Diga xis para a foto empreendedora!

Conheça essa nova espécie: O Empreendedor Sorriso.

Ícaro de Carvalho
O Novo Mercado
Published in
10 min readMar 22, 2016

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Não é preciso procurar muito. O mundo está infestado deles. Com suas câmeras e dentes sempre à mostra, surge uma nova classe de sujeitos que confundem as selfies e os vídeos rápidos no Periscope com fazer negócios de verdade.

Vá. Não precisa chorar no meu Facebook nem ficar me mandando inbox, eu sei que esse tema é polêmico e mexe com os sentimentos de muita gente. O último deles, sobre a geração Y, foi visualizado por mais de um milhão de pessoas, sendo, por quatro dias, o texto mais visto no mundo no medium.

Se você já estava acostumado com o Empreendedor de Palco, conheça agora o Empreendedor Sorriso, aquela figura que está sempre com o seu celular em mãos fotografando e filmando tudo, do seu cocô à última palestra assistida no Youtube ou no Google. O que importa mesmo são aquelas mesas cheias de computadores e gente feliz, trabalhando, produzindo e tirando fotos…muitas fotos.

Ícaro, qual é o seu problema?

Vocês não sabem quantas vezes eu li essa pergunta nas últimas semanas. Gente de todo tipo que surgia na minha caixa de mensagem, me xingando e dizendo coisas do tipo: “Você está me ofendendo por que?!”. Então, antes que eu possa começar, aqui vai um aviso: esse texto não é sobre quem trabalha duro, inova, cria oportunidade e faz negócios. Também não é sobre quem está dando a cara para bater, investindo em uma nova ideia.

O empreendedorismo é, talvez, o maior agente de mudança do planeta.

E é por isso que eu, como um humilde redator publicitário, tenho o dever de fazer isso que faço. O empreendedorismo é sério e importante demais para ser desvirtuado por meia dúzia de pessoas que só querem o seu dinheiro. Que não tem nada a mostrar além dos próprios dentes e alguns depoimentos colhidos aos pedidos de por favor.

Se você acredita em trabalho duro e coisa séria, estamos do mesmo lado do jogo.

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O começo disso tudo.

Bom, voltando ao que interessa: como é que tudo isso teve início? Nos Estados Unidos. É sempre assim, não é? Os amuricas criam alguma coisa e ela se espalha como um vírus pelo planeta terra inteiro, para o bem e para o mal. No início dos anos 2000 começaram a surgir os primeiros blogs utilizando o termo “Empreendedorismo Life-style”. Como ninguém sabia o que diabos isso queria dizer, o termo era resumido assim: “Alguém que, através da internet, tocando o próprio negócio, havia atingido tamanha liberdade que podia operar a sua empresa de qualquer lugar do mundo”.

Isso começou como algo real! Após a crise e o estouro da bolha do mercado ponto.com, dúzias de executivos e desenvolvedores de grandes empresas, que haviam enriquecido e vendido suas ações antes que elas se tornassem pó, simplesmente decidiram que aquilo era demais para eles. Seja porque haviam alcançado os seus objetivos na vida — leia-se: muito dinheiro — ou porque haviam enchido o saco daquele ambiente corporativo, decidiram rodar o mundo.

Surgiu uma comunidade pequena, mas verdadeira, de gente que havia inventado ou executado todo tipo de coisa bacana e que estava aproveitando agora o resultado de todo esse sucesso, conhecendo os lugares mais exóticos do planeta.

Ai vem a merda.

Rapidamente esses gatos pingados atraíram um volume absurdo de atenção. Lembrem-se que as redes sociais ainda não haviam se popularizado e o empreendedorismo não tinha a força que tem hoje. Eles atraíam toda essa audiência por um motivo simples: todo mundo gosta de ver fotos de viagens e um nerd bêbado, tirando foto com tailandesas gostosas.

Eis que os empreendedores de palco, que já existiam àquela época, perceberam um grande filão de mercado. A ideia era bem simples: você não precisava elaborar grandes modelos de negócio, criar planilhas ou dar centenas de palestras sobre temas complicados. Não! Ninguém quer saber disso! Tudo o que você precisava era tirar centenas de fotos mostrando como a sua vida era demais. Ninguém saberia a diferença.

O sinal aqui está ótimo!

Em qualquer lugar do mundo, a maioria das pessoas compram o seu estilo de vida, não os seus resultados. Um sujeito que está tocando o seu negócio no topo do monte Everest deve ser alguém de sucesso!

