Pode um político interromper mandato para concorrer a nova eleição? (O dilema de Leandro Lyra)

Tiago Moreira
O Plano das Ideias
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6 min readJul 24, 2018
Leandro Lyra, vereador do Novo no Rio de Janeiro/RJ

Texto escrito em 24/07, mas removido até 26/07 para revisão. Em 27/07, foi feita uma errata quanto a informações a respeito do estatuto do Partido Novo.

Há uns meses, num grupo de apoiadores do Novo do qual participo, entramos numa discussão acalorada. O vereador Leandro Lyra, do Rio de Janeiro/RJ, pleiteava interromper seu mandato para concorrer a Deputado Federal nas eleições deste ano.

Alguns do grupo eram absolutamente contra. Acreditavam que esta é uma prática velha da política, que era uma traição aos eleitores que deram-lhe mandato, e que não pegaria bem ao partido permitir que Leandro fizesse essa escolha.

Outros se mostraram a favor. Consideraram que o cargo de vereador, sendo proporcional, pertence ao partido e não ao candidato (explicarei isso adiante), que Leandro seria substituído por outra pessoa tão competente quanto, e que faz bem para o Novo tê-lo no congresso nacional, onde ele pode fazer uma diferença muito maior.

Não me recordo se houve consenso ou não, mas a discussão foi produtiva a todos. Hoje, no mesmo grupo, a polêmica voltou. Leandro Lyra foi aprovado na convenção partidária e poderá concorrer nestas eleições, deixando o cargo de vereador a seu suplente.

Então, isso é certo ou errado? É moral ou imoral? “Novo” ou “velho”?

Primeiro, aos fatos

Antes de eu dar minha opinião e embasá-la, gostaria antes de tornar claros alguns fatos relativos à questão.

Estatuto

ERRATA 27/07/18: Eu estava errado quanto ao estatuto do Novo não proibir a prática. Conforme diz o Artigo 13, item XIII, do estatuto:

Excerto do estatuto.

XIII — Exercer com probidade, dedicação e até o final do respectivo termo os mandatos eletivos assumidos sob a legenda do NOVO.

Logo, seja a prática moral ou não, a existência da proibição no estatuto significa que todos os candidatos pelo partido Novo já estariam cientes, de antemão, que seriam proibidos de concorrer a novo cargo durante seus mandatos.

Acredito, inclusive, que, pelo sentido estrito das palavras, esse artigo é até demasiadamente restritivo, podendo ser usado para impedir que um mandatário, no último ano do termo, possa se candidatar a outro cargo.

Alguns filiados contestam a interpretação do item acima. Citando não haver restrições na seção que trata das candidaturas.

Mas, imaginando que essa outra leitura esteja correta, e que o Novo viesse a permitir que o mandatário persiga nova eleição antes do fim de seu mandato, seria isso algo que faria do Novo um partido “velho”, como alguns gostam de acusá-lo?

Não creio. O partido faz processos seletivos, limita mandatos a uma única reeleição, cobra compromisso dos eleitos com a redução de privilégios, não utiliza os fundos partidário ou eleitoral para se manter ou fazer campanhas, separa a administração partidária de sua atuação política, entre tantos outros diferenciais. Por mais que cada um possa discordar desse ponto em específico, usá-lo para reduzir o Novo a “mais do mesmo” é um exagero sem tamanho.

Mandato de Segurança a favor de Leandro Lyra

Processo Judicial

Um outro fato relevante quanto ao caso específico de Leandro Lyra é que o diretório estadual do Novo/RJ tentou impedi-lo de concorrer ao novo cargo. A posição dos dirigentes foi, para preservar o partido, de não apresentar seu nome na convenção partidária.

Leandro, contudo, entrou com mandato de segurança (imagem em anexo), que foi acatado. Portanto, por decisão judicial, Leandro teve de ser apresentado à convenção, que aprovou sua candidatura.

Portanto, gostando ou não do ocorrido, ninguém pode afirmar que não houve resistência do diretório estadual do RJ ou discussões internas no partido contra a prática.

Atualização: O partido se posicionou dizendo que recorrerá da decisão da justiça. Mais informações no fim deste texto.

Mas, afinal, é uma prática imoral?

Aqui vai minha opinião. Você pode contestá-la, mas peço que, por favor, leia os argumentos que virão a seguir.

Minha postura é: não, a prática, em caso de cargo proporcional, e por si só, não é imoral. E não vejo também qualquer motivo para proibi-la.

