S02E08 — Daronn

SONGs OF ICE & FIRE
O Resgate do Herdeiro
15 min readMar 11, 2015

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Acordar em um navio deveria ser maravilhoso depois deste período negro de escravidão que vivi, mas não era. A verdade é que só consegui dormir graças aos medicamentos que tomei. E mesmo assim, pesadelos me atormentaram. Ainda no leito, refleti sobre eles antes que os esquecesse. Esquecer até a próxima noite, é claro.

O primeiro desses terríveis sonhos fora o de sempre. Solomon tinha sua adaga no pescoço de minha mãe e minha espada foi ao chão. Mais uma vez em utopia, lutamos até a morte. O segundo tormento fora pior ainda. Eu era torturado por Balaquo que estava a procura de Jared. A aflição foi tão grande que eu acordei no meio da noite, repleto de dores no corpo que pareciam ter sido causadas pela faca de Balaquo durante o pesadelo. Mas eram apenas as mazelas da fuga, Astapor ficou pra trás. E o leite-da-papoula que não fazia mais tanto efeito. No entanto, forcei meu sono novamente, qualquer momento em casa era melhor do que a realidade. E de fato era, pois voltei a ver meu pai e Dente-de-Sabre. Na verdade estávamos no dia em que ele me entregou a espada. Tudo que ele falava, eu não ouvia. Apenas o abraçava e aproveitava aquele vislumbre — Eu sabia que estava sonhando. No fim da conversa, quando nossa espada valyriana estava em meu punho, ele jogou-se da janela. Eu acordei num susto forte. Meu pai está morto.

Nessa ocasião, o Sol espreitava por trás das pesadas cortinas do cômodo onde eu estava e decidi que não dormiria mais. Levantei-me desacostumado com o balanço do oceano e quase tropecei ao não perceber um degrau. O quarto era grande e confortável, a mobília bem fixada para evitar acidentes. Sebastian roncava por ali. Meu fiel amigo, sempre ao meu lado. No final das contas, ele era o menos ferido entre nós. Onde está Edwyn? Busquei meu sobrin… ‘Tio’ pelo aposento, porém não o encontrei. Vou procurá-lo. Precisamos nos manter juntos.

Procurei minhas botas e tive que ir até um grande armário atrás de persianas onde guardaram minhas coisas. Cota de anéis, escudo, camisa de linho, jaquete acolchoada… Minhas botas. Eu havia conquistado elas após uma luta contra um Lyseno macabro, o couro era de um negro quase azul e as fivelas de prata polida. Quando as sacudi antes de calça-las, um inseto-do-mar caiu de dentro delas. Andava de lado e de forma lenta. Está ferido. Calcei as botas e decidi pregar uma peça no meu amigo preguiçoso. Deixei o inseto inofensivo em sua cama e sai do quarto.

Havia um pequeno saguão coberto por tábuas da mais fina madeira. O mesmo nível seguia na tapeçaria e na prataria do candelábro e lustre. Mesmo assim, a brisa do mar me levou pra fora dali. Preciso respirar ar puro, engoli muita fumaça ontem. Foi quando lembrei que o sacerdote não estava ali conosco em segurança. Onde será que ele irá dormir agora que sua vigília acabou? Será que ele irá procurar Balaquo como em meu sonho? Eu me perguntava enquanto rumava pro convés.

Agora sob a luz da alvorada, percebi que a cabine de meu aposento situava-se na popa da navio que, de tão grande, não dava para ver a proa dali de onde eu estava. Deve caber quinhentos homens neste barco. E de fato, a tripulação já se amontoava ao meu redor. À estibordo, pude ver vários servos e serviçais lavando peças de roupa, costurando outras, varrendo o tablado e pendurando panos para secar. À bombordo, esquinava-se o setor de carpintaria, com trabalhadores uniformizados, trajando detalhes no carmesim Lannister. E de lá, um bigodudo curioso, veio falar comigo.

