Quantas horas são 456 minutos?

Cristina Nobre Soares
O número da rosa
Published in
3 min readOct 16, 2016

“Crianças do 1º ano têm mais 456 minutos de aulas por semana que alunos do 12º” — SIC Notícias

Vá, assim de repente e de cabeça quantas horas são 456 minutos ? Pois, é isso mesmo, são “muitas” ou até mesmo “imensas”.

E esta deve ter sido a ideia de quem escreveu este artigo (ver link em cima), mostrar que a carga horária do 1º ciclo é “imensa”. E realmente é imensa, porque 456 minutos são 7 horas e 36 minutos. Dito assim talvez seja mais fácil perceber quanto tempo é que estas crianças passam a mais na escola. 7 horas e 36 minutos são praticamente um dia de trabalho, e toda a gente sabe o que custa trabalhar mais um dia por semana. E uma coisa que era “muita” ou “imensa” (adjectivos bons para serem usados numa conversa de café, mas fraquitos para uma discussão mais profunda) torna-se, subitamente, numa coisa objectiva.

Continuando a ler este artigo, para além da questão dos 456 minutos no título tem outros problemas, quanto a mim ainda mais graves:

1. O título da notícia fala em minutos, mas depois o resto da comparação é feito em horas. Isto por si só já seria suficientemente mau: uma análise deve ser feita sempre usando as mesmas unidades. Caso contrário estamos a falar de grandezas diferentes, que é como que diz, estamos a falar de coisas diferentes.

2. Se virmos a tabela do artigo original (em http://www.comregras.com/) a partir da qual depois o artigo é construído, esta tem uma série de omissões:

o Não diz se aqueles valores são horas, minutos ou segundos.

o Não diz se aqueles valores são por período ou ano escolar. Pelos valores partimos do príncipio que isto seja a carga lectiva por ano, mas na visualização de dados temos de pensar que o leitor não tem de fazer contas ou deduções. Nós queremos passar uma mensagem, uma história, sem interferências. Neste caso, não sei se passou. Imagine-se que o leitor faz mal as contas. Pois.

o A paleta de cores escolhida não foi das mais felizes, pois apesar da linha dos alunos do 3º e 4º ano estar a vermelho, as cores escolhidas para os outros anos, dispersam um pouco a atenção. Mas sobre cores, falarei num outro post.

3. Depois, partindo do príncipio que são minutos e não são horas, percebemos que no título não serão 456, mas sim 465, e em vez de minutos, talvez sejam horas.

4. Finalmente, a história. O mais importante. Qual é a história deste artigo? Que os alunos do 1º ciclo têm mais horas de aulas que os do 12º ano? Mas se olharmos para a tabela, os alunos do 12º têm sempre menos horas de aulas, que qualquer um dos outros anos, incluindo os do 11º. Fará sentido esta comparação? Não, não faz. Ou a história que se quer contar é a de que os alunos do 3º e 4ª ano são os que têm mais horas de aulas entre todos os anos? E são. Mas esta história não foi contada. Foi apenas referido durante o artigo, no meio de outras conclusões, que: “ O estudo revela também que os anos com maior carga letiva em Portugal são o 3.º e 4.ºanos de escolaridade, com 1.620 horas.” E é pena. Porque merecia ser contada, porque realmente os alunos do 1º ciclo têm horas de aulas a mais. Esta quanto a mim, é a história.

Saber usar os números para contar uma história é tão importante como usar correctamente a gramática. Há é pouca gente a dar por isso.

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