Carta aberta a um jovem criativo
Porque se você não passou por uma situação semelhante, esse texto lhe economizará tempo, saúde e dinheiro
Imagino que você tenha entrado na faculdade de publicidade, comunicação, design ou rádio e TV para criar coisas fantásticas. Ideias incríveis e a criatividade jorrando por aquelas salas, repletas de jovens brilhantes e com futuros cintilantes era o que você tinha em mente quando escolheu qualquer que seja a área que englobe o mercado criativo. Pois é. Passados alguns anos da sua formatura, cá está você, trabalhando como um cachorro para uma conta que não lhe interessa, com clientes que tiram o brilho dos seus olhos e desenvolvendo soluções ou ferramentas que você nunca adicionará ao seu portfólio.
Trata-se de dinheiro, apenas. Você, finalmente, percebeu que a vida é dura com quem é mole e que as contas — e aquelas cervejas artesanais — precisam ser pagas.
Não, isso não é verdade. Não dê ouvidos a quem lhe disser que esse é o futuro para quem está começando agora a carreira. Lembro de ter ouvido uma vez, de um cliente: "Você está sorrindo assim porque é o seu começo. Quero te ver daqui a três anos". Ele não venceu essa aposta. Continuo o mesmo.
Poucos mercados são tão fantásticos, mutáveis, repletos de energias e pessoas formidáveis quanto o nosso. Sério! Enquanto o país afunda em uma recessão a propaganda e o mercado digital não param de crescer. Me diga, para quem sabe resolver os problemas da vida real das pessoas, quem aqui está com dificuldades de arranjar serviço? O que acontece é que existem algumas coisas que destróem a sua energia e a sua produtividade. São verdadeiros venenos tóxicos, que sem que você perceba tomam conta do seu dia, do seu trabalho, final de semana, estilo de vida e faz você se transformar em mais um desses sujeitos cinzas, chatos, que não vêem sentido no que fazem. Já bastam os advogados e contadores assim.
São vários, mas eu focarei em um deles nesse texto de hoje: a síndrome do pote de ouro.
A síndrome do pote de ouro consiste na ideia de que há um tesouro ao final daquele trabalho. Que aquele cliente trabalhoso é apenas uma porta a ser atravessada e que geralmente esconde a redenção final e glórias eternas. Isso não existe. Em 90% das vezes é só mais um sujeito querendo um trabalho barato e com dedicação full-time ao preço de banana.
Geralmente essa questão se divide em duas situações. A primeira delas é o que eu chamo de promessa de abundância. O que é isso? De repente aparece um sujeito na sua vida, cruza o seu caminho e lhe diz: "Ei, preciso dos seus serviços. Você parece um sujeito bacana, um artista de verdade, gostei do que você é capaz de fazer. Gostaria de um orçamento".
Ao ser enviado, responde imediatamente: "Mas isso é muito caro. Não tem como! Olha, a minha empresa é apenas um braço de um grupo enorme. Se fizermos um bom trabalho eu tenho certeza de que você conseguirá todas as outras como cliente". Geralmente o argumento é uma corda para você por em volta do pescoço, situação essa que gerou a escolha da imagem de capa desse artigo. As promessas costumam cair por água logo depois de algum tempo e o resultado final dessa tratativa é uma empresa que conseguiu descolar um projeto baratinho e um profissional exausto e mal pago do outro lado da mesa.
Há, também, a vitrine de portfólio. Geralmente essa questão surge quando você ainda está no começo da carreira e vem quase sempre da mesma forma. Lá está você, com a cabeça fresca, cheio de energia e novidades, recém saído da faculdade; pimba, alguém surge no seu site ou página social. Trata-se de uma empresa de médio porte — ou até mesmo grande, se faltar vergonha na cara, mesmo! — que lhe diz: "Olhe, somos uma grande empresa, precisamos de um orçamento feito com carinho! Você tem que entender que o resultado final do seu trabalho contribuirá em muito com o seu porfólio. Daremos visibilidade para você quase que imediatamente!". Este argumento pode vir somado à promessa de abundância, por meio de uma garantia de que se o trabalho for bom outros tantos irão querer os seus serviços.
