O que aprendi conversando com 100 startups

Marcelo Henrique
Compartilhando conhecimento
7 min readJun 6, 2018

Recentemente, devido a um projeto, tive a oportunidade de conversar com mais de 100 empreendedores e co-empreendedores de startups em diversos ambientes de inovação da cidade de São Paulo. Durante o período de seis semanas entrevistamos startups de diferentes setores, propostas de valor e níveis de maturidade, ou seja, desde negócios em fases mais iniciais como ideação e validação de hipóteses de valor, até negócios em processo de crescimento acelerado. Foi uma experiência muito enriquecedora e também desafiadora. Mas o importante é que dela surgiram alguns insights.

Desta forma, o que irei compartilhar aqui são algumas percepções particulares dessa experiência e dos discursos de nossos participantes. Por isso, não são uma regra ou uma verdade absoluta. Mas desejo sinceramente que sejam utilizadas como um exercício crítico e construtivo para os nossos empreendedores em suas jornadas.

  • Não existe um método ou solução única para o desenvolvimento de uma startup. Podemos, sem dúvidas, encontrar diversos guias ou mapas de orientação que podem e devem ser utilizados pelo negócio nesse processo. No entanto é notável que na grande maioria dos casos eles são sempre adaptados conforme a necessidade da startup e dos requisitos do ambiente de negócio no qual desenvolve. Os princípios e a essência, contudo, continuam fundamentais. Assim, Scrum e Kanbam se unem e formam o Scrumbam e o Desenvolvimento de Clientes e o Startup Enxuta se unem aos 24 passos para construir uma startup de sucesso de Bill Aulet para criar um novo método, por exemplo.
  • Cada startup possui uma trajetória particular, o que a faz desenvolver suas próprias rotinas, processos e aprendizados, conforme as experimentações que ela realiza, os resultados que obtém e as exigência do ambiente no qual se encontra inserida. Desta forma, nesse continuum evolutivo, essas rotinas, processos e aprendizados acabam por se traduzirem em suas culturas e o seu modo de fazer, ou colocar em prática. Não por acaso podemos encontrar multi-microculturas dentro uma mesma mega-cultura que chamamos de startup. Isso se traduz também na originalidade dos processos e quanto mais difícil um processo fica de ser imitado, mais vantagem competitiva.
  • Ainda que possa parecer estranho, desenvolver processos de gestão mais robustos em etapas iniciais, o que não quer dizer adquirir inflexibilidade e alta burocracria já no início do negócio, pode minimizar dores potenciais futuras no processo de crescimento e amadurecimento da startup, que requerem consequentemente o desenvolvimento de processos mais estruturados para sua solução. Em outras palavras, ainda que a administração possa parecer inicialmente entediante ou mesmo uma barreira, quanto antes a startup desenvolvê-la, menor o impacto das dores causadas pelo crescimento natural do negócio e pela necessidade de administrá-lo.
  • Uma questão comum que desenvolvemos foi: é possível gerenciar no ambiente de incerteza? A resposta é sim. Ainda que muitas startups sigam a ideia do simplesmente faça, aumentando também seus níveis de tolerância quanto aos erros para vencer as incertezas e onerosidade dos mesmos, algumas ferramentas e capacidades podem contribuir para um gerenciamento mais eficaz. Dentre elas, o planejamento de cenários, o desenvolvimento de habilidades que permitam a leitura de padrões em dados obtidos, a construção de parcerias e o desenvolvimento da agilidade. Não menos importante, neste sentido, são os papéis da cognição gerencial do empreendedor e do time, que permitem que esses criem hipóteses sobre implicações futuras de eventos e tendências observados e as testem de maneira rápida para criar novos produtos, serviços e modelos de negócios. Outro ponto é a capacidade de transformar informações, em um primeiro momento desconexas, em conhecimento valioso.
  • A agilidade organizacional é sem dúvida uma capacidade importante para startups, pois, permite que elas se adaptem e se ajustem também de maneira rápida e dinâmica, com base em exigências externas ou mesmo internas. No entanto ser rápido sempre não é a solução para todos os problemas. É preciso avaliar o nível de agilidade requerido para cada situação, de modo a não comprometer a eficiência da empresa como um todo.
  • Spin-offs da solução inicial podem ser boas formas para garantir a competitividade e reduzir a incerteza de uma startup. Mas isso deve ser desenvolvido depois de a solução inicial ter sido validada e comercializada, para não quebrar o foco. A flexibilização da produção e até mesmo a terceirização de alguns processos, ainda que em etapas iniciais, também pode ajudar na redução de gastos e aumentar a competitividade.
  • Startups são experimentos e, por isso, Mínimos Produtos Viáveis e desenhos experimentais também são formas reconhecidas de minimizar a incerteza e o risco de apostar numa suposição equivocada. No entanto por mais que sejam formas reconhecidas para este fim, alguns negócios ainda falham no desenho e execução desses processos. A consequência são resultados enviesados, equivocados e retrabalhos. Em outras palavras, desperdícios de n naturezas.
