12 de maio | Sobre enfermeiras e CPIs

Um texto para o Dia Internacional da Enfermagem

Caio Romio Augusto
O Veterano
6 min readMay 12, 2021

--

Em 12 de maio de 1820, nasceu Florence Nightingale, figura central para o desenvolvimento da enfermagem como ela é hoje.

Florence teve papel fundamental na Guerra da Crimeia, na qual ajudou a cuidar de centenas de soldados feridos. Suas ações foram principalmente voltadas à sistematização da higiene hospitalar, bastante precária na época, e contribuíram diretamente para a queda de mortalidade em 2/3 no front. O mais notável, contudo, foi como ela convenceu os oficiais a adotarem as medidas de higiene nos hospitais militares.

Florence Nightingale — Domínio público.

A enfermeira elaborou um gráfico contendo os dados de quantas vidas poderiam ser salvas mediante as medidas sanitárias corretas. Sendo assim, foi pioneira na utilização de métodos estatísticos para a área da enfermagem, e, por meio de dados empíricos, forneceu material sólido para que milhões de vidas fossem salvas até hoje. Seus avanços na enfermagem foram amplamente utilizados já na Primeira Guerra Mundial, contribuindo para que a catástrofe humanitária do conflito não fosse ainda maior.

Diagrama de Florence Nightingale sobre as mortes na Guerra da Crimeia — também conhecido como “Diagrama da Rosa”. Domínio Público.

Seu trabalho é a prova de que evidências empíricas podem e devem contribuir para a prevenção de doenças e mortes dentro de uma sociedade. Sobre isso, vejamos o exemplo da pandemia de Covid-19 no Brasil. Desde antes da Organização Mundial da Saúde classificá-la como pandemia, em 11 de março de 2020, diversos estudos já demonstravam a importância de certas medidas preventivas contra a disseminação da doença. O uso de máscara, o distanciamento social, a ventilação natural de ambientes, a higienização constante das mãos — todas essas medidas foram consideradas elementares para o combate ao coronavírus.

Não à toa, os primeiros países a seguirem estritamente as medidas recomendadas pela OMS são os que mais rapidamente combateram a pandemia desde o início e que melhor a controlam desde então. Nova Zelândia, Taiwan, Japão e a própria China (apesar de o governo chinês ter possivelmente acobertado os primeiros casos) são exemplos claros de como recomendações científicas devem ser levadas muito a sério em cenários como este — e em todos os outros. Não apenas seguir as recomendações científicas, mas contribuir com a ciência: os países mais bem-sucedidos tiveram a testagem em massa da população como elemento em comum no combate à pandemia.

Independentemente do quão prudentes são as políticas de combate a uma pandemia em um país, um fato estará sempre presente: enfermeiros e enfermeiras estão na linha de frente. É verdade que eles não são os únicos que se arriscam ao trabalharem em tempos pandêmicos. Contudo, são eles quem, diariamente, entram em contato com pessoas em estágio avançado de Covid-19. São eles quem os curam e são eles quem os enterram, pois costumam ser as últimas pessoas com quem as vítimas dessa doença ardilosa entram em contato.

Enfermeiros são heróis de capa branca — também conhecida como jaleco. Em turnos que chegam a 12 horas por dia, precisam colocar em risco suas próprias vidas e se isolar de suas famílias para que outros possam viver. E quantos viveram! Quantos teriam morrido sem a intervenção correta de enfermeiros, quantos puderam ter uma segunda chance de viver, de abraçar seus entes queridos, de beijar suas esposas, seus maridos, seus filhos, uma vez mais. O luto pelos mortos é presente e constante, mas devemos sempre ter em mente aqueles que impedem, diariamente, que o luto seja ainda maior.

Mas enfermeiros, ainda que sejam heróis, são seres humanos e não agem sozinhos. Precisam de suporte, de políticas públicas, de ações de pessoas mais poderosas que eles para que a guerra contra a pandemia seja vencida o quanto antes. Aí entra toda a sociedade civil, que, gerenciada pelos seus governantes, precisa seguir rigorosamente todas as medidas possíveis para o controle do vírus. Não é exatamente o que ocorre no Brasil.

