Nick Drake através de sua obra

Conhecido por ser silencioso, era em seus álbuns que Nick revelava como se sentia

Victor Wolffenbüttel
O Parrote

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É meio difícil falar sobre Nick Drake, uma vez que o músico não dava entrevistas ou declarações e não possui nenhuma filmagem ou coisa parecida. O que se sabe sobre ele é aquilo que amigos e familiares relatam, comentam e interpretam sobre sua personalidade e suas ações.

Isso está presente em todos os momentos de sua vida: sua forma de agir com os amigos antes, durante e depois de abandonar a faculdade, o jeito com que foi se distanciando cada vez mais do mundo conforme sua carreira de músico se desmanchava, e até mesmo as circunstâncias de sua morte. Até hoje, uma overdose de antidepressivos é motivo de debate entre seus conhecidos — seu produtor, Joe Boyd, por exemplo, duvida da hipótese comum de suicídio.

Sua biografia conta com poucos capítulos autobiográficos, apenas lembranças de amigos e familiares, e que dizem pouco ou quase nada sobre o que o músico realmente estava sentindo. Talvez por isso Nick Drake tenha um reconhecimento exponencialmente aumentado desde sua morte: pouco realmente se sabe sobre ele. E é irônico imaginar o silêncio de Nick em vida tenha sido a causa de seu insucesso em vida, mas de popularidade depois de morto. Até hoje, as matérias sobre ele retratam quase um personagem: um excelente violonista; um grande músico que havia sido prometido um futuro de sucesso; um jovem que, no seu pior momento, depois de ter em seu segundo álbum um novo fracasso comercial, saía da casa dos pais de carro e dirigia por horas e horas, até ficar sem gasolina e precisar ligar de volta para eles, pedindo que lhe buscassem.

Mas curiosidade pela pessoa que Nick Drake foi não é o único motivo para ouvir seus álbuns. A qualidade do músico como violonista é inquestionável e justificada em todos os seus álbuns, onde ele demonstra extrema habilidade em dedilhados e harmonias incríveis. Os arranjos de orquestra que foram feitos por seu amigo de faculdade Robert Kirby também são dignos de nota. Além disso, Nick também tinha ótimas letras, com muitos elementos visuais que correspondiam ao seu universo folk e que nos colocavam no meio rural, falando sobre o céu, a Lua, as estrelas, rios, árvores e etc.

E como se não bastasse os motivos relativos à curiosidade quanto a sua persona e sua qualidade musical, ainda há uma terceira razão para ouvi-lo com atenção: seus álbuns aparecem como um dos poucos momentos para tentarmos saber o que ele estava sentindo. Apesar de todos demonstrarem um músico um tanto quanto tímido, com um canto sussurrado e calmo, é possível, depois de comparar os três, notar os diferentes momentos da sua carreira enquanto fazia os álbuns e compunha as músicas. Cada obra possui aspectos que entregam o contexto da vida de Nick e, como um todo, nos dão alguma impressão sobre aquilo que era real para ele. Eles fazem o músico ser entendido com maior facilidade do que através de especulações de conhecidos.

Five Leaves Left

O tom rural da capa apresenta o que parece ser o álbum mais entusiasmado de Nick Drake.

O primeiro álbum de Nick é também o seu mais contente. Não podemos dizer alegre, e não há registros do músico se dizendo empolgado, até porque existem poucos registros de falas confessionais dele sobre qualquer coisa. Se comparado com os outros álbuns, você realmente enxerga uma empolgação em Five Leaves Left. São as músicas mais serenas, de melodias tranquilas. É como a primavera de Nick. O violão é maravilhosamente tocado, e as orquestrações são incríveis. Não há muita experimentação, o álbum é folk e solar, extremamente rural. Duas das músicas mais famosas de Nick estão em Five Leaves Left, “Fruit Tree” e “River Man”, as duas introspectivas, como ele era, mas, de certa forma, contentes.

A habilidade de Nick ao violão, seu canto tímido, a atmosfera rural: elementos marcantes em Five Leaves Left.

O nome do álbum é um código bem humorado: Five leaves left (“restam cinco folhas”, em uma tradução literal) era um aviso deixado pelo pacote de seda para os usuários de maconha. Nick começara a utilizar a droga antes de entrar para a faculdade de Cambridge e continuou utilizando durante muito tempo, consumindo grandes doses durante alguns períodos.

A capa do álbum também é diferente das outras. É a única onde Nick aparece com o que parece ser um sorriso; uma foto inserida em um design bastante simples. É a perfeita imagem para o álbum que carrega: introvertido, criado por um artista silencioso, mas que parece empolgado com a recém iniciada carreira de músico.

Apesar do entusiasmo e de um álbum incrível, as coisas não aconteceram da melhor forma possível para Nick Drake. Ele fez uma pequena turnê, que terminou ainda mais cedo. Nick era terrível para shows. Durante a maioria do tempo não falava com a plateia, abandonou algumas apresentações por causa do barulho das pessoas nos bares e amigos dizem que ele sequer levantava os olhos enquanto tocando. A turnê desestrada e sua recusa de Nick Drake a dar entrevistas são apontados como os responsáveis pelo insucesso de seu primeiro álbum.

Depois do lançamento de Five Leaves Left, Nick abandonou a faculdade e foi morar em um pequeno apartamento em Londres, alugado pelo seu produtor e descobridor, Joe Boyd. Então começou a trabalhar no seu próximo lançamento.

A capa de Bryter Layter é um cartão de visitas muito diferente do álbum antecessor.

Bryter Layter

Quando se ouve Bryter Layter, o segundo álbum de Nick, logo depois do primeiro, nota-se que alguma coisa mudou. Aquilo que fazia Five Leaves Left modesto e relaxado se foi. Em Bryter Layter podemos notar uma ambição marcando forte presença.

