S02E07 — Edwyn

SONGs OF ICE & FIRE
O Resgate do Herdeiro
11 min readMar 3, 2015

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Não vamos aguentar por muito mais tempo. Calculei diante da drástica situação. Estamos nos arrastando… O corpo de meu sobrinho era pesado, com cota de anéis e escudo então… Nem mesmo com a ajuda do Sacerdote éramos capazes de carregá-lo e fugir ao mesmo tempo. Então Jared nos deixou para trás, na tentativa de parar o leão mais a frente, antes que nós o perdêssemos de uma vez. Já estou ficando exausto de ser deixado para trás. Mas havia um motivo para ser assim: A ferida do tigre na arena.

A atadura já havia cedido e quando o couro da bota roçava na carne viva, eu sentia como se fosse uma nova mordida. Além disso, a pele pendurada estava totalmente frouxa dos nós feitos com a agulha-quente em minha carne. Correr era impossível, carregar Daronn era difícil e até andar sem apoio, era desafiador. Um tigre não pode morrer pela mordida de outro. Deixei meu sangue pelos becos astaporis atrás de nós. Mas nunca deixaria meu sobrinho.

Depois de alguns instantes na escuridão, Sepulcro e eu sentamos no imundo solo daquele beco para recuperar o fôlego e descansar Daronn. Então finalmente, o sacerdote aparecera com boas notícias: “Ele está mais a frente, para dentro de um quintal, nos aguardando… O terreno está limpo até lá.” O próprio sacerdote estava afoito. “Não há um calçada limpa nesta cidade sebenta… Vamos, me ajude a levantá-lo.” Respondi a ele, estendendo a mão, pois eu também precisava de ajuda. Os minutos que ficamos esperando por sua volta, só intensificaram minha dor.

Sepulcro, apesar de manco, mostrou estar com mais forças que eu. Ajudou-me, tomando o corpo de Daronn nos ombros com Jared, ao passo que eu retirava Fulgor Sombrio das costas e a usava como bengala. Obviamente que com baínha, afinal, prefiro estragar minha perna do que minha lâmina. Já havia colocado isto a prova, quando perdi meus braços pra escamagris. “Vamos, é logo ali…” O sacerdote sussurrou, então observei. Teríamos de cruzar outra avenida de carroças e por mais que a rua estivesse escura e silenciosa, o quintal para onde Jared apontara pertencia a uma casa de prazeres, repleta de movimento — Percebi pelo símbolo da serpente na entrada, tão libertinoso. “O cavaleiro decidiu parar para uma foda? Vamos ser pegos se formos por ali.” Retruquei, impedindo que os dois atravessassem a viela imprudentemente. “A portinhola está aberta, limpe seu rastro e nos dê cobertura…” O sacerdote pediu.

Estava claro que ia dar errado, debrucei-me sob o muro a minha esquerda e espiei a esquina, dois guardas vinham do outro lado da muralha do quintal, como se procurassem por nós. Todavia, antes que eu pudesse alertá-lo, Jared avançou com Sepulcro, carregando Daronn moribundo. Quase… O que estou pensando? A portinhola está aberta, eles conseguiram. Agora é minha vez.

Os guardas passavam pela rua a frente. A adrenalina voltou. Cercado em meio ao beco fedorento, ao som de cigarras e gatos-de-telhado… Dois guardas e já era. Não estava em condição de fugir de um, o que diriam dois. Não posso ser visto. Antes de atravessar a viela, puxei uma casaca de couro de um varal, cobri-me por completo com ela, mas sem vesti-la. Agachei-me e paralisei. “Sou um monte de lenha, um monte de lenha eu sou. Não me venha de resenhas, madeira não fala não senhô.” — A brincadeira de minha irmã Donatella veio-me a cabeça. Senti o olhar dos astaporis sobre mim. Quase enterrei fulgor sombrio no barro. Eles passaram… Foram embora, percebi pelas vozes sumindo. Deu certo.

Logo em seguida, atravessei seguramente a rua, passei pela portinhola e fiz barulho ao fechar, pois um soldado Lannister de careca suada e olhos firmes prensou-me no muro do quintal, assim que entrei. O que está fazendo? Você quase me feriu…” Eu disse assim que ele permitiu, tirando o ombro de meu pescoço. A ferida está na perna. Não tinha como esquecer, qualquer contato, queimava. “Você mais parecia um monte de lenha com esta capa de lona, assustou-me…” Ele retrucou. Que coincidência sublime. Não troquei mais palavras com aquele velho, apressei-me em dobrar a tal capa e colocar debaixo da cabeça de Daronn, que estava recostada na pedra. Ele soa muito. Acorde de seus pesadelos, sobrinho. Suas pupilas saltitavam para todos os cantos de sua órbita ocular.