A resposta do país à pandemia falhou em aspectos cruciais. Principalmente, ao meu ver, pela falta de uma política nacional que coordenasse os esforços da União, dos Estados e dos Municípios para o combate à doença. Foi um caos. Em algumas cidades, a quarentena era decretada com muito atraso, depois que o vírus já havia se espalhado. Em outras, com muita antecedência, sufocando a economia em momentos desnecessários. Medidas completamente inúteis — e até mesmo prejudiciais, como o rodízio de carros em São Paulo — eram implantadas. Bares e academias eram abertos, escolas continuavam fechadas. Um prefeito dizia “x” num dia, o governador decretava “y” no outro, e um juiz qualquer cancelava tudo — ou o contrário. Máscaras se transformaram em brincos e protetores de pescoço — e imbecilidades a respeito de seu uso, como afastá-la justamente na hora de falar, ainda são observadas em pleno 2021.

É fato que a pandemia é um cenário complexo, e eu pessoalmente não gostaria de estar no lugar de nenhum gestor público em um momento como este. Cada decisão envolve altos riscos em sua realização, e nunca é demais lembrar que o desemprego, a pobreza e a fome também matam. Contudo, dedos podem e devem ser apontados, e um deles certamente se volta contra o Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. Bolsonaro certamente não é o único responsável por todo o cenário catastrófico que o coronavírus está deixando no Brasil, mas atitudes suas evidentemente irresponsáveis com certeza contribuíram para a construção do atual status quo. Menosprezar o uso de máscaras, participar de atos populares sem máscara, desincentivar a vacinação, propagar fake news sobre o vírus e tratamentos precoces — atitudes que exigem o mero bom senso para serem condenadas — são fatos tornados públicos, aos quais todos temos acesso, cometidos pelo Presidente.

Para além desses fatos públicos e notórios, mais simbólicos do que efetivos, estão medidas concretas, possivelmente ilegais, tomadas pelo Governo Federal durante a condução do combate à pandemia. Essas estão sendo investigadas em uma Comissão Parlamentar de Inquérito, apelidada de “CPI da Covid”, que, entre outros, entrevistou os ex-Ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. CPIs, previstas no art. 58, § 3°, da Constituição Federal, possuem “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas”, mas nada podem julgar. Ou seja, coletam dados sobre fatos potencialmente ilícitos, que podem ser enviados ao Ministério Público, o qual poderá dar início a um processo contra a pessoa investigada. Não é, ao contrário do que se pode imaginar, uma interferência indevida de um Poder sobre o outro, e faz parte do complicado sistema de freios e contrapesos que regula a separação de Poderes em nosso país.

Aferir dados: foi isso que Florence Nightingale fez, é isso que uma CPI faz. Ela o fez para salvar vidas, enquanto os congressistas o fazem para investigar quem contribuiu para que fossem perdidas. No caso da Covid, há um laço muito forte entre enfermeiros e as autoridades públicas: o respeito à Ciência e a vidas humanas. Políticas públicas de qualidade, que respeitam as recomendações dos cientistas mais respeitáveis, fazem com que o trabalho dos enfermeiros seja menos desgastante, e que mais vidas sejam salvas.

Neste 12 de maio, lembremo-nos de quem está doando a própria vida para salvar as nossas e as dos nossos entes amados. Lembremo-nos também da importância da Ciência, de métodos empíricos e testados para toda a nossa sociedade. E não nos esqueçamos, em momento algum, de quem menosprezou as evidências científicas e o sacrifício diário de todos os profissionais da saúde.

A todos os enfermeiros e enfermeiras, um feliz 12 de maio!

--

--

Caio Romio Augusto
O Veterano

Estudante de Direito da FGV Direito Rio, cuiabano e quase carioca. Apaixonado por política, História, cultura e artes num geral. Cat person e fã do Al Pacino.