“Bom dia, me chamo Nestor e sou um dos engenheiros desta nau.” Apresentou-se com seu bigode esvoaçante. “Bom dia! Eu sou Daronn.” Devolvi de bom grado. “Sei bem quem você é, rapaz. É o verdadeiro motivo de estarmos aqui… Como o capitão disse: ‘Você é a missão’ … Mas não devo lhe chamar de Sor Daronn ou Lorde Daronn? Não ficou claro.” Nestor perguntou diretamente. “Como eu me apresentei está bom, apenas Daronn.” Preciso de colegas o mais rápido possível. E o engenheiro parecia ter décadas de serviço a Sor Tygget. Mas logo aproximou-se outro homem, de barba feita e boina vermelha que provou ter uma patente mais alta que Nestor, apesar de mais novo. “Sou Willem de Porto Real. Engenheiro-Mor desta composição. O Lorde já tomou o desjejum? Posso mandar levar no seu quarto.”

“Títulos não são necessários, Will. Este jovem é diferente, ele é dos nossos…” Retrucou o engenheiro bigodudo de forma amigável. “Mas o quê?!” Willem virou para seu subalterno com aquele olhar de chefe, mas eu intercepitei: “Ele está certo, somente Daronn basta por hora. A comida é muito bem-vinda.” Meu estômago estava tão cheio quanto um deserto dornês. De repente, começou a gritaria das cabines:

“Traidores!! SOR!! FOMOS TRAÍDOS!! DARONN!! CADÊ VOCÊ?! TRAÍDORES!!” Sepulcro veio alarmado. Não aguentei e comecei a rir… “Por que está rindo, sor?! Eles colocaram um escorpião em meu leito! Traídores!” E então cuspiu na direção de Nestor. O bigodudo ficou irritado, mas antes que partisse para cima do manco, eu interrompi: “Fui eu Sepulcro! Hahaha! Era só uma brincadeira! Você não está ferido, já devia estar de pé ajudando estes bons homens!” Apontei para os carpinteiros com um largo sorriso no rosto. A cara de Sepulcro era impagável.

“O sor colocou um escorpião para me envenenar?! Não entendo…” O manco perguntou confuso. “Não há escorpião algum! Apenas um inseto-do-mar! Você nunca viu um desses? Só dão beliscadas divertidas. Hahaha!” Willem completou: “Vejo que acordou de bom humor… Providenciarei seu desjejum.” Ao citar comida, a frustração de meu amigo se fora rapidamente. “O que está sendo servido? Sinto cheiro de peixe…” Ele indagou o carpinteiro-mor com ansiedade. “O café do Lorde será servido nos aposentos, mas para você é por ali.” E indicou a escotilha para o porão.

“Negativo. Por que meu amigo deve comer lá embaixo?” Questionei Willem. “É como as coisas são feitas por aqui. Para facilitar o serviço de todos.” O bigode se meteu: “Daronn é diferente, Will. É um dos nossos!” Entretanto, seu chefe ordenou-lhe: “De volta ao serviço, Nestor. Quero a lenha para o almoço em blocos. Rápido, você devia ter feito isso ontem.” Foi aí que percebi que eu realmente estava atrapalhando as tarefas da tripulação, então apenas disse ao me juntar a Sepulcro: “Sirva-me um café para dois no quarto, Will. Vou comer por lá.” Ele fechou a cara, enquanto Sebastian abriu um sorriso. “Vamos Sepulcro, vamos pra dentro.” O engenheiro-mor ainda resmungou algo como: “Não tão diferente assim…” Mas não olhei pra trás ou dei satisfação. A boina carmesim subiu a cabeça desse aí. Refleti.

“Como está se sentindo, Daronn?” Sepulcro me perguntou assim que entramos de novo no luxuoso quarto de hóspedes da cabine. “O arranhão parou de arder com a pomada. Sinto mais pesar pelo meu pai…” Sebastian consolou-me: “Ele foi um lorde tão justo quanto você será, Daronn. Se hoje estou aqui ao seu lado, é graças a ele.”

“E você não preferia estar em casa? Isso não parece nada bom, Sebastian.” Lembrei-lhe apenas para desconcertá-lo. Não gosto de choramingar, como meu avô dizia: ‘As fraquezas de um Senhor só não devem ser mistério para ele mesmo.’ “Quero dizer… ele que me elevou a capitão de sua artilharia e nos uniu em missão, ele confiou em mim.” Meu amigo manco tentou se explicar. “Assim como eu confio. Agora, sabes onde alocaram Edwyn? Ele ainda está com o meistre?” Então, como num sinal do destino, a porta do quarto se abriu e meu ‘tio’ entrou.