Eis que, na velocidade da luz, antes dos caras que dão coaching infestarem o planeta, centenas de blogs de“Empreendedorismo Life-style” surgem na internet pré-Facebook. A fórmula é sempre a mesma, costuma ter dez passos e eu vou colocar cada um deles aqui para você.

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Passo número 1: Blog tosco.

Todo Empreendedor Sorriso tem um blog, que ele costuma atribuir como o segredo para o seu sucesso. Se você parar para prestar atenção, verá que todos esses blogs são mais ou menos a mesma coisa. Até os templates são parecidos! O nome do cara, uma faixa pedindo para você deixar o e-mail em troca de newsletter ou algum ebook logo no topo da página, a foto dele no canto direito ou esquerdo, e alguns artigos empilhados.

Os artigos não possuem qualquer originalidade. Geralmente são cópias das cópias, que vão se reproduzindo e falam única e exclusivamente do objeto ou do serviço que o empreendedor sorriso quer te vender. Se ele oferece cursos sobre SEO ou Facebook-Marketing, haverá artigos apenas sobre isso. Ele nunca emitirá qualquer opinião sobre qualquer outra coisa do planeta, pelo simples motivo de que isso não interessa ao seu bolso.

Passo número 2: Uma grande rede de “amigos”.

Todo empreendedor sorriso possui uma rede enorme de amigos que, assim como ele, também empreendem com os dentes. Todos tiram fotos com todos. Eles costumam ir à dezenas de eventos por ano; gostam de tirar fotos à frente de aviões ou dentro deles; colecionam crachás e postam passagens e tickets de embarque. Isso tudo faz parte da estratégia para manutenção do seu “habitat de sucesso”. Os seres humanos ligam o ato de viajar ao sucesso financeiro desde o tempo de Napoleão.

Passo número 3: Fotos óbvias.

“Hum, vejamos se eu estou com cara de empreendedor famoso!”.

A capa do Facebook do empreendedor sorriso sempre será ele dando alguma palestra, ao microfone, ou cativando as pessoas. O seu olhar ferino e as suas mãos hábeis encantam a platéia, enquanto ele diz para si mesmo: “Olhe o tamanho das minhas bolas e a grossura do meu bilau”. O seu avatar será, geralmente, uma foto de braços cruzados, sorriso macho alpha e aquele ombrinho ligeiramente virado, em ângulo. É a pose do super-homem dos negócios.

Passo número 4: Ele ama a natureza.

Quem não ama a natureza? O verde, o campo e os animais estão ligados — intimamente — às nossas sensações de liberdade e de relaxamento. Se o empreendedor sorriso já está no topo da cadeia alimentar, ele tirará fotos de animais exóticos em algum país da Ásia. Se ele está em começo de carreira, podem ser aqueles leões dopados do zoológico da Argentina, mesmo.

Passo número 5: Vocabulário pobre.

Como tudo aquilo existe não porque ele gosta, mas com o objetivo de atrair mais clientes, todo empreendedor sorriso é óbvio. Ele decorou uma dúzia de frases de alto impacto ou reproduz o mesmo discurso que ele encontra nas páginas dos empreendedores de verdade e nunca vai além daquilo. Nunca. Um centímetro sequer. Para identificá-los, procurar expressões como: Sacada, alto impacto, propósito, insight, qualquer-merda-hack, já é um bom caminho.

Passo número 6: Mentoria.

Pronto. Esse é um dos pontos polêmicos do texto. “Ah, Ícaro, fulano de tal dá mentoria, então você está falando dele?”. Não! Há centenas de bons profissionais aplicando e ministrando mentorias que dão resultado de verdade; o problema é que ela é um fator fundamental para o Empreendedor Sorriso. Ele vê ai a oportunidade de vender apenas seis ou sete pacotes e se sustentar por mais seis meses. Geralmente elas ocorrem em lugares reservados e presencialmente, evitando o registro e a reprodução. É o negócio perfeito para quem precisa levantar um caixa rápido e não deixar rastros.

Passo número 7: Pulseirinhas.

Empreendedores sorriso adoram pulseirinhas. Como os seus negócios são esponjosos e rarefeitos, difíceis de serem verificados na vida real, porque, geralmente, não existem — ao menos na proporção que eles defendem — é preciso materializar o pertencimento ao grupo. Quem faz parte do grupo de um fodão, passa a ser também umfodão, logo, pode cobrar preços fodões por suas mentorias ou serviços.

Pulseirinhas! Eles adoram pulseirinhas!

