Só a dois

Vânia Soares
RESENHAS
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2 min readMay 29, 2020
Foto: Vânia Soares

Luzes sapateiam na escuridão de uma enorme sala cheia de cadeiras vazias. No canto, ao lado das cortinas, está projetado na parede preta e fria, escondido atrás das caixas de som e dos holofotes, um utensílio fugaz, mas atemporal como a dança e a poesia. Algo surreal, simbólico do espanto com a vida. E dá vida. Um balanço entre o querer ver e o querer tocar. Uma delicadeza e sensibilidade sem igual.

Canto a canto, olhos nos olhos, apenas a dois. A alma é desnudada pela leveza da voz, pelo movimento do corpo, pelo seu inteiro.

O cheiro de quem a gente ama parece palpável e sempre presente. De perto ou de longe, farejamos a respiração do ser amado — a essência daquele homem ou daquela mulher — como um desafio à física, entre espaço e tempo. Dos metros quadrados, em diferentes paredes, rola o vício da pele, dos cabelos… Dali se materializa a saudade, que vai nos visitar com frequência quando sentimos a ausência de quem a gente quer por perto.

Encontros e desencontros. Coxia e palco — esconderijo e vida –. Esbarros no metrô, na rua, multidões se roçando. Um desejo da carne ou do coração. Não uma utopia nem sorte. São casais de cara pro destino. Nesse momento sobe um palco. Não importa quantos bilhões vivem, cerram-se as cortinas do pedestal.

Frio na barriga. Um ensaio do improviso, das palavras que não saem e das pálpebras que não se fecham. Inicia-se a leitura do código de barras carnal: o instinto do macho e da fêmea, prontos para a fecundação.

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Vânia Soares
RESENHAS

Jornalista| Enquanto as palavras existirem, enquanto os olhos enxergarem, eu serei verbo e imagem.