“Aquele maldito bobo me pregou uma peça. Quase matou-me de susto!” Já chegou resmungando como meu outro tio. “Ele realmente é assustador…” Sepulcro somou ao me ouvir rir. “Para mim, bobos não passam de homens azarados e lazarentos com algum talento barato.” Bateram na porta. “Deve ser a comida…” disse o manco faminto. “Entre!” Permiti. Pois era o desjejum que chegara.

Tão bem servido que foram preciso dois garotos para carregá-lo. Peixes fritos, purê de nabos e outras verduras. De doce haviam maças verdes picadas com canela e mel, outras frutas mais essianas como os melões amarelos de Astapor fatiados em vários pedaços. Para beber, água fresca, hidromel ou vinho. Enquanto comíamos, indaguei ao meu ‘tio’ sua história e ele começou a contá-la abertamente para mim.

“Há quase uma década atrás, naveguei de Westeros para Braavos com minha mãe. Avahan estava entre nós, partindo para seu exílio.” Começou. “Sua mãe também fora exilada por meu avô?” Perguntei curioso. Queria encontrar mais verdades naquilo. “Não sei dizer… Eu tinha o quê? Seis, cinco anos?” Ele respondeu e como tomou ar para continuar, eu deixei que continuasse: “Eu era uma criança criada na Vila, nos salões de um bordel. E a maioria das meretrizes acompanhou-nos naquele grupo, então eu acreditava estar viajando, não sabia o porquê e nem procurei saber. Aguilara, minha mãe, disse-me: ‘Nós voltaremos. Fique sossegado.’ e ela estava meio-certa, por que dez anos depois, eu voltei. Mas ela morrera antes…”

“Sinto muito, não imagino o que é a dor de perder uma mãe.” Eu disse ao saber da tragédia. Meu apetite que era grande, já começava a diminuir bruscamente. “Sinto falta dela todos os dias… Nós éramos muito ligados.” Ele disse após beber um copo d’água. “Vamos tomar um ar e continuar essa conversa lá fora… Aqui está muito abafado.” O calor do dia começava a adentrar nos compartimentos do barco. “Está bem.” Edwyn respondeu ao se levantar. “Sor, se me permitir ficar devorando o resto de vocês…” O arqueiro apontou para os peixes fritos sobressalentes. “Fique a vontade, Sepulcro. Mas não vá ficar roncando alto até tarde, hein…”

Fora dali, decidimos caminhar até a proa, então meu tio bastardo continuou: “Voltei com o Sacerdote, após encontrá-lo em Volantis. Nossos destinos se cruzaram por lá quando eu voltava de Valyria. Foi lá que conquistei minha espada e meu dragão.” Se eu não tivesse visto a espada, riria alto na cara de Edwyn. Mas por mais difícil que seja de acreditar, é verdade. “Dragão?! Que dragão?! Os dragões se foram deste mundo a mais de um século.”

“Mas deixaram seus ovos como sementes nas terras da Perdição. Prontos para eclodirem sob domínio dos escolhidos.” Ele disse com firmeza. Percebi que um dos marujos se interessou e aproximou ao ouvir a palavra Dragão ser repetida tantas vezes, mas com apenas um olhar, afungentei o rapaz. “Está bem, eu acredito. Depois você me explica melhor… Mas conte-me que fim levou este ovo de Dragão?” Sondei esperando que estivesse perto de nós. Poderia a chave para minha legitimação através dos Targaryen. “O mesmo fim da mina-de-ferro Belvedere e da Vila do Estrangeiro. Os Lannister tomaram de nós juntamente com os malditos Cleganes e os invejosos Lyddens.” Quer dizer que eu sou escravizado e o mundo inteiro que deixei para trás vira de cabeça-pra-baixo? Pensei surpreso. Lembro-me bem que a inveja dos Texugos não passava do Portão de nosso Monte. “O que aconteceu? Por que os Lannister tomaram a Garganta do Tigre? Esta mina é nossa há mais de sete séculos! A Vila do Estrangeiro foi fundada pelo ancião Elder I Belvedere e desde sempre governada por um tigre. O que aconteceu?!”

