“A Pequena Loja de Suicídios” e não, o filme não se passa em contexto acadêmico

André Figueiredo
O Sétimo Blog
Published in
4 min readMay 30, 2017

Notícias divulgadas sobre suicídios de alunos universitários tomaram espaço nas mídias dos últimos dias, principalmente a de quem frequenta a UFMG, seja como aluno, professor ou funcionário. O suicídio em meio acadêmico parece um fenômeno novo do século XXI (assim como a existência de casais homoafetivos, do bullying e das lutas de minorias), porém sempre esteve presente e as ocorrências, na maioria das vezes, são abafados pela própria instituição para “evitar o tumulto”.

Um dado que comprova que os casos de suicídio advém de longa data é a taxa de suicídios na faixa etária de 15 a 29 anos, em 1980, que era de 4,4 por 100 mil habitantes. O que temos de mudança para a nossa época é apontado pelos dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde divulgados pela BBC Brasil, em que, entre 1980 a 2014, houve um crescimento de 27,2% no número de suicídios de jovens na mesma faixa etária. Essa faixa etária, surpreendentemente ou não, representa em peso alunos dos anos finais da educação básica aos graduandos e pós-graduandos.

Dois casos de suicídio de alunos da UFMG e uma tentativa ocorreram só no mês de Maio e a comunidade muito ficou comovida e se preocupou em abordar o assunto. Os casos movimentaram as redes sociais ligadas à instituição e preocupam a direção. A instituição alega o acompanhamento regular dos alunos, tanto psicológico quanto médico, dentro e fora da moradia universitária. Porém de acordo com especialistas, a situação não é nada normal (e quem precisa ser especialista para alegar que casos recorrentes de suicídios não são normais?).

“É um cenário preocupante. Apesar de o número de suicídios no mundo todo ter crescido, episódios assim, em pouco tempo e envolvendo universitários, são uma evidência de que há algo errado” Carlos Costa, psicólogo (link para a matéria).

Na semana de Saúde Mental aberta no dia 16 de maio houve um manifesto lido que prestava solidariedade à família dos alunos e os estudantes atuantes do movimento a favor da saúde mental chamaram a atenção para a alta incidência de sofrimento mental entre os residentes nas moradias. Por isso, demandaram uma melhoria na oferta de escuta psicológica.

“Nós, estudantes, estamos sempre pressionando muito, mas não fazemos isso por não reconhecermos o esforço [da Universidade em melhorar as condições oferecidas], mas, sim, porque a nossa vida tem pressa. E as pessoas que perdemos não voltam”.

Em meio a esse caos silenciado pela pressão acadêmica da superprodução, os personagens da animação A Pequena Loja dos Suicídios, de 2012, passam pelo contrário: “vivem” em uma onde a aspiração maior de todo cidadão é a morte. “Long life to death” é quase o hino desse lugar caricato de uma cidade grande, com trânsito, poluição sonora, rotina intensa de trabalho e movimentação nas ruas. A animação protagoniza a “Loja de Suicídios”, loja que vende artigos para promover uma boa morte ao envolvido, e seus donos, com o mesmo tom de melancolia dos cidadãos. Eles, porém, são proibidos de se matar por carregarem o legado da loja.

Os habitantes claramente possuem a informação da existência do suicídio como prática comum na cidade, porém esse fato não os incomoda. Exceto ao filho mais novo dos donos da loja, único membro da família que sorriu quando bebê e que enxerga o valor da vida, pois, afinal, “somos os donos do mundo”.

O filme possui, no final das contas, um final positivo que reconhece nos prazeres da vida o “valer a pena” da vida. Entretanto, o suicídio é tratado , ao longo da animação, de forma tão explicita que pode ser problemático dependendo de quem o vê. Responsabilidade as mídias devem ter (ou criar) ao abordar o tema do suicídio (vide a recente polêmica da série Os 13 Porquês).

Poucos filmes como esse, que além de abordar o tema, reconhecem um “final feliz” para o problema do suicídio, existem e menos ainda são divulgados. A falta de abordagem do assunto nas grandes mídias contribui para o silenciamento mascaramento do problema e, dessa forma, o tabu existente sobre ele nunca deixará de existir.

(…) na história dos tabus, o suicídio ocupa lugar particular, não só mais constante, mas também semelhante entre as culturas. Praticamente não temos sociedades que o tematizaram ampla e abertamente, de modo que a prática se manteve de modo razoavelmente uniforme sempre como algo a ser ocultado, velado. O que há com o suicídio para, a despeito de toda a multiplicidade de moralidades, práticas culturais e singularidades históricas e antropológicas, se manter assim, incólume no seu silêncio? (…) Em última instância, mesmo que não saibamos exatamente como falar, se devemos falar, ou mesmo quando falar, o que parece ser mais fundamental nesses momentos é que tenhamos a capacidade de escutar. (De quantas razões precisamos para falar? Por Christian Kieling e Felipe Pimentel).

Mas é triste
Exatamente. É triste e é por isso que é belo.

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