O perímetro era pequeno, mas não era raso. A muralha de tijolos vermelhos tapava a maior parte da visão, fora ela, havia o muro da Casa dos Prazeres. Para dentro do quintal, estendia-se um corredor sombrio. Lá discutiam Jared e o Cavaleiro Lannister. “Ele tem que acordar. Acenda sua chama nele!” “Não sei o que você quer dizer com isso, sor.” “Faça alguma coisa, não posso carregá-lo e esperar chegar à minha fragata.” E seus homens? Pensei ao ouvir tal diálogo de murmúrios e olhar pros carmesins. O careca continuava no portão. Outro soldado carmesim garantia que a porta da Casa para o jardim não fosse aberta. Sepulcro me auxiliava abanando seu amigo. Temos tempo. Minha perna me dizia que não. O calor me tonteou e quase desmaiei enquanto tinha Daronn no colo. A boca estava seca e os olhos cheios de suor, ardiam. Eles não paravam de discutir… Acorde Daronn. De repente suas pupilas pararam e ele começou a murmurar baixinho:

“Pai… Mãe…” Parecia que orava aos Sete, mas então: “Lyz… Aeron… Torgon… Ibbe… Edwyn…” Ele lembrou de mim? Ou disse meu nome pois abriu os olhos? “Estou aqui, Daronn. Procure repor sua força.” Então nosso arqueiro manco percebeu que seu amigo acordara. “Sor… Graças aos deuses!” Então a alegria partiu em seu tom de voz, ele continuou: “Eu sinto muito, sor! Eu trouxe seu escudo.” Eu nem tinha percebido isso… Daronn voltou com tudo, levantou-se com rapidez e apoio de Sepulcro, mas não me ignorou. Mostrou-me um sorriso satisfatório de gratidão.

“Não foram os deuses que me trouxeram de volta, fora a esperança de voltar para a casa.” Meu sobrinho respondeu; Graças ao Leão que o apressava, Jared foi rude: “Ou seus amigos que te carregaram… Vamos logo! Temos de continuar fugindo…” Então seguimos para dentro da escuridão, naquele corredor do quintal que beirava a muralha. Eu fui logo atrás de Daronn que seguia o Sacerdote Vermelho que por sua vez, estava atrás de Sor Tygget. O corredor era longo, mas logo chegamos a um beco mais largo que servia de fundos para a Casa de Prazer e outro estabelecimento a frente. O cheiro de fossa era maior por ali. Este cheiro… Esterco de cavalo. Lembrava-me que minha ferida estava repleta do mesmo graças ao curandeiro. Preciso tirar isso de mim. “Faltam os vermes, precisamos ser rápido se ainda quiser andar…” Ele disse. Maldição! Só posso esperar que Sor Tygget tenha um meistre à bordo.

Só de pensar na ferida, ela doía mais e apesar de Fulgor Sombrio ser um bom cajado de apoio, eu estava definitivamente debilitado. Já Daronn parecia vivo novamente… Certo, na escuridão não dava para ver sua palidez, mas sua respiração era constante e vívida. Então apoiei-me em meu sobrinho que para meu contento, praticamente carregou-me nos ombros a partir de então. Os dois estabelecimentos partilhavam os mesmos fundos, e por lá, nós fugíamos.

Em uma espécie de coluna, o soldado careca ficou para trás no quintal, garantindo a retaguarda, enquanto nós avançávamos na travessa, desviando de latrinas e vira-latas, cruzamos com cavalos que se agitaram quando farejaram nossos ferimentos. Há muito sangue em nós, até eu posso senti-lo. Apesar de ser mais o sabor na boca do que o cheiro nas narinas, devido ao olor de estrume e mijo impregnante do local. Antes de cruzar com os bichanos, o Sacerdote virou para nós três e sussurrou: “Cuidado com os cavalos…” e assim, evitamos o contato ao cruzar a cocheira. Que caminho é este? Eu gostaria de saber.

Oposto aos estribos, ficava o fundo da Casa da Serpente e uma porta dava acesso ao sanitário a céu aberto onde estávamos. Acontece que exatamente esta porta se abriu após o grito oco em nossa retaguarda. Houve batalha no quintal. Percebi. Daronn tentou fechar a porta de reflexo, mas acabou por espremer a cabeça do cidadão na parede e o mesmo gritou: “AN JY DESH?! AIII!” Eu pensei que meu sobrinho ficaria sem reação mais uma vez diante do idioma antigo, porém, desta vez ele disse: “İçeri deli gidin! Burada yürütülüyor bir savaş var!” E fez um sinal para que o bebum se calasse. Sabiamente, aquele homem obedeceu meu sobrinho e permaneceu com vida, pois o Machado de Ouro seria seu destino se fizesse o contrário. Ele poupa vidas, que justo Lorde pode ser um dia.

