Os Heróis de Sanjay e sua dose de valorização cultural

André Figueiredo
O Sétimo Blog
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4 min readMay 22, 2017

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Divulgação promocional da Pixar

É indiscutível o fato de sabermos muito da cultura ocidental, principalmente do jeito americano estadunidense de ser, e apenas sabermos uns cinco palpites brainstorm sobre outros países, tanto africanos quanto asiáticos e oceânicos. A culturação europeia e a expansão da cultura norte-americana tem razões históricas que envolvem a colonização e o imperialismo e até hoje sofremos os reflexões desse histórico de dominação.

O fato de notícias sobre a candidatura presidencial da França e Estados Unidos nos soarem naturais ao passar no Jornal Nacional, ao passo que pouco sabemos, por exemplo, sobre o regime de governo da China (um dos países, se não o país, mais importantes economicamente hoje) é uma amostragem do resquício dessa questão histórica.

Em 2015, no meio da barca de grandes tragédias envolvendo o município próximo a Mariana aterrado pelo “acidente” com a barragem da Samarco e os atentados terroristas em Paris, houve um grande discussão nas redes sociais sobre “qual acontecimento é mais relevante. Sabe-se, segundo o Scup, que acompanhou a movimentação e comparou a repercussão dos dois assuntos, que os Brasileiros citaram mais “Paris” do que “Mariana” no Twitter. Por que isso aconteceu? Por que Paris teve um filtro de solidariedade para fotos de perfil do Facebook e o acidente no interior de Minas Gerais não teve? Precisamos concordar que há um desnível sobre relevância de assuntos a nível mundial. E essa relevância, e isso não é novidade para ninguém, obviamente acompanha os países “de primeiro mundo”.

Diante esse cenário, recordamos da quantidade de filmes Hollywoodianos nos cinemas de shopping. Em um deles, O Bom Dinossauro, filme de animação da Pixar, estreado em janeiro de 2016 no Brasil, tivemos a (re)apresentação do curta metragem “Os Heróis de Sanjay” (Sanjay’s Super Team, 2015). O curta animado foi apresentado primeiro no festival de cinema de animação de Annecy, foi indicado a melhor curta de animação no Oscar 2016 e no Annie Awards do mesmo ano, infelizmente, não levando nenhuma premiação.

A história, baseada em uma memória de infância do diretor Sanjay Patel, apresenta-nos o pequeno Sanjay que, louco por desenhos de super-heróis, não se preocupa com o momento sagrado de oração ao lado do pai. O menino, após ser forçado a participar, bagunça um pouco o altar e cai em um “sonho acordado”, em que aparece um monstro(ÃO) vilão e os heróis que aparecem para salvar o dia são três deuses hindus traçados com movimentos e golpes dignos de super-heróis da Marvel ou DC.

O vídeo contendo a primeira cena do curta foi disponibilizado pela Disney-Pixar no Youtube, porém o pequeno filme está disponível no Vimeo:

É bem possível que vários Sanjays estejam espalhados pelo mundo. No Brasil é muito comum crianças acompanharem desde cedo aos desenhos de estúdios estrangeiros (para não repetir a palavra estadunidenses) e pouco saberem da cultura, tratada como fantástica, vinda dos indígenas. No caso de Sanjay, pouca importância dava para as figuras religiosas de seu povo (tanto valiosas para seu pai), se incomodando com o barulhinho do sino que atrapalhava-o a assistir aos desenhos.

Transformar deuses Hindus em super heróis foi um fator muito positivo para Sanjay valorizar sua cultura. Talvez, aquele momento do ritual e as estatuas divinas só realmente passou a pertencer a ele no momento em que uma simbologia cultural e religiosa, que possui uma imagem muitas vezes de antiga e “coisas dos nossos avós e pais”, adquiriu outra imagem, dessa vez, acessível à ele. Sentir que o objeto com o qual estamos lidando faz parte da nossa individualidade nos faz gostar do envolvimento com ele e passamos a dar mais importância a ele.

Minha intenção aqui não é julgar quem comemora o Halloween e esquece do “Dia do Saci”, mas levantar o questionamento do porquê perpetuamos o desconhecimento da nossa própria cultura mesmo sabendo das sobre as questões de valorização cultural, tão contemporâneas e reais. Afinal, quando as simbologias culturais de nossa história deixaram de nos pertencer?

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