Easy e o tesão nosso de cada dia
Minha condição modesta e suburbana está longe do estilo de vida presente em séries como Easy. Sou inundado por estímulos os mais diversos quando essas narrativas mostram gente com uma ocupação interessante, morando em apartamentos descolados como nos filmes de Woody Allen, frequentando exposições, shows, cafeterias, noites de lançamento em livrarias no bairro onde vivem, e conhecendo pessoas agradáveis. Essas sensações alargam minha experiência como espectador e me fazem ter, pelo menos por um breve instante, a ilusão de que foram geradas a partir de minha realidade.
Cultivo o prazer de espiar o cotidiano de personagens urbanos há um bom tempo. Aos poucos fui percebendo que meus filmes e séries preferidos retratavam a vida na cidade; não só isso, contavam histórias em que o aspecto poético era destacado. O exemplo mais afetivo pra mim é Anos Incríveis, série exibida pela TV Cultura — e outras emissoras — durante as tardes de semana. O maduro Kevin Arnold, personagem principal, narra os dias de sua infância até o início da fase adulta. Sua vida escolar e familiar, seus amigos, sua paixão por Winnie Cooper, amiga de infância, suas desilusões, suas brincadeiras na rua, e a guerra no Vietnã como pano de fundo, pintam o retrato suburbano da geração norte americana do final dos anos sessenta, início dos setenta.
Encontro em Easy todos esses elementos que me fazem gostar de uma narrativa. Ambientada em Chicago dos dias atuais, reúne histórias avulsas ligadas por temas em comum, como sexo, amor e relacionamento. Os personagens compartilham os espaços públicos sem necessariamente se conhecerem. O protagonista de um episódio pode aparecer em outro como coadjuvante, criando a ideia de universo. É excitante ver que o motorista de Uber não sabe que a escritora sentada no banco de trás é também uma acompanhante de luxo a caminho de um cliente. O erótico vem desse estranhamento, dessa tensão de coabitar as ruas da cidade com desconhecidos abertos a experiências sexuais inesperadas.
Acho os gestos comuns do dia a dia mais sensuais do que os que vejo em eventos programados. Nada supera uma garçonete cuidando das mesas onde trabalha. Há quem prefira as baladas, as festas de formatura. Não eu. Quero conhecer alguém na estação da luz, no trem que vai pra Jundiaí, em plena terça-feira, e viver uma paixão que vai durar cinco meses e acabar no Sesc da Av. Paulista, num banquinho de madeira, no piso de cima da exposição do Sebastião Salgado, enquanto os carros, feito vagalumes, enfestam a rua lá embaixo.
Easy é uma série americana de comédia e drama escrita e dirigida por Joe Swanberg.
A série se passa em Chicago e acompanha grandes atores interpretando histórias complicadas de amor, relacionamento com eletrônicos e sexo.
Onde: Netflix
Temporadas: 3
