Coronavírus, raça e classe

Katlen Rodrigues
Tá por vir
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2 min readApr 6, 2020

[Texto recebido pela newsletter da Editora Elefante

Um breve comentário de Daniel Mello, autor de Gargalhando vitória: poemas da Cracolândia, acerca dos desdobramentos da pandemia sobre a população brasileira e as medidas governamentais que priorizam a “economia”

Não existe oposição entre defesa da vida e da economia. O coronavírus não nos atinge apenas como indivíduos, nos atinge como sociedade. Podemos viver em pequenas comunidades, mas não em isolamento completo.

Por isso, também faz parte da forma como o vírus nos ataca prejudicar a forma como fazemos os recursos circularem, indispensável a nossa sobrevivência. Aqui, ele expõe a maior comorbidade de todas, a desigualdade.

O vírus pode não ter como alvo apenas os idosos, mas sem dúvida não é democrático. É verdade que ele atinge e mata também os jovens. Mas os jovens no Brasil morrem de várias outras causas, como atropelamentos, engasgados com pizza ou assassinados (especialmente se forem negros).

Foram enterradas 49,5 mil pessoas negras vítimas de violência em 2017. Por isso, não me parece um acaso que o vídeo divulgado pelo governo dizendo que o país não pode parar seja a peça publicitária em que mais vi pessoas negras nos meus mais de trinta anos de vida no Brasil.

Porque estamos aqui sentados discutindo se vamos dar R$ 200 ou R$ 600 para essas famílias passarem os próximos três meses, enquanto as nossas próprias leis dizem que o salário mínimo (expressão sempre acompanhada do “não dá pra nada”) é de R$ 1.045?

Ao mesmo tempo, o Estado chega a pagar R$ 80 mil por mês a juízes e promotores, acima do que chamamos de “teto”, que seria de R$ 39,5 mil. Trinta e nove vezes o que chamamos de mínimo. Isso sem falar nos hiper-ricos, os bilionários, gente que poderia ficar gerações sem trabalhar e ainda viveria como realeza.

Fortunas que foram acumuladas na exploração de lucros de mercados amplos, como as bebidas, a televisão aberta e os bancos. Um dinheiro que em grande parte saiu do bolso dessas pessoas que agora o governo chama de “Brasil” e diz que “não podem parar”.

Porque esse país criou uma situação, de precarização do trabalho e da vida, em que não podem mesmo. E isso é inegável quando dizemos que é fundamental ficar em casa, e só na cidade de São Paulo 25 mil pessoas dormem nas calçadas e outras onze milhões vivem em favelas em todo o país.

Não há cura para o coronavírus se não tratarmos disso, agora, exigindo que os pacotes de maldades liberais contra a crise sejam substituídos pela justa distribuição de renda.

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