Novamente percebi ouvidos atentos as nossas palavras. Mas tudo que eu queria saber era a resposta da minha pergunta, e ela veio, para meu desgosto: “Houve um cerco de mais de seissentos homens à Fortaleza Belvedere. Cleganes, Lyddens, Bushys, Wythers, e outras casas que desconheço por não ter sido criado nos Sete Reinos. Resistimos bravamente enquanto o resto de Westeros lutava no Grande Torneio. Então, na virada do ano, caímos sobre eles. Lucyus trouxe a Guarda-Malhada e a guerrilha d’Os Sombras do Monte por trás dele e nós atacamos com cavalaria e infantaria, além dos Flechas-Azuis nas ameias da Fortaleza, dando-nos cobertura.” Enquanto ele falava, eu visualizava a guerra que não lutei. “Meu pai lutou?”

“Seu pai comandou bravamente. De cima das ameias, ordenou cada saraivada certeira na artilharia do oponente. Bem como deu o sinal para que Lucyus atacasse e formou nossa vanguarda. Porém, ‘o espírito do homem foi levado com seu filho’ era o que diziam.” Se isto é verdade, começou com a morte de minha irmã Belle nas mãos dos Cleganes, eu lembro desse dia funebre em Monte Tigre. “Quem comandou a cavalaria? Meu tio Avahan?” Eu precisava saber. “Sor Avahan estava no Grande Torneio. Fora meu primo Sor Elmmer II que encabeçou a linha-de-frente da cavalaria.” Meu outro tio, já era orgulhoso por natureza, depois dessa… “Então! Conte-me como vocês foram derrotados…”

“Quem disse que fomos derrotados?” Ele perguntou revoltado. “Mas você disse que perdemos a Garganta e a Vila…” Eu relembrei. “Eu disse que elas foram tomadas de nós. Por que vencemos no confronto que ficou conhecido como ‘A Batalha das Explosões’ devido ao fogo árduo por todos os lados.” Explosões? Será o metal-secreto? Pai… Como você permitiu isso? “Quem deu a ideia do fogo? Você sabe, tio?” Eu precisava saber se tal erro partia de meu pai. “O bom e velho sacerdote vermelho que veio até aqui comigo para te salvar.” Menos mal, eu sabia o quão Jared era incontrolável. E eles haviam vencido, por fim. “Ah sim… Quem morreu neste dia?” As baixas… Preciso saber. “Eu matei Sor Victor Clegane, o herdeiro do Forte Mastim. Sor Elmmer II feriu gravemente o pai de Victor, Lorde Othor. Sor Axell Lorch e Sor Breno Myatt tiraram Sor Gregor da batalha, caindo despenhadeiro abaixo. Porém, os três ficaram vivos. Seu irmão… morreu nessa madrugada.” Ele finalizou sem jeito. Então fora uma morte honrada em batalha. Isso aliviava-me, pois eu imaginava ter sido obra de uma de suas amantes ciumentas. “Onde ele morreu? Quem o matou?”

“Ao lado de Belick com uma flechada no peito. Disseram que fora para salvar meu irmão, seu pai…” Aquelas palavras me fizeram cansar da história. Todavia, eu queria entender como perdemos nossas terras. “E os Lannisters?” Perguntei em um tom mais discreto. “Chegaram na manhã seguinte. Nem bem dividimos os espólios da batalha. Foram minutos de comemoração, a Fortaleza dos tigres repleta de armaduras e armas, cativos e suas boas montarias, além de todo recurso que eles haviam retido no cerco. Contudo, o tal do Lorde Tywin tem o dom de aparecer nos piores momentos, apenas para castigar.” Depois do nome citado, um homem de barba-longa e testa assada se aproximou carrancudo seguido por dois garotos, que pareciam ser seus filhos. “Bom dia, jovens. Façam-me o favor de conspirar em outro canto deste convés… Estão atravancando meu serviço aqui nos cordames.” O velhote disse ao retirar um rolo de corda onde eu debruçava os pés. Que incômodo. “Bom dia. Me chamo Daronn… Qual é o seu nome?”

