Por que pedimos impeachment?

Se compararmos os gritos por impeachment de Dilma com casos históricos, descobriremos um debate enfraquecido e sem sustentação

Victor Wolffenbüttel
O Parrote
5 min readDec 5, 2014

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Nos últimos meses, devido as eleições, a política, de forma superficial e sentimental, tem se tornado parte da rotina dos brasileiros. É normal encontrarmos informações sem fonte e discursos de ódio na nossa timeline do Facebook (pelo menos no meu).

Desde julho do ano passado, quando parte da população tomou as ruas e outra notou o impacto das manifestações, parece que se tornou mais fácil para a maioria dos brasileiros assumirem posições políticas (estamos abandonando a ideia de que “política, religião e futebol não se discute”) e irem às ruas torná-las públicas.

Pode ser encarado com otimismo esse aumento na atividade política, desde as manifestações no Facebook até a mobilização nas ruas. Porém, é necessário cuidado com o debate que estamos criando, uma vez que discutindo por meio de argumentos falhos e raivosos, estamos geramos uma conversa enfraquecida, sobre um alicerce fraco.

As manifestações recentes

No último dia 01/12, aproximadamente 600 brasileiros estavam nas ruas de São Paulo reivindicando o impeachment da presidenta Dilma. Essa foi uma dentro de uma série de manifestações sobre o tema. Mas o que esse impeachment quer dizer, literalmente?

Podemos definir o impeachment como a cassação de mandato de uma autoridade máxima do poder executivo dos três níveis (municipal, estadual e federal), executada pelo poder legislativo. Temos dois exemplos famosos no imaginário popular, um americano e outro brasileiro.

Nixon e os encanadores

A historia começa em 1972, durante uma madrugada, quando dentro dos escritórios do partido democrata americano, localizado no complexo de prédios Watergate, são pegos em flagrante cinco homens roubando informações e grampeando telefones.

A invasão teve uma repercussão discreta pela mídia, exceto por dois repórteres do Washington Post, que resolveram investigar o caso e acabaram descobrindo mais sujeira envolvida na história: os assaltantes estavam relacionados com o presidente da época, Richard Nixon, e alguns deles faziam parte de uma equipe reunida pelo presidente durante a eleição, chamados de “encanadores”, responsáveis por impedir o vazamento de informações governamentais que pudessem prejudicar a campanha (um ano antes, documentos importantes sobre a guerra do Vietnã haviam sido publicados pelo New York Times), e conseguir as informações necessárias para favorecer o presidente durante a campanha eleitoral.

Mesmo assim, a campanha de Nixon não é atrapalhada, e ele consegue se reeleger no mesmo ano. No início do ano seguinte, dois de seus assessores são condenados pela invasão. As investigações sobre o caso continuam. Meses depois, o conselheiro John Dean, demitido por Nixon, diz ao comitê do Senado responsável pela investigação do caso Watergate que desconfia da existência de um sistema de gravação de conversas e telefonemas dentro do Salão Oval da Casa Branca. Nixon se recusa a entregar as fitas de gravação, e a Casa Branca entrega transcrições das conversas, as quais, apesar de editadas, são o bastante para fazer com que Nixon perca qualquer apoio popular ou político. Em 1974, o comitê responsável pelo caso então lança três artigos a favor do impeachment do presidente, acusando-o de obstrução de justiça, abuso de poder e desprezo ao congresso. É revelada uma última fita, gravada poucos dias depois da invasão dois anos antes, a qual expõe o envolvimento do presidente com toda a operação e a seguinte tentativa de obstruir a investigação, desde o início. Poucos dias depois, sabendo que seria deposto pelo congresso, Nixon renuncia ao cargo e não chega a sofrer impeachment.

Mais sobre o caso pode ser lido aqui, neste excelente especial de 40 anos do Washington Post.

As cores do Brasil contra Collor

O primeiro presidente brasileiro pós reabertura política também sofreu impeachment. O começo da derrocada de Fernando Collor foi em 1992, quando seu irmão, Pedro Collor, revelou em entrevista à revista Veja, em diversas edições, o envolvimento do tesoureiro da campanha presidencial PC Farias com o presidente, acusando-0 de desviar dinheiro através de contas fantasma em paraísos fiscais e ser testa de ferro de Collor, tendo comprado um apartamento luxuoso em Paris associado a uma de suas empresas, pertencente ao presidente.

Um mês depois, os deputados José Dirceu e Eduardo Suplicy requerem uma CPI para investigar o caso. As investigações revelam um esquema onde o presidente recebia dinheiro de uma das empresas de PC Farias, e que o dinheiro era utilizado para gasto pessoal do presidente.

O presidente, sentindo a pressão da investigação, vai à TV e pede que a população saia as ruas vestindo as cores verde e amarelo para apoiá-lo. Em contrapartida, o domingo seguinte é marcado pelos protestos pedindo a saída do presidente, onde os manifestantes estavam todos vestidos de preto, em resposta a Collor.

O relatório final da CPI atestava que aproximadamente 6,5 milhões de dólares foram desviados por PC para Collor durante o mandato do presidente. O congresso brasileiro então aprova a abertura do processo de impeachment do presidente (foram 441 votos a favor, 38 contra, 23 não votaram e um se absteve). No Senado, durante o julgamento, o advogado de defesa de Collor anuncia a renuncia do presidente. Mesmo assim, Collor é julgado e sofre impeachment, tendo seus direitos políticos cassados até 2000.

É possível ler mais sobre o caso no especial de 20 anos do impeachment lançado pelo iG.

De volta para 2014

Os dois maiores episódios de impeachment da nossa história contemporânea possuem poucas semelhanças, entre elas a importância da imprensa para a revelação das histórias e o fato de que ambos os presidentes fizeram algo que ia contra a legislação e a sociedade que representavam.

Se for analisada a atual presidenta brasileira da mesma forma, teremos que perguntar a nós mesmos o que ela fez que foi contra a legislação e a sociedade, a ponto de ser preciso uma investigação por parte do poder legislativo: ter vencido a eleição e sido reeleita democraticamente? Existem provas que justificam a necessidade da retirada da governante?

A eleição de 2014 foi a mais disputada desde o fim da ditadura militar brasileira, e ela reflete a insatisfação de, quase certeiramente, metade da população. Apesar disso, revoltar-se unicamente pela reeleição de um presidente é um sinal indicativo de falta de maturidade e de conhecimento histórico por parte dos manifestantes.

Protestamos pelos motivos errados. É direito do presidente eleito pela maioria da população exercer seu cargo nos quatro anos que seguem. Para todos nós — antes sentados, agora de pé — na plateia, sobra o dever de monitorar suas atividades e decisões. Porque o seu candidato favorito não venceu não significa que o Brasil vai desmoronar.

Para o que vem a seguir, é preciso estar presente da forma certa: maduros, e não emburrados por não ter acontecido da forma como queríamos. Está na hora de entender que um governo é mais do que imagem: cores, siglas, cortes de cabelo, falas ensaiadas e planos de governo. Existem coisas maiores por trás disso e que independem das pessoas que estão puxando a frente. A política é mais profunda do que o nome dos partidos e a relação entre esquerda e direita.

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