As almas encantadoras do Bixiga

Perfis ocultos em um dos bairros mais tradicionais de São Paulo

Vânia Soares
RESENHAS
3 min readJan 5, 2019

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Por: Vânia Soares

Sarah, qual é o seu maior sonho hoje? “Ter a dança como profissão”.

O olor do waffle de pão queijo guia os meus olhos até uma fresta de uma parede decorada. Uma mão toca a pequena campainha para avisar que o lanche está pronto. Devoro a refeição com tranquilidade, enquanto aguardo Sarah.

Não demora muito e a música na cozinha cessa. O ambiente, há poucos minutos tomado pelo ruído do liquidificador e das panelas, agora volta a ser agitado apenas pelo aparelho de som, que chora e festeja melodias na viola caipira.

Sarah Geiser, 25, chega e ocupa uma cadeira a minha frente. Formada em gestão financeira, trabalha em uma loja mineira no Bixiga. Antes de se aventurar nos temperos e conquistar elogios pelo seu trabalho, ela estava em outro lugar — experimentando a independência e descobrindo seus gostos.

Foto: Vânia Soares

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“A primeira vez que fiz estrogonofe deu certo. Mas só foi a primeira… Depois não saiu mais do mesmo jeito”, ri.

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Aos 21 anos, decidiu morar em Florianópolis. “Queria qualidade de vida, praia acessível… Mas também não queria perder a essência de cidade grande”, explica. Recolheu algumas economias e se despediu dos pais, os quais não acreditavam na sua ida.

Trabalhou como caixa, em baladas, e estoquista, em uma concessionária. Aprendeu a fazer bolo de cenoura, “depois de muitas tentativas”, e se entregou a uma paixão: a dança.

“Ganhei uma bolsa para estudar danças urbanas. Fui uma das melhores alunas, modéstia à parte”, graceja da última frase.

Após três anos morando sozinha, Sarah retorna a São Paulo. “Precisei voltar para ajudar a família”. Dedicada, estuda educação financeira. É fã de Nathalia Arcuri e gosta de aparecer dançando nos stories do Instagram.

Foto: Vânia Soares

“Já tomou café com massala? Massala é um tempero indiano… Dá um sabor muito bom para o café. Vou fazer para você.”

Karol Azevedo Gomes, 36, é gerente e chefe de cozinha da pequena loja mineira onde Sarah trabalha. Por 25 anos foi filha de Jaçanã, o mesmo bairro onde Adoniran nunca morou. Hoje, ela vive no Ipiranga com a sua mãe.

“Pronto, experimenta”. Ela empurra uma bebida quente e muito cheirosa em minha direção. Beberico e sinto o gosto da massala no café. O tempero é forte, mas não ruim. É um casamento onde ocorrem discórdias afáveis.

De repente Karol sorri e começa a cantarolar junto com a música que sai do pequeno aparelho de som. “No caminho de casa, têm roupas estendidas no varal, há flores coloridas no quintal… Adoro essa música, porque diz que podemos ser felizes com coisas simples”, termina a frase alargando o sorriso. Na verdade, além do encanto pela música, ela se envolveu num amor platônico com Wilson Teixeira, seu cantor favorito. “Ele é gatinho”, ri.

Misteriosa, a cada visita ela revela os segredos de sua essência. Até agora descobri que é formada em administração e gastronomia, anda de moto; gosta de tatuagens (“Tenho só 5, por enquanto”). Ama ler livros de romance (já escreveu até uma crítica), além de ser muito vaidosa.

“Posso tirar uma foto?”, pergunto. “Deixa eu só colocar um batom. Sabe como é né?”, ela sorri.

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Vânia Soares
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Jornalista| Enquanto as palavras existirem, enquanto os olhos enxergarem, eu serei verbo e imagem.