Um país vendendo a alma ao diabo

Tiago Moreira
O Plano das Ideias
Published in
4 min readOct 3, 2018

Vender a alma é colocar a melhor parte de si a serviço do mal. É condenar-se ao inferno futuro em troca de uma bonança passageira. É sacrificar seus valores e princípios por uma conveniência do momento.

E o diabo, ao propor o pacto, não é um monstro vociferando profanidades. Pelo contrário, ele aparece como um ser patético ou simpático e diz agir em seus interesses, oferecendo aquilo que você mais deseja, por um preço aparentemente irrisório.

De eleição em eleição, o Brasil vende sua alma a um demônio diferente. Votamos mal e pelos motivos errados, mas acho que nada me dá mais desesperança no futuro do país do que ver gente supostamente esclarecida vendendo a própria alma por desespero.

Para quem ler este artigo no futuro, explico: tudo indica que Jair Bolsonaro se elegerá presidente. Acredito que a vitória se dará em segundo turno, mas não é impossível que ocorra no primeiro.

Há mais ou menos uns 20% a 28% do eleitorado votando em Jair Bolsonaro por convicção. Creem que ele é o melhor candidato. Não é a essas pessoas que dirijo a crítica. É do jogo democrático cada um julgar as qualidade dos candidatos de acordo com sua percepção.

O que realmente me desmoraliza, tira-me a esperança, é ver gente que acredita em candidatos melhores e valores maiores vender suas convicções por puro medo.

A eleição não tem dois turnos à toa. No primeiro, debatem-se as ideias, e os pesos dados a elas se refletem no eleitorado. O percentual de votos de um candidato “perdedor” reflete anseios do eleitor, por isso faz uma tremenda diferença perder com 2% ou com 8% dos votos. Os candidatos que vão ao segundo turno precisam lutar para conquistar esses votos, e isso significa propor alianças ou fazer compromissos com aquelas ideias.

Se você pula a primeira etapa, significa que a fatídica escolha pelo “menos pior” não terá essa adaptação de ideias. Com o desespero, a população, incentivada pelo bolsonarismo, está literalmente desistindo de seus anseios e esperanças e entregando o poder a alguém sem pedir-lhe concessões ou compromissos. Bolsonaro não precisa ceder em nada, prometer nada, adaptar-se em nada.

Aqueles candidatos que perderiam com altos percentuais de votos estão sendo esvaziados do poder de moderar a disputa do segundo turno. Isso significa que, ganhando no primeiro ou segundo turno, Jair Bolsonaro (ou pior ainda, Fernando Haddad, se o gambito não funcionar), não precisará baixar a bola a ninguém, porque os percentuais dos demais candidatos já foram esvaziados antecipadamente.

Esse desespero não se justifica. A questão real é muito simples: se a maioria da população não quer o PT, deixará isso bem claro de qualquer maneira no segundo turno, não há necessidade nenhuma de adiantar o voto. Se quer o PT, então Bolsonaro perderá nos dois turnos. Nas duas hipóteses, o sacrifício será em vão.

Vender os próprios princípios por medo é um pacto com o diabo.

“Por favor”, gritam, “faremos qualquer coisa, aceitamos qualquer condição, mas salve-nos”.

“Muito bem, salvá-los-ei de seu inimigo”, diz o diabo. “Só peço-lhes o voto, coisa pouca, um esforço mínimo. Veem como sou generoso?”

É compreensível que as massas ajam por instinto. O mais desalentador dessa situação, contudo, é que intelectuais e influenciadores também estão se lançando nessa loucura. Quando nossos formadores de opinião, aqueles que deveriam estar instruindo as massas, são os primeiros a descartarem princípios e razão, o que esperar do futuro desse país?

Pois bem, as pessoas terão o que querem: eu acredito que Jair Bolsonaro vencerá, mas não por causa do voto desesperado. Ele venceria de qualquer maneira, é o único candidato realmente garantido no segundo turno, e o voto anti-PT seria dele naturalmente. O único resultado objetivo da covardia será dar ainda mais poder a ele.

O PT vai perder. E depois? Alguém está pensando no depois? Alguém está exigindo alguma garantia, algum compromisso do futuro governo?

“Ah, mas vamos lutar se ele sair do rumo”. Vão mesmo? O PT (ou “a esquerda”) sempre vai estar lá como um bicho-papão a ser usado contra a dissidência. Você pode apostar que ouvirá muitos argumentos do tipo “não critique o governo, ou o PT vai voltar na próxima eleição”, “apoie o governo, senão a esquerda vai ficar forte”, “essa oposição de vocês só está fazendo o jogo da esquerda”.

Quando enfim se der conta, o eleitor desesperado vai perceber o quão barato vendeu seus princípios, e o quão alto será o preço a pagar por isso.

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Tiago Moreira
O Plano das Ideias

Contador de histórias. Cientista da computação. Liberal. Agnóstico. Também conhecido como “Deicide” por aí. Autor do livro “Zé Calabros na Terra dos Cornos”.