13 de Julho | Dia Mundial Do Rock

De Rosetta Tharpe ao indie, um estilo transgressor

Caio Romio Augusto
O Veterano
5 min readJul 14, 2021

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A banda Queen se apresenta no Live Aid, em 13 de julho de 1985 | Foto: Peter Still/Getty Images

Em 13 de julho de 1985, ocorreu o Live Aid, um dos maiores eventos culturais do século XX. Transmitido para bilhões de pessoas em mais de 100 países, o show reuniu apresentações de bandas e artistas como Queen, Dire Straits, U2, Led Zeppelin, The Who, Elton John, David Bowie, Paul McCartney, Bob Dylan e BB King com um objetivo em comum: arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia. Em um dado momento, o cantor Phil Collins deu a ideia de que aquele dia se tornasse o Dia Mundial do Rock.

Só o Brasil levou a sério, contudo. Duas rádios paulistanas, a 89 FM e a 97 FM, decidiram acatar a sugestão de Phil Collins e instituíram a data comemorativa no país. Eram outros tempos: as rádios nacionais vibravam com as bandas de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, que movimentavam multidões em seus concertos por todo o país. Cazuza e Renato Russo estavam vivos, Lobão era coerente e os Mamonas Assassinas nem sequer eram uma banda. Havia uma forte mistura de gêneros e influências, com destaque para o punk-rock, a new wave e até mesmo os variados ritmos tradicionais da cultura brasileira. Era um cenário de efervescência cultural, impulsionado por uma juventude que viveu o fervor dos anos finais da Ditadura Militar e que experimentava, finalmente, a redemocratização deste nobre país.

Redemocratização do Brasil, Guerra do Vietnã, queda da União Soviética: todos esses eventos tiveram como trilha sonora o bom e novo rock ’n’ roll. Desde as suas origens, o rock era associado a jovens pouco interessados em seguir os comportamentos e as ideologias de seus pais. Mesmo em seus momentos menos politicamente engajados, o rock sempre foi transgressor sobre os costumes tradicionais.

O rock and roll começou a surgir em meados dos anos 40, sendo uma mistura do country com ritmos afro-americanos como o blues, o gospel e o rhythm and blues. O período teve como grande expoente, entre outros, a cantora e guitarrista Sister Rosetta Tharpe, que misturava temas religiosos e seculares em suas canções e que se utilizou amplamente de técnicas de distorção em sua guitarra elétrica. Sua paixão pela música, sua voz poderosa e sua tranquilidade ao tocar e cantar arrepiam e impressionam até os dias de hoje.

Sister Rosetta Tharpe e sua guitarra em “Didn’t It Rain?”

Nos anos 50, Chuck Berry, Little Richard e Elvis Presley criaram legiões de fãs no mundo inteiro. Na década seguinte, o rock era onipresente: Beatles e Rolling Stones mostraram que o Reino Unido também consegue (e como consegue!) produzir rock de qualidade, e marcaram a primeira “Invasão Britânica” promovida pelo rock nos Estados Unidos. No final da década, marcado pela Guerra do Vietnã, bandas e artistas como Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Who e Grateful Dead se apresentaram no Festival de Woodstock, marco do movimento hippie e da cultura ocidental como um todo. No Brasil, Os Mutantes traziam o rock psicodélico e Raul Seixas lançava o seu primeiro álbum, “Raulzito e os Panteras”, em 1968 — um pouco de rock entre os vários lançamentos lendários da MPB, incluindo o revolucionário “Tropicalia ou Panis et Circencis”. No âmbito político, a Ditadura Militar começava a se tornar cada vez mais repressiva, culminando no Ato Institucional Nº 5 em dezembro de 68.

Os Mutantes — “Ando Meio Desligado”. A banda, com Rita Lee, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista, foi pioneira no rock brasileiro.