“Sete-Nós.” E fechou a cara, como se eu fosse relatá-lo para Sor Tygget pelo breve constrangimento. Acontece que eu achei o nome engraçado, e meu tio Edwyn também. Nós rimos e ele se ofendeu mais ainda. “Por que tanto estresse, amigo?” Ele abriu a boca e o hálito de morto veio enquanto berrava: “Vocês riram do meu nome e conspiraram no meu convés. O capitão saberá disso.” E se eu pudesse, enfiava uma espada em sua barriga. Se tem um tipo de pessoa que não suporto, são os carrancudos. Mesmo assim eu disse: “Não vejo necessidade em alarmar o capitão com baboseiras. E seu apelido só não tem mais nós que sua barba emaranhada. Hahaha” Eu também sabia ser rude, Edwyn me acompanhou na provocação e o filho do marujo emburrado agiu sem pensar.

Em resposta a nossa zombaria, o garoto tentou acertar meu sobrinho no ponto fraco de qualquer homem, suas bolas. Para nossa surpresa, minha e do garoto, Edwyn estava atento e com o cajado que usava de bengala empurrou o moleque para trás. “Sem agressões! Ou o capitão realmente ficará sabendo.” Ameacei tentando convencê-lo a não envolver Sor Tygget naquela briga tola. “Hehe, acha que estou ferido?” Meu tio fez troça infantilmente do menino que enfureceu-se. Quem menos gostou disso fora o pai dele. “Pois Sor Tygget ficará sabendo.” Finalizou Sete-Nós ao impedir que o moleque voltasse a atacar Edwyn. Então a família de carrancudos nos deixara em paz finalmente. Que reclamem, gostaria mesmo de ver como Sor Tygget lida com tais pequenas insolências.

Atravessamos aquele canteiro de cordas do convés. Delimitado por grandes caixotes e mesas cobertas de cânhamo desfiado e pronto para ser trançado. Haviam dois sonâmbulos trabalhando acordados por ali, tão sonolentos que sequer notaram nossa presença. “Então a Mão-do-Rei nos tirou território. Mas qual foi o real motivo? Afinal, eles que cercavam nossas terras…” Edwyn esperou que passassemos por mais dois marinheiros para responder: “O Leão não é mais Mão, voltara furioso para o Ocidente. E sim, houveram vários motivos para nosso declínio. O metal incendiário que causou as explosões da batalha fora o principal. Você sabia disso?”

“Como poderia saber?! Estou a mais de mil léguas de casa.” Tentei disfarçar. Meu pai ainda teve sorte, pois o último Belvedere que fizera o mesmo, partira para Muralha sem olhar pra trás… Meu bisavô, o Lorde Elder Fera-Negra. “E o Grande Torneio que seria o trunfo da casa nas mãos de meu irmão Avahan…” É tão estranho ouvi-lo falar ‘irmão’, ‘sobrinho’, ‘pai’, … Ele nunca foi da família, mas agora é toda família que tenho. “Também terminou em desastre.” Tudo parecia ter terminado em desastre, então apenas continuei ouvindo o que ele tinha pra contar.

“Avahan quebrou a mão de Sor Jaime Lannister no último dia do torneio. Lorde Tywin queria crucificá-lo por isso, afinal, seu retorno não fora permitido pelos leões.” Engoli em seco tal história, entendendo por fim a gravidade do problema. “Mas Sor Tygget disse-me que meu tio envergou o branco…” Eu não acreditava que um cavaleiro pudesse confabular tal mentira. “Fora no dia seguinte ao Tribunal que o corvo de Porto Real chegou. O dragão pôs suas garras antes do Leão e Avahan foi para a corte.” Chegamos a proa do barco, onde o movimento de pescadores era intenso. “Depois conversamos…” Falei de forma que ele entendesse a gravidade do que conversávamos. Talvez estejamos de fato, conspirando. Já não sei mais o que os Lannisters querem de nós. E pescadores gostam de contar histórias. Ali não foi diferente.