Não é como se Nick Drake tivesse mudado completamente seu estilo. Ele mantém seu violão impecável e a forma de cantar, mas os arranjos mudaram. O álbum possui bateria e baixo ativos em basicamente todas as músicas. John Cale, fundador do Velvet Underground, participa em duas músicas, “Fly” e “Northen Sky”, tocando viola (que se assemelha ao violino, mas é mais pesado e tem som mais grave) e piano, respectivamente. Também o saxofone é presente em várias faixas, algo que diferencia bastante esse álbum do primeiro.

“Nunca vi luas conhecerem o significado do mar / Nunca seguirei emoção na palma da mão / Ou senti doces brisas no topo de uma árvore / Mas agora você está aqui / Iluminando meu céu do norte”

Esse clima menos folk e mais jazzístico do álbum é facilmente justificado pelo fato de Nick ter escrito as músicas para Bryter Layter morando em Londres. O clima da cidade fez o álbum mais moderno, apesar de manter as letras relacionadas à natureza. Também ele aceitou as mudanças nos arranjos sugeridas por seu produtor, para tornar o som mais apelativo.

É possível dizer que os esforços de Nick surtiram algum efeito. Bryter Layter foi seu álbum mais vendido: algo em torno de humildes quinze mil cópias, extremamente aquém das expectativas do músico.

Logo após o lançamento da obra, seu produtor Joe Boyd se mudou para Los Angeles, e esses dois fatos somados — o fracasso comercial de Bryter Layter e o “abandono” de seu descobridor— são apontados como determinantes para o início da depressão de Nick. Depois disso, ele se mudou de Londres para a casa dos pais novamente. Nesse período, além de não conseguir escrever ou compor, Nick exibira um comportamento errático, claramente depressivo: visitava e ia embora da casa de amigos sem avisar, pegava o carro e dava longas voltas sem rumo pelas estradas locais, até precisar ser recolhido pelos pais, e passava dias comunicando-se apenas com “sim” e “não”. Ele foi levado ao psiquiatra pelos pais e recomendado a tomar antidepressivos.

Pink Moon é considerado um dos álbuns mais profundos e sentimentais do folk, e é certamente o mais autoral dentre os três.

Pink Moon

Para tentar tirar Nick da depressão, Chris Blackwell, fundador da Island Records, convidou o músico para passar algum tempo em sua propriedade na Espanha. Nick aceitou e nesse período voltou a compor.

Quando retornou à Inglaterra, ele logo contatou seu engenheiro de som, presente nos dois primeiros álbuns, John Wood, dizendo que estava pronto para gravar seu próximo disco. Em duas noites, Pink Moon foi feito.

O terceiro álbum de Nick Drake é também o mais chocante. Exceto pelo piano na faixa título, todas as outras são compostas apenas por voz e violão. É nesse álbum que nós podemos ver a repercussão da depressão de Nick dentro dele próprio.

“Things Behind the Sun” é uma da músicas mais impressionantes de Nick, e um perfeito exemplo do som de Pink Moon: crua, triste, e maravilhosamente executada.

Pouco pode ser comentado sobre Pink Moon. O álbum dura menos de meia hora. Ao que parece, ele tentou se afastar o máximo possível das orquestrações e banda dos álbuns anteriores, marcados pelos fracassos de vendas. Nick fez um álbum cru, e provavelmente o seu melhor. A honestidade do músico é arrasadora, e não há como não se emocionar ouvindo pérolas como “Pink Moon” e “Things Behind the Sun”.

Devido a sua aparência debilitada, a sessão de fotos para o encarte foi considerada não muito apelativa pela gravadora, e a pintura escolhida para a capa nunca sequer teve algum comentário feito pelo músico. Apesar disso, os seus conhecidos dizem acreditar que ele gostou do resultado.

Mesmo apostando em um álbum contrastante se relacionado aos antecessores, Nick novamente não encontrou sucesso. Pink Moon foi seu álbum menos vendido, e o músico mergulhou novamente em uma depressão profunda. A desilusão com sua carreira até gerou uma discussão com Boyd, que depois foi relatada pelo produtor como um momento onde Nick externou sua insatisfação com as promessas de que ele seria um sucesso.

Para tentar levantar a moral de Nick de novo, Boyd alugou um estúdio para o músico gravar, mas as sessões foram horríveis. Nick não conseguia cantar e tocar ao mesmo tempo. Foram gravadas apenas quatro músicas - dentre as quais “Black Eyed Dog”, que ficou conhecida por ser pertinente quanto à morte de Nick, uma vez que ela fala sobre encontrar “um cachorro de olhos negros que bate à porta”.

Dois anos depois do lançamento de Pink Moon, em 1974, Nick Drake foi achado morto em sua cama por sua mãe, aos vinte e seis anos. Ele tomou algo em torno de trinta cápsulas de Tryptizol, um antidepressivo, o que foi considerado suicídio à época, apesar de seus amigos considerarem que tenha sido um acidente. Joe Boyd não acredita no suicídio, pois segundo ele, “na semana anterior a sua morte ele estava eufórico, cheio de energia e otimista”.

Independente da causa, a morte de Nick foi seguida por um exponencial aumento de sua popularidade. Seus álbuns já foram relançados várias vezes com algumas outras gravações, suas músicas aparecem em diversos comerciais e filmes, e a história do músico se torna mais popular dia após dia.

A vida de Nick já foi contada e recontada diversas vezes, com muitos depoimentos de amigos e familiares, através de reportagens e de documentário, mas nenhum material jornalístico pode falar tanto sobre o músico quanto seus álbuns, incríveis obras de arte que aos poucos vem tendo o reconhecimento que Nick Drake tanto esperou em vida, justificadamente.

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