Coração partido em uma quarentena

Edgar Dourado
O sexo e a cidade
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3 min readOct 12, 2020

É indubitável que nossos comportamentos se alteraram durante o período de isolamento social. Nossas descobertas pessoais, análises e muito, muito sofrimento. Eu era uma rara exceção, dessas que comprovam regra.

Estava bem encaminhado, arranjei um emprego, organizei uma rotina amplamente favorável e me declarei para a pessoa a qual sempre tive interesse, que de forma positiva, retribuiu o mesmo sentimento afetivo. Estava tudo ocorrendo bem, até que de uma forma brutal eu perdi tudo. Emprego, contatos, me desorganizei e como a última pá de terra postada em minha lápide, “terminei” com meu amado.

Eu nunca fiz a linha apaixonado, monogâmico e todo o mais; “Eu te amo” são palavras que raramente são vistas sendo pronunciadas de meus lábios. Romper esses paradigmas foi um ato tão súbito e radical para mim, que assemelha-se à hipótese de um cardíaco pular de paraquedas. Desnecessário dizer também que meu sofrimento perante isso veio multiplicado ao quadrado. Para ser sincero, a dor de amor é a que mais tem me afligido atualmente. Não por ser a que mais teve importância, longe disso, mas porque no meio de tantas tragédias ocorridas, essa é a única não solucionável. Posso reorganizar minha rotina, procurar outro emprego, conviver com tudo o que me restou… Mas como posso reverter essa situação romântica ? Como posso curar essa dor que emana de mim, sendo que eu nunca a senti ? Para os românticos inabaláveis que me leem, ela tem cura ?

Fico me questionando isso de hora em hora, com a mesma frequência de que checo as redes dessa pessoa. Todos os pontos foram esclarecidos e ele até me disse que voltaria a chamar-me quando ele já estivesse bem resolvido com toda a situação. Mas cada instante que passa, compreendo que o antes jamais se repetirá, mesmo que ele volte, já não será mais a versão dele que eu anseio, da mesma forma que eu já não sou mais a versão que ele conhecia. Infelizmente, também não sou mais a versão que eu mesmo conhecia.

Tento conviver com o desconhecido eu; arrumar minha rotina novamente, cancelar o contrato da casa que alugaríamos juntos, arquivar todas as nossas fotos, esperar o algoritmo reconhecer que ele não é mais prioridade nas minhas redes. Convivo com as percas e as descobertas enquanto luto com a vontade súbita e irritante de perguntar “ Você está bem ?” ou de mandar um “Por favor, supere qualquer mágoa que tenhas por mim e volte aos meus braços”. Sensações inéditas, incógnitas irritantes e bastante ridículas.

É por isso que estou aqui, quero me descobrir novamente e regurgitar essa pessoa da minha vida, sem anseios ou medo de o chamar novamente. Uma característica fixa em mim é que sou escritor, independente da situação e das versões de mim que são múltiplas, sou escritor. Não por hobbie ou vocação; sou escritor porque a única coisa que eu consigo fazer é escrever, encaixar palavras em orações e questionar concordâncias e pontuações são a forma mais eficaz de aliviar minha alma.

Sigo fluído no incerto-eu, mas pelo menos tenho um novo foco direcional. Escrevo de forma abrupta e incessante. Escrevo da mesma maneira que escrevi todos os “Eu te amo” enviados, mas nunca retribuídos.

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Edgar Dourado
O sexo e a cidade

Designer, Ator, cronista do caos e Carrie Bradshaw Tupiniquim. Escrevo sobre o que der na telha. Instagram: edgar_dourado