Os fodões, por sua vez, justificam os seus valores astronômicos, dizendo: “Quando você passar a ter essa pulseirinha daqui, você poderá triplicar ou até mesmo decuplicar a sua hora de mentoria. É ou não é um bom negócio?”. Então, uma vez em eventos de marketing multinível, o habitat natural dessa espécie, você verá que cada um tem uma pulseirinha de uma cor. É bem engraçado.

Passo número 8: POP-UPS!

Isso não tem nem o que discutir. Todo empreendedor sorriso irá utilizar uma dúzia, às vezes duas, de artifícios para você entrar na lista dele. Como ele queima os seus contatos à cada round de lançamento de produto, com milhares de e-mails na mesma semana, ele está sempre à busca de uma lista nova.

E eles foram ensinados que o POP-UP é a ferramenta perfeita para isso. Então você entra no seu blog e…

“Wow! Receba o nosso e-book com os 173 passospara o negócio perfeito!”.

Embaixo, dois botões: “Eu quero!” e um outro: “Não me interesso, eu quero perder dinheiro“.

Me deixe sair dessa merda de site pelo amor de Deus!

Em cada artigo, isso se repete e quando você está de saco cheio e vai lá no “X” para fechar, rá! Pegadinha do Malandro! Mais um POP-UP!

“Você já vai? Deixe o seu e-mail e receba o nosso E-book com os 13 passos para fazer o seu primeiro milhão“.

Aliás, é incrível como eles tem uma tara por livros eletrônicos. Baixe algum deles e perceba como a qualidade é bem ruim. Geralmente são 10 páginas, que se tornam 50 porque ele botou a fonte Arial 42 e algumas fotos de banco de imagem. É bem bizarro.

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Passo número 9: Imagens com frases motivacionais.

Isso é batata. BA-TA-TA. Todo empreendedor sorriso possui uma coleção de imagens motivacionais para compartilhar nas suas redes sociais.

Como ele faz parte de todas e, ao mesmo tempo, não gosta de nenhuma delas, porque o seu negócio é dinheiro, ele fica dando CTRL + C e V em todas as suas contas, postando coisas do tipo: “Viva um ano no inferno e goze do paraíso para sempre” com a foto de um cara de terno e cabelo ajeitado, arrumando o seu relógio de ouro.

Que belo pensamento!

Tanto é que há até uma página, que foi criada para tirar uma onda com esse fato social bem tosco, que é chamada de O empreendedor óbvio. Vale a pena dar uma olhada.

Passo número 10: Tráfego…tráfego pra cacete!

Agora que você já sabe nove pontos fundamentais para a manutenção do personagem de um empreendedor sorriso, você precisa de apenas mais uma lição:

Perceba como eles estão em todos os lugares.

Esses sujeitos gastam toneladas de dinheiro em tráfego pago e posts patrocinados, pelo simples motivo de que são incapazes de gerar audiência orgânica.

Para o movimento orgânico é preciso de empatia, de tempo, de posts que causem a sensação de pertencimento e identificação a um grande número de pessoas; é preciso falar com o coração e, mais importante, ter uma mensagem real para passar. Como tudo isso está a anos luz do que ele enxerga como “um bom negócio” ele chega a gastar até 50% do seu faturamento apenas com tráfego de Facebook, Google e Bing.

Eles estão sempre colocando uma sequência de vídeos na rede, cujo objetivo é apenas ajudá-lo, de graça, mas que ao mesmo tempo está sendo impulsionado por vinte mil reais de tráfego pago. Ninguém é tão bonzinho assim…

Tá, e o que eu tenho a ver com isso?

Tudo. Se você chegou até aqui é muito provável que se interesse, de alguma forma, pelo assunto empreendedorismo. Te adianto: não é fácil nem há uma fórmula milagrosa para isso. É trabalho duro e dezenas de pirocas entrando no seu bumbum todos os dias.

Empreendedor no Brasil é ser um herói. Aqui, tudo está contra você.

Então, se você está pensando em começar a fazer isso, primeiro se benza, depois vá procurar gente que faz a coisa de uma maneira certa. De verdade. Eu não quero dizer que quem dá palestras é um empreendedor de palco ou quem posta fotos sorrindo é só quer o seu dinheiro. Essa é uma confusão primária de quem não está prestando atenção no que eu quero dizer.

O que eu quero dizer é que gente mal intencionada vive da aparência de sucesso. Elas precisam utilizar esses elementos para fazerem você acreditar que elassão de verdade.

Então, da próxima vez que você estiver interessado em comprar um ingresso, assistir a uma palestra ou comprar algumas horas de consultoria, certifique-se que aquele sujeito tem algo mais a dizer — e a passar — do que apenas sorrisos; o seu bolso e o seu tempo agradecerão.

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