Seletivo ou automático?

O grande dilema da gestão dos recursos públicos do audiovisual

Roberto Moreira
O negócio do audiovisual
3 min readDec 16, 2019

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Hoje vou tratar de um assunto da atualidade, pois amanhã será aprovado o Plano Anual de Investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

O governo tem dois objetivos a meu ver contraditórios:

  1. Promover um cinema de mercado.
  2. Garantir controle temático da produção.

No centro da discussão está o mecanismo de distribuição de recursos que será privilegiado. Hoje temos dois tipos: o seletivo e o automático. O primeiro é realizado pela ANCINE. Um Comitê de Investimento, composto por funcionários indicados pela Diretoria e aprovados pelo Comitê Gestor do FSA, toma as decisões de alocação dos recursos a partir do parecer externo de um especialista e de outro interno, realizado por um funcionário da Agência. Já o automático disponibiliza recursos para produtores, distribuidores e canais a partir dos resultados alcançados por estes agentes econômicos, seja no mercado, seja em festivais.

Na sua última gestão o Comitê Gestor valorizou os mecanismos automáticos por dois motivos.

O primeiro é operacional. O automático aloca os recursos em um mês, já o seletivo demora um ano, entre a inscrição no edital e a liberação dos recursos. Este prazo dilatado drena recursos da Agência. Se a maioria for seletiva, haja funcionário para dar conta de todos os processos! Mas essa demora prejudica também o desenvolvimento econômico do setor, pois os produtores ficam esperando o resultado, sem conseguir prever qual será sua atividade no próximo ano. Como um indústria pode rodar sem alguma previsibilidade?

O segundo motivo diz respeito à natureza das escolhas realizadas. Quais os problemas desse processo? Por melhores que sejam suas intenções, nenhum desses funcionários envolvidos na escolha dos projetos tem experiência efetiva de mercado e, pior, não respondem por suas más escolhas nem são premiados pelas boas. Compare isso com a situação de um produtor ou distribuidor frente ao lançamento de um filme. Muitas vezes, o futuro de sua carreira ou empresa está em jogo. Ao longos dos anos, os profissionais acumularam experiências que informam suas decisões de maior qualidade.

Mas eu acrescentaria um outro problema. O gestor público, ao escolher os pareceristas e os membros do Comitê de Investimento, controla o perfil da produção e sinaliza, através de suas escolhas, que filmes deseja. Os projetos, então, passam a tentar se adequar às orientações da Agência e ignoram as demandas do mercado. Os filmes ganham um caráter institucional, valorizando as demandas simbólicas dos gestores públicos e não a necessidade de entretenimento do público.

A escolha seletiva dominou até recentemente a política de investimentos da agencia, e seus resultados deixam a desejar. Apesar de vultuosos investimentos e do aumento do número de títulos, nosso market share continua medíocre. Cinematografias de sucesso, como a coreana, a francesa, a americana e a hindu, delegam aos agentes de mercado a escolha dos projetos.

Então o dilema está colocado: centralizar no estado a decisão de investimento, e controlar o perfil da produção; ou delegar ao mercado a escolha, e conquistar espectadores?

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Roberto Moreira
O negócio do audiovisual

Diretor, roteirista e professor livre-docente da USP. Foi presidente do Siaesp, membro do Conselho Superior de Cinema e do Comitê Gestor do FSA.