O careca chegou suado e fazendo alarde demais. “Matei mais um deles! Há mais vindo!” No mesmo tempo em que Sor Tygget sumia para liderar a vanguarda, Daronn estava em todos os lugares e como segundo líder, ajudou o careca a não perturbar as montarias e juntar-se a nós. Jared que ficou segurando a porta. Eu e Sepulcro avançamos de ombros colados, como siameses lesionados em pernas opostas. Nós atrasamos todos, talvez seja melhor ficarmos para trás. Mas o arqueiro sequer tinha um arco e eu não saberia para onde ir. Portanto, tentamos nos apressar.

Daronn nos alcançou antes de chegarmos a Sor Tygget e nos deu mais apoio com sua força. A Casa dos Prazeres já estava um quarteirão para trás, mas continuávamos dentro da podre e tortuosa travessa. Todavia, apesar de um terreno obscuro, tínhamos cobertura. Carroças, canis, barris, arbustos secos e muita sombra graças a noite nublada. O único som agora era a cantoria das cigarras ao longe. As moradias pareciam vazias ou todos dormiam daquele lado. A coluna manteve-se até uma esquina iluminada. O soldado, que nos servia de batedor, não atravessou o feiche de luz, ao invés disso, recuou e disse-nos: “Guardas vindo por aqui!” Desgraça! Pensei. “Avançar! Continuem!” Rugiu o Leão.

Daronn nos puxou rapidamente. No instante seguinte, nós três já tínhamos cruzado a esquina iluminada para continuar nas sombras do beco. Sor Tygget foi a frente de nós, mas antes ordenou a seus homens: “Tampem o beco! Barreira de Escudos! Aguardem o sinal!” Odeio homens que lutam com sinais. Lembrava-me Sor Victor Clegane. De qualquer forma, os três soldados carmesins entenderam, pois formaram a posição, garantindo a passagem do Sacerdote e do Careca que vinham atrás. Abandonamos o confronto ali, buscando velocidade e uma chance de despistá-los de novo.

Entretanto, a batalha veio até nós poucos segundos depois. Demos de frente com um lanceiro solitário e o Machado de Ouro caiu sob ele. Daronn nos largou e correu para ajudar. Sor Tygett esquivou da lança e meu sobrinho deu uma escudada que derrubou o guarda no chão. Então sua jovem cabeça rolou travessa abaixo para o deleite dos ratos que observavam às escuras. A luta dos soldados podia ser ouvida do ponto onde estávamos, gritos de dor ecoaram beco adentro. “Para cima!” Gritou Sor Tygett.

“Rápido!” Apressou Daronn: “Escutem o Leão, subam!” Mais guardas caíram sobre os dois. Surgiram um de cada lado, Sepulcro obedeceu, mas eu não podia. Fui ajudar meu sobrinho. Desta vez, ele precisa de mim tanto quanto eu preciso dele. Saquei minha lâmina sombria e avancei sob as costas do lanceiro que o confrontava. A passagem estava feita, menos uma vida, mais uma morte. O sangue fluiu, nos cobrindo. O cavaleiro Lannister dera cabo do outro em seu tempo. Todavia, podíamos ouvir mais homens marchando, cada vez mais alto. Os terraços, sim! Agora eu via a melhor saída.

Lá de cima, o manco alertou: “O Sacerdote ficou pra trás…” Teríamos de enfrentar o pelotão que se aproximava de algum lugar. “Edwyn! Suba! Eu e Sor Tygget cuidaremos dele!” Daronn disse sem dar as costas ao inimigo. De fato, eu estou ferido, mas… “Vamos entrar… Podemos nos esconder…” Apontei para uma porta próxima a nós, parecia uma opção válida nos esconder até que nos esqueçam. “Para cima, Edwyn! AGORA!” Daronn disse no exato momento em que conseguiu derrubar outro guarda, causando a fuga do que eu enfrentava. Onde está a honra da Harpia?

Eu não fui ferido naquele confronto rápido, mas não era preciso. Meu corpo inteiro doía, só minha espada que continuava leve. Quando Daronn seguiu pela esquerda e Sor Tygget pela direita, cada um selando uma entrada diferente para onde estávamos, acolhi a ordem de meu sobrinho. Não posso correr atrás dele. E até subir a escada foi difícil nos primeiros degraus, mesmo com o apoio da espada. Cheguei ao telhado e credito isto ao nosso arqueiro manco, que me auxiliou bastante, mas não parava de perguntar: “Onde está Daronn? Onde está o sor? Onde está Daronn?”

