Perdidos e Achados: Still Life (2006)
A China que Zhangke expõe é uma onde o passado (e o presente, e o futuro…) apenas pode ser visto sob a lente do capital. Se alguém deseja mostrar como a sua terra fora outrora, a fotografia deixa de ser suficiente — apenas o dinheiro pode, aqui, ser capaz de representar os locais que o mesmo tornou impossíveis. O mundo reconhece o seu próprio estranhamento e a única opção é assumir o novo estatuto de alien, escapar da realidade que lhe é imposta: edifícios transformam-se em naves espaciais e das montanhas emergem corpos luminosos prontos a voar pelos céus.
O que fica entre nós é então despido e olhado apenas em termos de utilidade. Tal como qualquer outra parte da China Continental, a cidade em Fengjie e os seus moradores são, para o sistema em que se inserem, apenas caracterizados como objectos passíveis de serem alterados. Assim sendo, as vidas destes lugares e destas pessoas estão condenadas a um controlo externo, a um jogo onde são apenas peças e nunca jogadores. Nesta condição, o dia-a-dia apenas pode ser preenchido com uma revolta que é tanto oprimida como reprimida; com a ansiedade de ser pintado com o sinal de “OK PARA DEMOLIÇÃO”.
Nestes contextos, sentido e valor apenas podem ser encontrados na comunidade: nos trabalhadores que juntos vão para as minas, mesmo após serem avisados sobre o perigo que as mesmas apresentam; nos trabalhadores que partem para rixas quando um dos seus é agredido; nos trabalhadores que, em conjunto, exigem que o seu patrão assuma as responsabilidades que tal cargo deve acarretar. Muitos irão morrer naquelas minas, tantos outros encontrarão o mesmo destino na defesa dos seus irmãos e os restantes nunca verão ganha a sua luta contra o empregador — mas que mais fazer? Ao andar na corda bamba, a única esperança é continuar a marchar em frente, olhos postos num outro lado que pode nunca ser alcançado.
Quando Sanming encontra a sua mulher, ela pergunta-lhe o porquê de este ter demorado dezasseis anos a decidir procurar a sua família. Quando, depois de dois anos, Shen reencontra o seu marido, é apenas para oficializar o final do casamento entre ambos. Nestes dois casos opostos, a conclusão apenas pode ser a mesma:
Num mundo moderno é impossível chegar a tempo.
‘Perdidos e Achados’ tem como objectivo colocar em destaque filmes que possam ter caído em esquecimento, mas que são hoje mais importantes que nunca.
‘Perdidos e Achados’ #1: 三峡好人 (2006), de 賈樟柯.