Sobre Loki, Exu e a nossa idolatria enviesada

Por que, no meio evangélico, alguns idolos “pode” e outros não?

Bruno A.
o mundo precisa saber
3 min readJul 19, 2021

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Fonte: IMDB

Acabei de ler, num fórum sobre cinema, sobre as semelhanças entre Loki, divindade nórdica que virou personagem do Universo Marvel, e Exu, divindade presente nas religiões brasileiras de matriz africana.

Não vou me estender sobre essas possíveis semelhanças porque pouco sei sobre os dois personagens e as chances de falar bobagens aqui seriam gigantes. Mas quero usar isso como gancho para outro assunto.

Mesmo sem saber as particularidades entre as duas divindades, uma coisa sabemos: ambos são ídolos religiosos, pertencentes a mitologias pagãs. Porém, um deles virou um verdadeiro palavrão no meio cristão brasileiro, enquanto o outro é o motivo pelo qual gastamos dinheiro com mensalidades de serviços de streaming e ingressos de cinema.

Por que temos repulsa por alguns ídolos e nutrimos simpatia por outros?

É sabido que não apenas Loki, mas todo o “núcleo do Thor” no universo Marvel é originário da mitologia nórdica, ou seja, são ídolos, da mesma forma que os deuses gregos tão presentes no cinema e nos games que jogamos.

Mas, e se houvesse um núcleo de “mitologia candomblé” na Marvel? Se Iemanjá virasse um personagem de videogame? Consumiríamos? É certo que não. Com certeza essas peças virariam assunto proibido no meio cristão, sob pena do “pecado da idolatria e da feitiçaria”. (Aliás, a saga “Harry Potter” é algo mal resolvido no meio cristão até hoje por causa da alcunha de “bruxos” que os seus personagens carregam”).

Mas, por que nossa visão sobre ídolos é tão enviesada? Por que o “ídolo” europeu recebe a pompa de ser chamado de “mitológico”, enquanto o ídolo africano é chamado de “diabo”, mesmo? Não são todos ídolos? Não são todos feitos por mãos de homens, conforme descrito em Salmo 115? Não são todos proclamados “deuses”, infringindo o primeiro mandamento (Êxodo 20)? Ou até, não são todos “nada”, como Paulo disse em Coríntios 10:19–20: “o ídolo nada é”. (Não que Paulo estivesse permitindo a idolatria, é necessário ler o capítulo inteiro para entender em qual contexto ele disse essas palavras).

Talvez a questão seja a forma como as duas mitologias nos foram apresentadas. Certamente você ouviu falar em “Exu” pela primeira vez em alguma história que envolvia algum “macumbeiro que estava fazendo algum feitiço para atrasar a vida de alguém”. Já, sobre Loki, você ouviu falar através da narrativa dourada de Hollywood e seus filmes de orçamento milionário e galãs de encher os olhos.

Será, que se fosse o contrário — Exu apresentado por Hollywood e Loki pelos negros escravos brasileiros — , nossa percepção não seria diferente?

Repare que não estou aqui criando a “teologia anti-Marvel”, não estou aqui dizendo que assistir a série “x” ou jogar o jogo “y” é pecado e nem que “ídolos de negros merecem permissividade”. Estou falando de coisas mais profundas aqui.

Estou falando sobre como a narrativa pesa. Ou seja, a forma como uma história é contada para nós é capaz de moldar todo o nosso sistema de crenças, criando em nós um falso senso de “pecadinhos”, “pecadões” e “pecados que não tem problema”.

E essas distorções podem, de verdade, nos levar para atitudes não cristãs, desde nutrir idolatrias dentro de nós até agirmos de maneira preconceituosa com outras pessoas. (Lembro de um antigo ambiente de trabalho onde um colega evangélico se sentia totalmente incomodado em trabalhar com um outro colega umbandista. Uma atitude totalmente diferente do Cristo de João 4, que já tratamos por aqui).

Enfim, espero que tenham entendido o sentido do texto, que não é criar a “teologia do que posso ou não assistir”, até porque, particularmente, não vejo mal em ler ou assistir sobre outras histórias religiosas. Neste caso eu acho que se encaixa bem o “ídolo nada é”, de Paulo. Afinal, ninguém está idolatrando Zeus ao ler um livro sobre mitologia grega, não é?

E também não estou criando a “teologia do este ídolo pode, ou este ídolo é melhor que o outro”, pois sobre ídolos — sejam eles de Hollywood ou não — , a Bíblia já nos ensina muito bem.

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