Em meio as tábuas escorregadias, ao cheiro azedo de peixe fresco e ao forte vento cortado pelo navio, que me senti livre de verdade depois de muito tempo. Conheci Salazan, um velho pescador que disse ter conhecido meu pai no campo de batalha, quando ele fora sagrado cavaleiro. “Belick, o Tigre do Monte, fora sagrado cavaleiro ao lado do Rei Aerys e de Lorde Tywin.” E agora, ambos respiram, menos meu pai.

Eu ainda estava amargurado, mas Hams Pescador-de-Lulas, o alegre filho de Salazan, mostrou-me os peixes voadores que seguiam-nos oceano adentro. Então relaxei… Cheguei a me arriscar pescar um deles. Eu e meu tio nos divertimos um pouco, apesar dos ferimentos. Até que um cavaleiro chegou na proa e ordenou: “Bom dia rapazes! Chamo-me Sor Zargos Tawney, o Cavaleiro-de-Ferro.” Ele tinha um aspecto que contrastava muito com sua educação. Um cavaleiro sujo. Nós o saudamos e ele disse ao que veio: “Rapazes! Acompanhem-me… Vou levá-los até o capitão.” Fingi não saber do que se tratava e o segui de bom grado.

Não voltamos pela área dos cordames, pegamos uma curva entre os caixotes à bombordo e chegamos em uma espécie de taverna a céu aberto no convés. Onde cavaleiros se amontoavam sob as mesas, tomando seu desjejum e jogando dados. Alguns afiavam suas lâminas. Há muitos cavaleiros. Enquanto atravessávamos aquela maré de olhares, Sor Zargos questionou nossa virgindade: “Eu tenho quatorze esposas-de-sal. Muito mais do que qualquer um deles…” Apontou na cara de alguns homens claramente mais fortes que ele. “E vocês? São tão castos quanto parecem?” Eu fiquei meio constrangido com a pergunta fora de hora, mas Edwyn que nos atrasava, reagiu de forma diferente.

“Hahaha, não me casei, pois sou novo. Mas já tive mulheres de verdade em minha cama… E você, sobrinho?” Passou-me a voz, provocando-me. “Tenho duas mulheres em Westeros.” Sor Zargos com toda a intimidade que não tinha, cutucou-me dizendo: “Não tem não.” O quê? Onde quer chegar, Zargos? Pensei em perguntar, mas evitei maiores desentendimentos. “Sua mãe e irmã não contam, sobrinho… Hehehe, estamos falando de mulheres nuas em sua cama…” Quando foi que começamos a disputar isto e como esse assunto começou? Eu me perguntava, mas respondi: “Já tive uma mulher nua dentro de uma gruta sagrada e afrodisíaca, tio. Você não me conhece…” Deixei a entender.

“Que rapaz profano… Eu gostei. Aliás, deixe eu apresentar uma de minhas esposas…” Sor Tygget permite isso? Eu só tinha visto homens a bordo até então. Acontece que o Cavaleiro-de-Ferro trouxe um jovem magricela, de boxexas rosadas e mãos finas, pelos braços e disse: “Este é Mamushk Elys, minha quinta esposa.” Ele falou tão sério que a piada era óbvia, apesar imprevista. Nós rimos bastante até perceber que nem Sor Zargos nem ‘sua esposa’ riam conosco. “Estou farto de esperar o aleijado caminhar. Assim chegaremos a cabine do capitão no almoço.” Sor Zargos disse emburrado e apressou-se mais a frente com Elys. As normas são frouxas nesta composição.

No que ficamos pra trás, Edwyn revelou-me: “Sobrinho, devo lhe dizer… Erick Belvedere, o Mestre-dos-Cães, nosso primo… Veio conosco buscá-lo.” Ele não olhou nos meus olhos, de modo que entendi tudo. “Como ele morreu?” Perguntei. “Ele não morreu, Daronn. Ficou em Yunkai para resgatar o irmão Elliot.” Então estão vivos? Não havia notícia melhor. “Já sabemos nosso próximo porto, tio: Yunkai.”

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O Resgate do Herdeiro

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