, cidadãos do céu, peregrinos neste mundo, viramos soldadinhos mercenários a serviço da guerra de facções deste mundo de pecado. E essa condição degradante está nos cegando para alguma das verdades biblicas do cristianismo: chorar com os que choram (Romanos 8), suprir o pobre em suas necessidades (Tiago 1), não se deleitar com a injustiça, mas se deleitar com a verdade (1 Coríntios 13), não agir com discriminação (Tiago 2).

Olhando os trechos citado acima, a Bíblia parece ser mais antirracista que muito CNPJ de LinkedIn por aí — embora o objetivo do Evangelho seja superior a isso.

Talvez esses versos tenham impelido Martin Luther King a entender que o seu ministério não se limitava aos cultos de domingo na sua igreja. Era necessário inflamar as ruas, um país inteiro, até que as coisas mudassem minimamente.

Óbvio, também, que o fato de King fazer parte da massa oprimida, que sequer podia escolher em qual banco do ônibus sentar, tenha contribuído bastante para sua posição antirracista. Coisa que parte da população, das suas salas de podcasts climatizadas, jamais vão entender.

Mas o exemplo de Cristo, que deixou os céus e veio calçar a sandália dos homens nesse chão árido, nos mostra que ainda que você não seja um dos oprimidos, é possível demonstrar um pouco de empatia. Aliás, o que não falta nos Evangelhos são exemplos de um Cristo comprando a briga do oprimido, em vez de passar pano pro opressor.

Por essas e outras que é importante afirmar: ser antirracista não é pecado. Passou da hora de derrubarmos esse tabu.

--

--