Desse tanto ver surgir esse tipo de situação, erigi um conjunto de cinco regras que me auxiliaram a otimizar tanto o meu tempo quanto aumentar a minha produção, diminuir o desgaste do dia a dia e selecionar melhor quais são os clientes que podem — e devem — realmente serem levados a sério. Isso aumentou em pelo menos oito vezes o número de "nãos" que eu digo mês a mês, mas, por incrível que pareça, não alterou o meu caixa em quase nada, afinal de contas, consigo realizar e produzir em maior qualidade e entregar mais rapidamente o que eu estou verdadeiramente comprometido em produzir. Acredito que será útil para você, que está começando nisso tudo. São eles:
01. Evite quem precisa de milagres. Não atenda contas pequenas demais, que necessitam de explosões de resultados para justificarem o pagamento do seu trabalho. Evite quem está se afogando para pagá-lo e quem precisa se desfazer de alguma coisa para contratar uma boa comunicação. Em 99% dos casos os resultados nunca serão o suficiente e apenas um milagre pode fazer com que esse tipo de cliente se sinta satisfeito. Eles repudiam o médio prazo e, geralmente, a relação acaba desgastada e interrompida violentamente.
02. Nunca trabalhe para um comitê de aprovações. Evite clientes que precisam convocar uma reunião para aprovarem projetos. Que cinco ou seis pessoas precisam opinar em cada uma das etapas criativas do que quer que você esteja fazendo. O camelo é um cavalo que foi criado por um comitê de aprovação.
03. Faça um contrato. Sempre. Simples assim.
04. Mantenha-se fiel ao seu contrato. Nove em cada dez clientes tem a mania de expandirem o seu leque de necessidades. Eles te contratam para a identidade visual de uma marca e um mês depois você estará gerenciando tráfego, administrando páginas de Facebook e levando os filhos dele para a escola. Tudo começa com uma primeira brecha. Não ceda quase nunca. Pinto não tem ombro.
05. Trabalhe sob um regime de reuniões curtas, raras e objetivas. Deixe claro ao seu cliente que você possui outras contas e que o tempo dedicado a ele obedecerá o critério estabelecido no ato da contratação. Não perca tempo em bate-papo tolo. Respeitar o seu tempo é respeitar o dinheiro do seu contratante. Não perca prazos. Não deixe de responder aos e-mails, mas não atenda ao telefone após o horário acordado. Se o fizer, estará repetindo esse ato no domingo às duas da manhã, quando menos perceber.
Se eu tivesse que dar ainda outro conselho seria que você construísse o melhor portfólio que puder; e o mantivesse sempre atualizado. Uma vez feito isso, utilize-o como argumento de qualidade. Sem trabalhos de graça para mostrar o que você pode fazer, sem amostra grátis, sem pequenos favores. O que você já fez está ali. Um médico não opera um rim para o paciente "dar o okay" para que faça o outro.
Ao final, você perceberá que na verdade você nada mais é do que um prestador de serviços. Um especialista em venda, em encanto, persuasão e que o resto são apenas acessórios para esse objetivo: gerar dinheiro. Que, se isso é atingido, você merece uma parte boa do resultado, sob a forma de pagamento. Que não há mal em cobrar muito, se os resultados se justificarem.
Não tenha medo de agredir uma conta ou outra de vez em quando, ainda que ela já esteja sendo cuidada por outra pessoa ou agência. Mostre o que pode ser feito de melhor e como talvez não estejam se empenhando demais. O cliente que já possui agência é sinal de que ele pode pagar por uma. Vá pra cima. Geralmente, com o passar dos meses, as contas mais antigas começam a ser cuidadas com menos energia.
Empresas costumam trocar de contador a cada 20 anos. De advogado a cada 12. Entretando, trocam de agência a cada 1 ano e meio.
Não faça aquilo que não sabe. Não faça coisas demais, também. Foque em uma única habilidade. Tem facilidade para redação? Seja o melhor que conseguir. É bom com ilustrações? Torne-se um monstro nesse tipo de coisa. A sua pega é com vídeos? Especialize-se nisso.
Dificilmente há concorrência e ausência de trabalho para os que estão no topo de suas cadeias. E é igualmente difícil que alguém chegue lá em cima tentando desenvolver vinte habilidades ao mesmo tempo.
E arrisque! Saia da CTL que nunca te deixará rico, busque os clientes pela unha, entre nos comércios, distribua os cartões, crie textos e conteúdos em redes sociais e não tenha vergonha de atirar alto. Mirando lá em cima, ainda que erre, terá atingido alguma coisa maior e melhor do que a maioria.
Está esperando o que? Vá abrir algumas contas!