Quarentenado todo sujeito é louco
Acordo aqui. Mais um dia com todos os meus sonhos detidos. Presos nestes 50, 60, ou sei lá, 70 metros quadrados de reclusão. O mundo lá fora está suspenso, quieto e vazio. Evidentemente recolhido, obrigatoriamente retraído.
Da sacada, vejo uma coleção de outros tipos de solidão. Fotograficamente sozinhos. Desfilam suas ansiedades numa repetição de cenas enjoativas e param frequentemente diante das janelas sobre o equilíbrio frio dos dois pés, pairam desacelerados, sem saber sequer o que fazer para despejar a insegurança com mala e tudo daquele lugar.
Um medo evidente de um inimigo desconhecido. Invisivelmente aparente. Minusculamente colossal. O vento chacoalha a cortina e pelas beiradas dos batentes das portas, tudo nos assusta. Intoxicam nossa mente devagar. Nada parece séptico o suficiente para limpar a alma amedrontada.
Assisto o tédio tocar a campainha, sentar no meu sofá e colocar os pés sobre a mesa de centro sem qualquer higienização. As notícias não são mais bem-vindas nos dispositivos. Sobra um pouco de dolo que burla a sanidade.
Começo a pensar que o mais irônico dessa situação toda é que longe das pessoas, somos bem mais solidários. Aparentemente compassivos. Tudo fica mais evidente em um tempo enclausurado em si. Queremos sair, não só de casa, mas da obrigação de ter que morar em si.
Precisamos relembrar o estamos desacostumamos a notar. Num celibato de liberdades enriquecemos involuntariamente o poder das nossas escolhas. Arranque de um sujeito o poder da liberdade e terá apenas restante um pouco de angustia.
Tratei de anotar num canto da mente um lembrete, uma promessa para ser menos descompromissado e mais disponível para as oportunidades da vida. Sairei daqui com o peito estufado de quem tem uma pena bem cumprida.
Há fome, mas de saúde. Há trabalho, mas sem caprichos. Há fé, mas sem religião. O mundo lá fora gritou por ajuda. Agora, aqui de dentro, quem esgoela é a gente. Um dia tudo vai voltar ao normal, mas, sinceramente, espero que a gente não.
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