  • O foco é certamente um dos principais aliados no desenvolvimento de uma startup. Todos sabemos que os recursos, sejam eles financeiros, de pessoal, tempo, etc., são limitados e isso certamente irá exigir que o negócio concentre esforços. Mas como direcionar esses esforços? Não existe uma receita simples, mas as principais dores e objetivos de uma startup em determinado período do tempo podem exercer papel fundamental nesse processo. Roadmaps, como são popularmente conhecidos, também são práticas comuns em startups que estão avançando de maneira rápida e orientada.
  • Escalabilidade não é apenas uma palavra de ordem. É um credo! E por isso deve estar em pauta desde o início do desenvolvimento do negócio e ser também usada como parâmetro para seleção de direções, oportunidades e mesmo demandas de mercado. Mas escalar não é simples e quando esse momento chega é comum o relato sobre a emergência de algumas crises. É preciso entender que as habilidades e capacidades necessárias, bem como as demandas organizacionais, mudam conforme a empresa cresce. Portanto, processos de decisão eficazes e processos de gestão eficientes, ou ainda uma infraestrutura condizente serão essenciais para apoiar o crescimento. Algumas falhas podem ser observadas pelo único fato dos empreendedores em negligenciar ou gerenciar essas mudanças de maneira ineficaz.
  • Escalar também requer recursos e para crescer rápido é comum recorrer a investimentos externos. Contudo esse fenômeno não se relaciona a apenas levantar dinheiro. Os investidores serão como um sócio e, portanto, também estarão interessados ​​na utilização eficiente dos recursos, em controles eficazes, gestão eficiente do capital de giro, projeções financeiras, além de comunicações e posicionamentos claros.
  • Mapear os parceiros-chave do seu ambiente pode ser uma atividade interessante para desenvolver uma nova solução ou mesmo acelerar o seu crescimento. Parcerias, quando bem desenhadas, podem contribuir para a solução de problemas e ganho de escala.
  • Em 100% dos casos o maior recurso das startups são as pessoas. Isso não é diferente nas empresas tradicionais e provavelmente não seja nenhuma novidade, mas em startups que se desenvolvem com recursos limitados, o comprometimento e o talento das pessoas que integram o time adquirem valor exponencial.
  • Fala-se tanto em incerteza que não é raro os negócios negligenciar os riscos. Contudo o rápido crescimento das startups associado ao desenvolvimento de soluções pontuais ou únicas, tornam os negócios vulneráveis ​​às fontes de risco. Apesar de um caráter dualista, podemos entender por um dos lados que o risco é a possibilidade de um determinado evento acontecer e comprometer a consecução de um ou mais objetivos. Portanto, ao entender um startup como uma instituição que trabalha para alcançar um ou mais objetivos, concluímos que ela não é isenta de riscos. Isso, portanto, requer uma gestão de riscos, e não apenas incertezas.
  • É comum associarmos startups a uma imagem de uma instituição com pessoas muito jovens e com licença e liberdade poética para criar e quebrar regras. Isso ainda pode ser visto, mas é cada vez mais comum observar profissionais mais seniores e com ampla experiência de mercado criando novos negócios. Essa expertise os permite enxergar e desenvolver soluções em cima de dores de mercados e de corporações já validados, o que possibilita uma noção e entendimento muito interessante dos potenciais clientes — e uma aceleração nas etapas inicias. Em outras palavras, esses potenciais clientes deixam de ser totalmente ocultos e as soluções ganham mercado de forma mais rápida. Além disso, geralmente são startups que já nascem mais maduras administrativamente, em termos de processos e gestão, e nem por isso deixam de ser cool.
  • De uma maneira simplista podemos entender inovação como uma função do produto entre invenção e comercialização. O que quero dizer com isso? Você pode até ter uma invenção ou mesmo uma ideia extraordinária, mas se não souber vendê-la, não será uma inovação e, consequentemente, não irá empreender.
  • A ideia de que nenhum plano de negócios possa resistir a um primeiro contato com o mercado pode parecer universal. Isso, no entanto, não elimina a necessidade de um planejamento mínimo da empresa, ainda que em fase inicial, e um estudo orientado do mercado e problema a ser solucionado. Percebemos isso não na prática, mas nas histórias de nossos participantes.
  • Por ser um experimento cotidiano, o que uma startup gera, em última análise, é nada menos do que conhecimento. E esse conhecimento precisa ser gerenciado. Apesar de não ser comum dar atenção a esse aspecto, devido às emergências diárias do negócio — principal justificativa para isso — , as startups que cuidam desse aspecto conseguem ainda ser mais rápidas, reduzem desperdícios e diminuem os erros.
  • Por fim, uma constatação universal: uma das principais razões para o sucesso de um novo negócio é a combinação de espírito e habilidades. A ausência de um ou de outro poderá encerrar uma empresa ainda mais rápido, ainda que a ideia seja brilhante.

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