O mito de Jair Bolsonaro

Tiago Moreira
O Plano das Ideias
Published in
5 min readSep 23, 2018

Faz anos desde que ouvi falar de Jair Bolsonaro pela primeira vez. Não me recordo exatamente quando, se foi no final do governo Lula ou no primeiro mandato da Dilma, mas lembro-me bem de meu irmão rindo e comemorando as platitudes de baixo calão vociferadas por um maluco num vídeo de YouTube.

O sujeito no vídeo era o deputado Jair Bolsonaro, que “metia o pau” nos políticos e no governo. Embora meu irmão vibrasse com a verborragia, eu não fiquei nem um pouco impressionado. Achava os discursos rasos e de mau gosto. Gritar, acusar e clamar virtude são coisas muito fáceis de se fazer. Falar o que as pessoas querem ouvir é o básico do populismo. Em suma, peguei antipatia pelo tal Bolsonaro logo de cara.

Anos depois, durante os protestos pelo impeachment de Dilma, Bolsonaro soube surfar naquela onda como ninguém. Enquanto outros políticos se escondiam e fugiam do assunto, ele estava nos carros de som, chutando bonecos do Lula e discursando suas platitudes num momento em que elas mostravam-se úteis.

Comecei a ter mais simpatia por Bolsonaro naquela época. Ele estava “do nosso lado”, fazia parte da “direita”, e muita gente falava bem dele. Resolvi dar uma nova chance a ele, a despeito de minha impressão inicial, e passei a acompanhá-lo com mais atenção.

O que vi não me impressionou.

Os apoiadores de Bolsonaro tinham razão em muitas coisas. De fato, a imprensa o pintava com cores muito mais negativas do que o real. E ele parecia ser uma pessoa simples, até bem-intencionada, a despeito de seus preconceitos e sua visão restrita de mundo.

Mas, fora disso, ele nem de longe me pareceu alguém preparado para ter poder em mãos. Seus apoiadores o pintavam como algo muito melhor do que ele demonstrava ser. Eu via suas entrevistas e notava a tendência de evadir-se de ou caricaturizar assuntos complexos.

Diziam-me que ele estava aprendendo, melhorando, estudando, mas eu não percebia aquilo. A primeira vez em que Bolsonaro disse que não entendia de economia, eu vi como um sinal de humildade. Mas, após dois anos vendo-o repetir a mesma coisa sempre que o assunto é tocado, não tinha como acreditar que ele vinha “estudando” alguma coisa.

Pelo contrário, conforme o tempo passava, eu percebia que Bolsonaro estava pura e simples promovendo a própria imagem e criando um “mito” em torno de si, sem que mudasse ou se aprimorasse de fato.

Então, a coisa foi ficando cada vez mais alarmante.

Bolsonaro se cercou de gente de qualidade duvidosa. Não preciso me repetir sobre sua militância, creio. O alerta que dei a respeito dos “bolsominions” foi profético, e o fenômeno só piorou. Desde então, eles se multiplicaram, e até pessoas que eu considerava inteligentes e moderadas aderiram a esse comportamento venenoso.

Atiçada pelos próprios filhos do deputado e por “pensadores” de qualidade duvidosa que nunca questionam as incoerências dele, a horda bolsonarista passou a espalhar mentiras e meias-verdades sobre adversários políticos enquanto fazem o impossível para limpar as atitudes polêmicas e frases infelizes de seu “mito”.

O bolsonarismo se tornou um culto de personalidade, alicerçado em quatro pilares:

  • Exaltação do “mito”, realçando suas qualidades, reais ou imaginárias, enquanto nega veementemente seus defeitos;
  • Demonização de toda a alternativa ou crítica a ele, tornando impossível haver um debate honesto;
  • Paranoia em torno de conspirações e ameaças externas invisíveis, sugerindo a existência de cabais internacionais dedicados à destruição da nação e da cultura. Alguns desses fenômenos, como o globalismo que já expus neste blog, são questões reais, mas o bolsonarismo os exacerba a fim de criar um estado permanente de alerta;
  • Polarização com Lula e o PT, apresentando-se como a única alternativa a estes.

O bolsonarismo não tem compromisso com ética ou valores, apenas com a figura de seu líder. Basta mostrar que um de seus alvos principais nas redes é o partido Novo, que invalida o discurso de “único honesto” do bolsonarismo e ainda disputa com ele o voto liberal. Por isso, o partido é logo acusado de “globalista”, pró-pedofilia ou qualquer outra pecha que os “pensadores” do bolsonarismo tentarem colar nele.

Diante disso, como posso confiar em Bolsonaro? Como posso confiar num político medíocre que usa uma turba de atiçadores para manter as pessoas num constante estado de paranoia e devoção? Como posso levar a sério um homem que faz mal ao debate de ideias e que usa o medo para se promover?

É evidente a corrida desesperada do bolsonarismo para eleger seu candidato no primeiro turno, sustentada exclusivamente pelo medo do PT. Já se cobra de outros candidatos o apoio a Bolsonaro! Ora, declarar apoio a um concorrente no primeiro turno é suicídio da candidatura, mas quem se recusa a fazê-lo é tratado como apoiador do petismo.

Esse é um absurdo sem tamanho: as pessoas que caem nesse conto do vigário não estão vendo o que realmente está em jogo.

Primeiro, que, se Bolsonaro não tem condição de vencer no segundo turno, então não há como vencer no primeiro. Ambos requerem 50% dos votos mais um! Se você votaria naturalmente em Bolsonaro no segundo turno, não há motivo algum para adiantar essa escolha no primeiro.

Segundo, que a vitória no primeiro turno significa que Bolsonaro não precisa fazer compromissos com ninguém. O debate público está sendo forçadamente reduzido a uma única dicotomia: “ou o PT, ou Bolsonaro”. Todas as outras ideias, propostas e questões sobre o futuro do Brasil estão sendo expulsas do debate, de forma que, se conseguir essa vitória, o candidato terá carta branca para fazer o que bem entender depois.

O Brasil entrou num estado de desespero, em que não se pensa mais. Sinto que estamos trocando um mal por outro, um populismo “de esquerda” por outro “de direita”, como se o problema fosse o alinhamento ideológico e não o mau-caratismo e a incompetência.

Tudo o que Bolsonaro me faz lembrar é do próprio Lula. Em 2002, ainda jovem e crédulo, eu caí no conto do vigário. Lula se apresentava como o homem do povo, honesto, contra a classe política vigente. Prometia responsabilidade fiscal e renegava o radicalismo de seu passado.

O mito que cerca Bolsonaro é impossível de ser real. O homem que provavelmente assumirá a presidência será incapaz de cumprir o que lhe é esperado. As pessoas que o cercam, nada éticas, cobrarão os favores acumulados. A falta de propostas reais se tornará patente.

O que Bolsonaro fará após a vitória? Vai tentar governar na gambiarra? Correrá para o populismo barato? Dará uma guinada autoritária?

Já falei sobre como nosso povo se comporta como lemingues rumando ao abismo. O futuro do país é nebuloso, decisões influenciadas pelo medo raramente dão certo. O abismo está de novo logo à frente, e as pessoas, ao invés de pararem e pensarem, correm ansiosamente rumo a ele.

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Tiago Moreira
O Plano das Ideias

Contador de histórias. Cientista da computação. Liberal. Agnóstico. Também conhecido como “Deicide” por aí. Autor do livro “Zé Calabros na Terra dos Cornos”.