Eu não consegui acalmá-lo, quem fez isso fora o Sacerdote que juntou-se a nós logo em seguida. Os homens carmesins nos alcançaram depois e por fim, Daronn e Sor Tygget uniram-se a nós novamente. Atravessamos lentamente os terraços, mais uma vez, tentamos ser discretos. E dessa vez, fomos mais bem-sucedidos. Acontece que os casebres astaporis eram planos no nível superior, onde a maioria secavam suas roupas e enchiam as cisternas. Muito deles eram até interligados por pinguelas, o que facilitou.

Em pouco tempo, a brisa do mar chegou até nós, lavando-nos a alma e empolgando à mim e a Sepulcro, que éramos os mais feridos. As únicas pessoas com quem cruzamos eram garotos jogando cyvasse em um dos terraços, mas os meninos ficaram congelados diante de tanto sangue. Fizeram o melhor que podiam. Passamos sem gritos ou mortes.

Ainda em cima dos casebres e estabelecimentos, com as pirâmides em nossas costas, avistamos as velas carmesins em meio a penumbra do porto. Havia movimento para todos os lados lá embaixo, incluindo alguns guardas que certamente procuravam por nós. Como fui o último a me juntar ao grupo, eles já estavam traçando planos para atravessar o farol de vigia. Algo como capturar um guarda arqueiro, com seu arco causaríamos disturbio no povão — e morte; Com o uniforme, um de nós chegaria até a fragata e traria ajuda. Arriscado e individual este plano. Como era de se esperar, Daronn indagava Sor Tygget com mil possíveis falhas. Jared e Sepulcro somavam a voz do herdeiro, apontando só problemas. Eu não tenho uma idéia melhor, portanto ficarei quieto. Ou tenho?

Reparei nos roedores daquela terraço. Haviam rombos em cestos jogados num canto. E um covil deles em outro barril. O edifício em que estávamos era alto e seu terraço, provavelmente um cômodo abandonado a julgar pelo estado. Perfeito. Lembrei-me de meu treinador, Sor Donovan, que causou uma confusão no baile de casamento da filha do Magíster para evitar o assassinato de minha mãe. Ele usou ratos, podemos usá-los aqui também.

Cerquei um roedor no canto, haviam pelo menos duas ninhadas no alpendre. Avancei sobre ele duas vezes antes de conseguir pegá-lo. Um camundongo magro e suado, minha manopla de malha evitava a mordida. Com o rato preso pelo rabo, apresentei meu plano para Daronn e depois para Sor Tygget, ambos o acataram. E elogiaram-no. Diga-se de passagem.

Abaixo de nós, estendia-se uma venda de sopas a céu aberto. O cheiro era bom, mas em breve, todos vomitariam. Só precisávamos decidir, quem ficaria para jogar os ratos de lá de cima e assim, causar a muvuca, nos dando cobertura. Um plano genial. Mas quem ficaria? Enquanto os soldados carmesins capturavam o resto da ratada, meu sobrinho ofereceu-se. “Eu fico e alcanço vocês.” Honrado. Infelizmente, se eu ficar, não alcançarei ninguém. Então mantive-me quieto, Sepulcro protestou: “O Lorde é o único motivo para fugírmos, se ficar para trás, tudo poderá ser perdida da mesma forma.” Lorde… Estranhei o título dado ao meu sobrinho. Por fim, Jared apresentou-se: “Eu ficarei. Com o fogo de Rh’llor, garantirei que ninguém os veja.”

“Não será preciso o uso de seu fogo, Jared. Os ratos darão conta do recado, já chega de fumaça por hoje.” Alertei antes que fizesse bobagem, mas Sor Tygget disse: “Na verdade, a fumaça nos permitiu chegar até aqui e certamente ajudaria.” O careca completou bajulando o capitão: “Certamente. Esses ratos são pegos facilmente…” e mostrou quantos já tinha capturado. Três. Ninguém fica para trás. Estamos juntos nessa.” Daronn tentou não parecer ingênuo, concluindo de maneira firme. Contudo, o Sacerdote já tinha decidido: “Eu ficarei. As chamas do Senhor da Luz serão sua salvação. Meu destino é ficar.” Daronn bambeou: “Não sabes o que dizes…” Jared finalizou: “Eu não poderia pedir mais. Por favor, dê-me essa honra de lhe ajudar uma última vez.”

E fora assim, deixando meu alto e querido amigo para trás, que chegamos até a fragata Lannister. Nunca o esquecerei, Sacerdote. Ainda nos veremos, tenho certeza. Não pude olhar para trás, mas senti seu calor esquentar-me até o momento em que o leite da papoula do meistre a bordo, apagou-me por completo. Ainda nos veremos…

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