As décadas de 70 e 80 foram marcadas por dois gêneros opostos entre si: o rock progressivo e o punk-rock. O primeiro mesclava elementos do jazz e da música clássica com os do rock em músicas longas, com melodias complexas, mistura de instrumentos clássicos com teclados, sintetizadores eletrônicos e letras mais abstratas e profundas. Já o punk buscava retratar de forma crua a realidade da década de 70, marcada pelo desemprego, pela crise do petróleo e por crises políticas que trouxeram à juventude ocidental um espírito de contestação às estruturas de poder dos países capitalistas. No Brasil, o rock progressivo foi representado por bandas como Bacamarte, Som Imaginário, A Bolha e A Cor do Som — além da fase progressiva e pós-Rita Lee de Os Mutantes. Contudo, não teve força como o punk-rock, que chegou um pouco atrasado por estas terras.

Influenciado por Sex Pistols, New York Dolls e outras bandas estrangeiras de punk-rock, o punk brasileiro surgiu como uma resposta agressiva à Ditadura Militar, em contraste com o estilo mais sutil de crítica política da MPB. Bandas como Inocentes, Cólera, Garotos Podres, Ratos do Porão, Detrito Federal, Plebe Rude e Aborto Elétrico fizeram bastante sucesso entre os jovens urbanos do país. A Aborto Elétrico, inclusive, se rompeu e formou outras duas bandas de sucesso ainda maior: a Capital Inicial e a Legião Urbana, ambas de Brasília.

Inocentes — “Não é Permitido”. A banda, de São Paulo, foi uma das maiores do punk nacional.

Os anos seguintes foram os de maior sucesso e qualidade no rock nacional. As músicas se tornaram melhores e mais agradáveis, as letras abrangiam os mais diversos assuntos, e os estilos também variavam bastante. Escute “Legião Urbana”, o primeiro álbum da Legião Urbana, e “As Quatro Estações”, quarto álbum da banda, e veja as marcantes diferenças de estilo. Os Paralamas do Sucesso, no álbum “O Passo do Lui” (o meu favorito de todo o rock nacional), mesclavam ritmos alegres do ska com letras tristes e angustiantes sobre as desilusões da juventude — um disco que retrata como poucos como era ser jovem nos anos 80. Com músicas sombrias e politicamente engajadas, como “Johnny Vai à Guerra”, da Plebe Rude, até a irreverente “Você Não Soube me Amar”, da Blitz, os anos 80 foram um marco da criatividade musical no Brasil.

Blitz — “Você Não Soube me Amar”. Um dos maiores hinos dos anos 80.

A década seguinte foi marcada pela continuidade de certas bandas, como os Titãs e a Ira!, e pelo surgimento de novas, com uma pegada mais descontraída, até mesmo besteirol, mas nem sempre deixando de lado o engajamento político. Ultraje a Rigor, Raimundos, Charlie Brown Jr., Skank e Mamonas Assassinas até hoje fazem muito sucesso, e a banda Sepultura, de heavy metal, se tornou a banda nacional de rock mais ouvida, respeitada e influente no mundo.

Atualmente, é raro surgir uma banda de rock que faça tanto sucesso quanto as das últimas décadas. Outros gêneros ocuparam o lugar de sucesso, muitos com nítida influência de estilo, e é difícil de imaginar que houve um tempo em que Legião Urbana e Barão Vermelho estiveram entre as mais tocadas na Jovem Pan. Há poucos novos roqueiros na mídia tradicional, e hoje o mais comum é que sejam independentes e se divulguem por conta própria em plataformas da internet.

Contudo, o rock não morreu, nem está definhando. Sua presença na música e em nossa forma de se expressar continuará por muito tempo. Além disso, as plataformas de reprodução de música da atualidade facilitam imensamente o contato com as músicas do passado, de modo que possam ser transmitidas de geração em geração, em qualquer lugar do mundo. O rock faz parte de nossa história, influencia o nosso presente e continuará a marcar presença no futuro. O rock celebra a liberdade e combate as injustiças. E, acima de tudo, é muito bom de dançar. Já dizia Neil Young, “rock and roll can never die”.

Neil Young & Crazy Horse — “Hey Hey, My My (Into the Black)”

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Caio Romio Augusto
O Veterano

Estudante de Direito da FGV Direito Rio, cuiabano e quase carioca. Apaixonado por política, História, cultura e artes num geral. Cat person e fã do Al Pacino.