“A comunicação como instrumento de reestruturação” ou “Evite Aborrecimentos”.

Edgar Dourado
O sexo e a cidade
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4 min readFeb 24, 2022

A cada dia surge uma nova modalidade (vulgo capitalização de humanidades) que visa proporcionar ferramentas para entender o nosso próprio ser. Cursos de dialógica; comunicação não violenta; palestras sobre motivações e diálogos para seja qual for o segmento… Calma; eu não estou aqui para tentar vender nada , mas de alguma forma, me vejo coagido a estar aqui para concordar com a indução de tais práticas. Afinal de contas, quantos problemas seriam solucionados não apenas pelo diálogo, mas pela boa colocação do mesmo ?!

Dessa vez estarei sendo o mais direto possível ( e tentando reduzir os parênteses).

Colocação Um : Um casal monogâmico tradicional; não moram juntos; se encontram pouco mas mantém contato virtualmente todos os dias, o dia todo.

O primeiro membro (o qual chamarei de João), é uma pessoa dispersa, que tudo questiona, nada entende. Já Sthefany, sua namorada, é uma pessoa direta, que comunica tudo sobre tudo e tentar ser o mais clara possível. Não fica difícil de imaginar o quão conturbada fica a dinâmica do casal nessas situações, certo ?! Várias foram as ocasiões que, mesmo após Sthefany explicar a mesma situação de formas diversas e o mais claras possíveis para João, ele ainda não consegue entender bulhufas do que foi dito ( as vezes até desenhado). Com o tempo, Sthefany (acostumada com praticidade e clareza) acaba perdendo o ânimo e vontade de contar detalhes do seu dia para João, visto que é exaustivo para cacete você se desgastar em explicações de alguma coisas que por vezes (quase sempre) é bastante simples.

Sthefany impaciente, João com pouca (nenhuma) habilidade de compreensão… temos aqui o cenário perfeito de um casal que se gosta, tem excelente contato, combina de certa forma, mas que se cansou… não ocorre mais diálogos, é tudo muito superficial, muito podado, já pensado em evitar atritos. Uma relação natureza-morta, tem muita beleza mas nada nos diz.

Colocação dois : Vitor conheceu José em uma festa há quatro meses atrás, paixão aconteceu, tudo foi muito gostoso mas ambos moram em cidades separadas ( mais um caso em que a incômoda geografia nos aflige). Apesar dos pesares, os dois seguem firmes e fortes ,sustentando a relação nos termos mais positivos possíveis. Qual a situação problemática aqui ? TAMTAMTAM

Vitor sofre de ansiedade num nível extra hard e isso não é novidade para ninguém; visto que o mesmo faz questão de anunciar o tal fato aos quatro cantos ( olá, meu nome é Vitor, tenho 26 anos, sou de escorpião, tenho ansiedade e uma poodle chamada Frú-Frú). José, avisado da condição de Vitor, diz que compreende e que tentará ao máximo lidar com essa situação de uma forma funcional sem afetar a rotina de ambos, ou caso afete, sem culpabilizar Vitor por sua condição. Ao menos ele teoricamente afirmou… já citando Belchior “ eu não estou interessado em nenhuma teoria, nem nessas coisas do oriente, romances astrais”.

Pois é gente, José cagou para o fato de Vitor ser escorpiano, e se importou menos ainda com sua ansiedade ( que aqui cabe ser tratada como uma doença/deficiência, não um charme ou frescura como comumente apontam). Resultado do casal : Temos um Vitor que começa a sofrer o dobro por cada ação realizada ( ou não realizada) por seu parceiro; e um José que atropela as necessidades de Vitor ao mesmo tempo que toma atitudes estúpidas ou por temer perguntar, ou por achar que sabe lidar com uma situação que não lhe afeta por completo. Quando lidamos com as responsabilidades de terceiros, por mais empenho que tenhamos, é sempre cabível recordar que o peso final das mesmas ações cairá sempre para aquela pessoa envolvida e não para si.

Finalização da análise : Citei dois exemplos verídicos e de pessoas ao meu encalce ( obviamente com algumas alterações de ordens, fatores, situações e sobretudo nomes); que poderiam ser situações ocorridas com qualquer pessoa. O que cabe pesar a análise aqui ? Bom, certamente não culparemos os problemas que envolvem essas pessoas, visto que problemas são inerentes aos seres humanos, assim como os defeitos dos mesmos.

Certo, guardei no meu coração, colei um cartaz atrás da porta do meu quarto e já estou pronto para espalhar por ai que todas as pessoas do mundo tem defeitos. Agora, qual é o problema da situação ?

R- Simples !!! O problema é simplesmente sua falta de comunicação, e com comunicação eu quero dizer comunicação ! Não é somente alertar para a pessoa “ tenho tal condição”, é alertar da sua condição e a informar que a mesma te afeta em x fator, te atrapalhou em ocasião y e que te chateia em n’s fatores, e sobretudo que chateia a forma como seu parceiro/parceira/parceire lida com a mesma e com você.

O problema não é somente você aceitar que tal pessoa tenha x defeito, na verdade você não é juiz moral para aceitar defeitos alheios. O problema é você afirmar uma compreensão e não colocar essa compreensão sobre o ocorrido. Eu não preciso apenas saber que a pessoa que eu me envolvo tem ansiedade; eu preciso saber como contornar esse fator, como lidar com as crises e sobretudo, preciso questionar a mesma se o que estou fazendo é o certo.

Em um período de exposições múltiplas e de conhecimentos gerais, não basta somente você ser informado ou informar outros. É necessário fazer com que sua mensagem seja entregue com clareza e sem dúvidas. Não é errado você não gostar mais de uma pessoa, não saber lidar ou não ter paciência com ela. Errado é você sentir tudo isso e ainda assim querer sustentar uma relação com a mesma, seja por comodidade, seja por algum apego emocional que não mais se sustenta.

O poder da comunicação serve não somente para que apertemos laços. Serve também para conseguirmos afrouxar os mesmos, ou, em condições adversas, cortar de vez todas essas cordas que nos amarram não para sustento, mas para tortura.

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Edgar Dourado
O sexo e a cidade

Designer, Ator, cronista do caos e Carrie Bradshaw Tupiniquim. Escrevo sobre o que der na telha. Instagram: edgar_dourado