Eu a consideraria imoral no caso de um cargo majoritário, como prefeito, governador, senador ou presidente. Nestas situações, cargo e ocupante são indissociáveis. O voto do eleitor é em nome do candidato, que assume um compromisso diante de seus eleitores.

Porém, cargos proporcionais, como vereador e deputado (estadual ou federal) funcionam de maneira muito diferente. O cargo pertence ao partido, e os votos que determinam quem irá ocupá-lo não refletem apenas o eleitorado do candidato eleito.

Para entenderem, peço que se atentem à tabela à esquerda. Nela, você encontrará o total de votos obtidos pelos candidatos do Partido Novo no Rio de Janeiro, em 2016.

Para se determinar a ocupação de cargos proporcionais, o total de votos da coligação define a quantidade de cadeiras ocupadas no parlamento. Como o Novo não fez coligação, então apenas ele entra no cálculo.

Definida a quantidade de cadeiras obtidas, os candidatos com maior número de votos ocupam-nas em ordem, até preencher todas.

No caso, em 2016, no Rio de Janeiro, o Novo obteve 87.989 votos, o que garantiu a ele uma cadeira na câmara de vereadores.

Leandro Lyra, o candidato mais votado, ocupou essa cadeira, tendo “apenas” 33,21% dos votos. Notem que 16,27% dos votos não foram a candidato algum, mas ao partido. Sem esses votos, e sem os votos recebidos pelos demais candidatos do Novo, Leandro Lyra não teria obtido a cadeira. A cadeira, portanto, pertence ao partido, e não ao mandatário, e pode, inclusive, ser transferida a seu suplente em caso de desfiliação.

Quem são os suplentes de Leandro Lyra? Candidatos do Novo, na ordem de votação. Portanto, pessoas que também receberam votos e têm um eleitorado.

No caso, o suplente natural seria Renata Guerra. Contudo, por desfiliação dela, a cadeira irá para Alexandre Freitas.

O suplente, portanto, passou por todas as mesmas etapas que Leandro, inclusive processo seletivo e curso de preparação, bem como assumiu os mesmos compromissos de redução de privilégios e atuação legislativa, e, assim como Leandro se beneficiou do total de votos direcionados ao Novo, herda também os mesmos votos.

Portanto, considerando que o cargo pertence ao partido, e que o suplente passou pelas mesmas agruras que Leandro, não considero a prática imoral. Considero, sim, que há um substituto de qualidade ao titular, que realizará uma atuação similar, pautado pelo mesmo partido, com os mesmos princípios.

Traição ao eleitor?

Então, abro outro questionamento: ainda que a substituição não seja imoral, não estaria Leandro Lyra “traindo seu eleitor”, os 33% dos votos que recebeu? Creio que a pergunta será respondida no pleito deste ano.

Se a atuação de Leandro foi exemplar, se esse eleitorado está satisfeito com ela, ele receberá votos. Senão, caso sintam-se traídos, o abandonarão.

Pessoalmente, considero o mandato de Leandro exemplar até aqui, e acredito que ele tem um potencial enorme no congresso nacional. Ao deixar seu cargo na câmara de vereadores, não reduz a atuação do Partido Novo no RJ. E, tendo sucesso na nova empreitada, estará ampliando a presença do partido, para benefício de todos nós.

Concluindo

Traição ao eleitor, na minha opinião, só ocorrerá se ele abandonar os princípios que o nortearam até aqui: redução de seus privilégios, combate a impostos e burocracia, defesa da liberdade individual e da coisa pública, responsabilidade fiscal. Enquanto esse compromisso se mantiver, Leandro Lyra pode trocar sua esfera de atuação, restrito, claro, ao limite estatutário de no máximo uma reeleição para o mesmo cargo.

Cabe a cada um fazer esses mesmos questionamentos. Espero que, expondo minha interpretação, eu tenha ajudado a formar a sua.

Mas, gostando ou não da atitude de Leandro, peço que considerem nessas eleições: votem 30! O partido não é perfeito (nada jamais será), mas ainda assim é o mais diferente e inovador, em princípios e práticas, entre todos os que temos por aqui.

Vote Novo!

Atualização — Posição oficial do partido

Pouco após eu terminar esse texto, o Partido Novo se manifestou nas redes sociais. E o partido discorda de mim. Eis:

Resposta do Novo sobre a questão Leandro Lyra

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Tiago Moreira
O Plano das Ideias

Contador de histórias. Cientista da computação. Liberal. Agnóstico. Também conhecido como “Deicide” por aí. Autor do livro “Zé Calabros na Terra dos Cornos”.